APAGÃO E “SECÃO” DEIXAM GUARAENSE INJURIADO

Interrupção de energia elétrica e de água ao mesmo tempo e por até dois dias provocou caos na cidade. Moradores reclamam de transtornos e prejuízos

Maria Ineide perdeu todos os perecíveis do seu mercadinho na QE 46

“Guará, cidade que me seduz; de dia falta água, de noite falta luz”. A adaptação do refrão do samba Vagalume, de 1954, virou meme nas redes sociais do Guará durante o final de semana passado, por conta do apagão e do “secão”, que provocaram caos em quase toda a cidade, com paralisação de atividades empresariais, perrengues domésticos e muitos prejuízos. A coincidência da falta de água nas torneiras e de energia elétrica por até dois dias provocou muita indignação nos moradores. Nem as explicações técnicas das concessionárias dos serviços conseguiram aplacar a revolta manifestada nas ruas e na Internet. Para completar o quadro de caos, vieram junto as chuvas mais torrenciais que caíram no Distrito Federal este ano, que provocaram o confinamento forçado dos moradores em casa mas no escuro e quase sem água para beber e tomar banho, com exceção das enviadas por São Pedro.
O perrengue em duplicidade começou na sexta-feira, 26 de novembro, para a maioria dos moradores do Guará, que ficaram sem água durante todo o dia e boa parte do sábado. A interrupção no abastecimento estava programada e havia sido informada pela Caesb, que precisou fazer o remanejamento de redes para as obras do viaduto que está sendo construído na Estrada Parque Indústrias Gráficas (EPIG), entre o Parque da Cidade e o Sudoeste.
Já a falta de energia foi justificada pela Neoenergia Brasília, concessionária do fornecimento aos moradores, como necessária para a troca de equipamentos da Estação de Distribuição do Guará I, que eram antigos e obsoletos e que poderiam provocar apagões maiores e constantes se não fossem substituídos. A troca também estava programada, mas “a interrupção foi precipitada e agravada por um defeito em um equipamento com vida útil avançada e que havia chegado ao seu limite de capacidade de funcionamento”, segundo nota da empresa.

Fortes chuvas pioraram a situação

Somaram-se à falta de água e de energia, as inesperadas e fortes chuvas que caíram sobre o Distrito Federal de quinta a sábado, e que não estavam previstas em nenhum aplicativo de previsão do tempo. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o volume de chuvas deste mês de novembro já é 48% maior que a média para a época. Entre o primeiro dia do mês e a segunda-feira (29 de novembro), foram contabilizados 335 milímetro de chuva na capital, enquanto a média para este período é de 226,9 mm.
A meteorologista Naiane Araújo, do Inmet, explica que as chuvas de sábado vieram com ventos que chegaram a 71 km/h e aumento de 400% na quantidade de raios em relação a outubro. “Nós tivemos um fim de semana muito complexo, com muitas chuvas, ventos com mais de 60 km em Brasília, e isso ocasionou várias quedas de árvores, espalhadas pelo DF. Essas árvores quando tocam a rede elétrica trazem uma complexidade para o reestabelecimento, porque a gente precisa recompor aquela rede, e isso traz mais tempo do que uma interrupção mais simples”, explica Gustavo Álvares, diretor superintendente de Relacionamento com o Cliente da Neoenergia Brasilia. Segundo ele, “a Neoenergia já investiu cerca de R$ 130 milhões neste ano (3,5 vezes mais do que ano passado), mas ainda restam alguns ativos importantes para serem renovados” (ver entrevista completa nas páginas 6 e 7).
Como a previsão é de que as chuvas devam se intensificar no DF no início de dezembro, a Neoenergia informa que está “importando” 98 eletricistas e técnicos das subsidiárias nos estados de São Paulo, Bahia e Pernambuco, onde tem subsidiárias, para reforçar as equipes de manutenção, “que já contam com 280 eletricistas, para a recomposição da rede elétrica danificada pelos temporais intensos do fim de semana”, diz a nota.

Sidney do Nascimento teve que interromper as aulas e as atividades do seu curso no Polo de Moda
Prejuízos e aborrecimentos

Nas redes sociais da cidade, “choveram” relatos de prejuízos e de indignação com a falta de energia e de água por tanto tempo. A maior parte das críticas era contra a privatização dos serviços de energia elétrica, vencida pela concessionária Neoenergia em dezembro do ano passado, consideradas – a empresa e a privatização – pelos internautas culpadas pelo que consideraram como um verdadeiro caos nunca visto no Guará. Parte das críticas, entretanto, não esconderam cunho ideológico por parte dos que defendem que o estado não deva repassar a concessão de serviços públicos, mesmo que estejam sendo ineficientes.
A maior parte dos prejuízos relatados se referiu a perdas de produtos perecíveis, principalmente os estoques em comércios e pequenas indústrias que não possuem geradores próprios de energia. Entretanto, a culpa não recaiu somente sobre a falta completa, mas também à queda de fases da energia, o que impossibilita o funcionamento de determinados equipamentos, como foi o caso da proprietária da Panificadora e Mercado RF, na QE 46, Maria Ineide Ribeiro. “Fiquei sem energia totalmente apenas por duas horas, mas as fases completas somente foram restauradas no domingo à tarde. Como os freezers não funcionam com apenas uma fase, perdi tudo o que era perecível”, reclama. O psicanalista e coach Sídney Nascimento conta que tem enfrentado vários problemas com as quedas de energia no Polo de Moda, onde funciona sua empresa. “Atendo pessoas e dou cursos, a maioria de modo híbrido (presencial e à distância). Quando falta energia, fico apenas com o celular em 4G. O modem e os demais equipamentos, principalmente o telão, ficam inoperantes. Sem falar nas dificuldades ambientais, climatização e iluminação. Já pensei em comprar um gerador, mas não compensa”, avalia.
“Aqui no Guará Park estamos tendo problemas recorrentes com a falta de energia. Além dos comerciantes que perdem mercadorias e vendas, moradores reclamam das constantes queimas de eletrodomésticos. Até quando vamos conviver com esses transtornos?”, pergunta a prefeita comunitária do Guará Park, Tânia Coelho.
Diante da indignação de parte de moradores de todo o DF com o que aconteceu no final de semana passado, a Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Consumidor (Prodecon) abriu uma ação de interpelação contra a Neoenergia Distribuição Brasília devido às recorrentes quedas de luz no Distrito Federal e à demora no conserto em regiões mais afetadas, como no Guará, Jardim Botânico, Asa Norte e Taguatinga. Segundo o MP, “a Prodecon está em fase de pedido de informações à empresa, para tomar as providências, casos sejam necessárias”.