História do Guará

Ainda nos primeiros anos da nova capital da República, uma pequena vila de trabalhadores passou a chamar a atenção de autoridades, arquitetos, urbanistas e engenheiros. A pequena vila atraia olhares pelo modo com que foi construída, através sistema de mutirão. A aglomeração foi batizada com o mesmo nome do bonito córrego que a ladeava e é um dos formadores do lago Paranoá, o córrego Guará, que banha a região, e se origina do Lobo Guará, espécie comum no cerrado brasileiro. A palavra Guará deriva do tupi auará, esignifica “Vermelho” e é associada tanto ao lobo Guará quanto à ave Guará. A cidade começou a ser implantada em setembro de 1967, com a denominação de Setor Residencial de Indústria e Abastecimento (SRIA) com a finalidade de abrigar trabalhadores do Setor de Industria e Abastecimento (SIA), além de moradores de ocupações irregulares e funcionários públicos. Seus primeiros habitantes foram os funcionários da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), que construíram suas próprias casas. O projeto do então prefeito de Brasília, Plínio Catanhede, previa apenas algumas quadras, composta de pequenas casas para os trabalhadores de Brasília. Os próprios participantes construiriam suas residências em mutirão. Os interessados em viver aqui, reuniam-se em grupos e rua a rua foram construindo o Guará I. Após cada rua ser finalizada, um sorteio definia quem teria direito a que casa. O mutirão começou pela QE 5 e seguiu pelas QEs e QIs 1 e 3.

A Sociedade de Interesse Habitacional (Shis) desenvolveu o projeto e a Novacap o executou. O próprio presidente da empresa, o engenheiro Rogério de Freitas Cunha, coordenou o mutirão. O governo fornecia o material para a construção e os futuros moradores construíam as casas. Em 21 de abril de 1969 foi inaugurado o primeiro trecho, chamado SRIA I, atual Guará I. Ainda no mesmo ano, a Novacap e s Shis ampliaram a área de ocupação, surgindo o segundo trecho, denominado Guará II, inaugurado em 2 de março de 1972, com o objetivo de atender aos funcionários públicos de menor renda transferidos para Brasília junto com os últimos ministérios, além de industriários e comerciários, desta vez financiados pelo BNH.
Quando foi oficialmente inaugurada em 5 de maio de 1969, o Guará tinha 2.623 casas construídas e 1.021 em construção. A partir daí, a Shis começou a construção de mais 3 mil casas, destinadas a servidores do governo que não tinham residência própria. Somadas às do mutirão, essas mais de seis mil casas formaram o núcleo inicial do Guará, ocupando uma área de 2,994 quilômetros quadrados. Em 1971, o Guará foi ampliado e passou a ocupar área de 8,1 mil quilômetros quadrados.

Nova fase
A poeira nas ruas, a falta de estrutura e o preconceito fez com que muitos agraciados com as novas casas desistissem de vir para a cidade. Muitos trocaram os iméveis por lotes em outras cidades, como Ceilândia e Taguatinga, outros simplesmente abriram mão de seus empregos e voltaram para o Rio de Janeiro, de onde veio a maior parte dos servidores transferidos. Assustados, esses servidores de menor renda vendiam as casas por preços irrisórios ou as abandonavam.
A Região Administrativa X (RA X) somente seria criada em 1989, com a denominação oficial de Guará, por meio da Lei nº 49 e seu Decreto nº 11.921, ambos de 25 de outubro, que estabeleceu a divisão do Distrito Federal em 12 regiões administrativas, entre elas o Guará, desvinculando-o da RA I (Brasília).
Com a cidade concretizada e em franco desenvolvimento, o governador José Ornellas, em 1985, último ano de seu governo, criou a QE 38 para assentar 523 famílias que viviam na Vila da CEB, Vila União, Vila Socó e Guarazinho. No processo de assentamento, pessoas de todo o DF aproveitaram para se instalar na nova quadra, como as famílias oriundas das invasões da 110 Norte. Como aconteceu no início da formação da cidade, os destinatários dos lotes também viram neles não uma oportunidade de viver bem, mas de negócio e os venderam por preços abaixo do mercado imobiliário.

Crescimento
A Feira Permanente do Guará foi criada em 1983 e, até hoje é símbolo da cidade e um dos centros de compras mais tradicionais do DF. Em 1984, foi criado o Setor de Oficinas do Guará, atendendo aos apelos dos moradores incomodados com o barulho das oficinas que funcionavam em residências. A partir de 1986, iniciou-se a implantação das Quadras Econômicas Lúcio Costa (QELC), contíguas à EPTG e resultado do plano “Brasília

Revisitada”, de autoria do urbanista. E em março de 1990, o Guará II se expandiu para além do anel viário, com as quadras QE 42 a 44, onde mais de 400 famílias foram assentadas. Em 1987. começou a implantação da QE 40 e três anos depois foi estendida com a criação do Polo de Moda. E também a ocupação da Posteriormente, do território ocupado pela RA X foram criadas as regiões administrativas do SIA (RA XXIX) e do SCIA (RA XXV). Em 1997, no finalzinho do Governo Roriz foi criada a QE 46, onde foram assentados apadrinhados do governo e não inquilinos de baixa renda como era o previsto.
Atualmente, a Região Administrativa do Guará é interceptada pelas principais artérias e rodovias que conectam os mais importantes centros urbanos do Distrito Federal, assim como os centros regionais, sendo favorecida, também, pela sua proximidade ao aeroporto. Isso faz dela um importante ponto estratégico que estimulou, ao longo do tempo, sua consolidação como um dos mais dinâmicos polos de comércio, lazer e serviços do DF, com oferta de shoppings, hipermercados, bares e restaurantes, o que faz do Guará uma das cidades mais autônomas em relação ao Plano Piloto.

 

O homem que criou o Guará

Os 143 mil habitantes do Guará devem o privilégio de morar numa das regiões mais valorizadas e mais bem equipadas do Distrito Federal a Rogério Freitas Cunha. Foi o então presidente da Novacap que teve a ideia de criar, e depois projetou e acompanhou a implantação do novo assentamento, que começou com um mutirão em 1967.
A ideia tomou forma com a participação do superintendente da SHIS, Wadjô da Costa Gomide, que depois viria a ser Prefeito de Brasília. Antes de ser prefeito, ele tinha sido subordinado a Rogério Freitas Cunha. Rogério era chefe dos subprefeitos (uma espécie de administradores regionais da época) e Wadjô era o subprefeito do Núcleo Bandeirante.
Nos contatos que mantinham constantemente, Rogério dizia a Wadjô dos planos de um dia promover um grande mutirão em Brasília, onde pudesse ser utilizado também a cibernética, seu hobby, ou seja, onde computador pudesse ajudar de alguma forma.
Logo depois, Wadjô Gomide foi indicado superintendente da SHIS, e começou a planejar também um local próximo onde pudesse abrigar a grande massa de funcionários que estava sendo transferida para Brasília, além da que já estava aqui.
Wadjô procurou então Rogério Freitas Cunha e disse a ele que essa cidade para os funcionários seria a do mutirão. Rogério passou então a executar, já como superintendente da Novacap, o seu grande sonho.

Poucos acreditavam
O início do mutirão foi muito difícil. Havia uma descrença geral no projeto, inclusive dentro da própria equipe do governo do DF, mas o mutirão para Rogério Freitas Cunha já estava predeterminado.
“Era o meu sonho. Eu faria o mutirão até dentro d’água”, disse ele ao Jornal do Guará em 1984. O local mais próximo e mais adequado seria o da Vila Guará, ao lado do córrego do mesmo nome e ao lado do Parque. Como a ideia era dar suporte em termos de moradia ao Setor de Indústrias e Abastecimento, foi este o local escolhido.
Para começar o mutirão, Rogério Freitas reuniu cerca de 100 interessados dentro da Novacap, e entre eles escolheu 30 para começar o mutirão “Depois que todos viram o que estávamos fazendo, recebemos tantas adesões que tivemos que deixar de cadastrar muita gente”, contou ele ao JG.
À medida que o mutirão ia tomando corpo, as modificações iam aparecendo, inclusive por sugestão dos próprios participantes.
“Tudo aquilo era uma maravilha. Era lindo ver as pessoas se ajudando mutuamente, com único objetivo de ver o bem coletivo. E interessante eram as contribuições de cada um, com ideias, com novas propostas e com trabalho. O projeto inicial do que seriam as casas foi muito modificado pelos pioneiros, baseados nas suas experiências, que para nós, eram muito importantes”, contou. Como o mutirão cresceu muito mais do que acreditava, Rogério Freitas Cunha passou a ter alguns problemas pelo fato de ser ele o autor e executor da ideia. Talvez estivesse mais em evidência do que outros hierarquicamente superiores. Teve que afastar-se da Novacap. Contrariado por dei-ar sua filha ainda sem criar, foi estudar informática nos Estados Unidos.

Dedicação
Até nos fins de semana Rogério participava do mutirão. Sem as obrigações do gabinete, ele passava o sábado e o domingo conversando e participando do trabalhos dos pioneiros. Quando cada fileira (conjunto) de casa ficava pronto, Rogério reunia os participantes e colocava o nome deles num inseparável chapéu de palha. À medida que iam sendo sorteados, os participantes do mutirão escolhiam suas casas.
Ao idealizarem um núcleo habitacional que pudesse abrigar funcionários públicos de menor renda da União, que estavam sendo transferidos para a nova capital, também outros servidores do GDF e mais tarde os trabalhadores do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), o então prefeito de Brasília, Plínio Cantanhede, e presidente da Novacap, Rogério Freitas Cunha, certamente não imaginaram no que seria transformado o projeto no futuro.
Passados 48 anos, o despretensioso mutirão se transformou numa das mais importantes regiões administrativas do Distrito Federal.
A escolha estratégica do local, que fosse próximo do Plano Piloto e do SIA, transformou a cidade numa das áreas mais valorizadas do DF, porque está no eixo entre o núcleo do poder e as outras principais regiões administrativas.
Por ainda conservar características de cidade do interior e oferecer ótimo padrão de serviços públicos e estar a apenas cinco quilômetros da Asa Sul e a menos de dez quilômetros do Aeroporto e ao lado das principais acessos à Brasília, a cidade do Guará se transformou no berço da classe média na capital.