Administração Regional, anexo do gabinete parlamentar

Nomeação de administrador desconhecido e sem experiência expõe os problemas causados pelo loteamento políticos do governo

Ao longo dos últimos anos, as administrações regionais têm sido esvaziadas pelo poder executivo. Aos poucos, foram perdendo poder, atribuições, cargos e orçamento. A razão dessa perda de importância do órgão que foi criado para representar o governador nas cidades do Distrito Federal é uma só: o loteamento político.

A Lei Orgânica do Distrito Federal é uma das mais parlamentaristas dos Estados brasileiros. Cria uma dependência muito grande entre o poder legislativo e o executivo. Por ter apenas 24 deputados distritais, o governador se vê obrigado a negociar o tempo todo com sua base para conseguir maioria entre os parlamentares para aprovar qualquer coisa na casa, seja orçamento, decretos, leis, aumentos de tarifas, enfim, qualquer medida que o governador ache necessária para Brasília, precisa passar pelo crivo dos deputados. E eles, obviamente, têm interesses próprios. Como convencê-los? As moedas de troca à disposição do governador atualmente, e dentro da lei, são basicamente orçamento e cargos. Com o orçamento apertado e com dificuldade de executar as emendas parlamentares, sobram os cargos e a influência dentro do executivo para negociar. Assim, cada deputado da base aliada tem direito a uma fatia do governo. Uns, com mais prestígio, levam uma secretaria de Estado mais robusta, com mais cargos, outros preferem manter suas bases eleitorais, o comando das cidades onde conquistaram mais votos ou onde moram, e escolhem administrações regionais.

Assim, o administrador regional passa a se submeter não ao governador, seu superior hierárquico, mas ao deputado que o indicou, seu superior político. E a história mostra que essa aliança política nem sempre sobrevive os quatro anos entre uma eleição e outra. Assim, o governador prefere tocar os projetos nas cidades através das secretarias, que podem alavancar seu programa de governo, como tem feito na Secretaria de Cidades, e deixar que cada parlamentar que indique recursos para os administradores que apadrinham.

Melancia

Como bem resumiu o senador por Brasília Hélio José, “O cargo é meu. Se quiser nomeio até uma melancia!”. É justamente assim que funcionam as nomeações políticas. Um exemplo é a nomeação do novo administrador do Guará,Luís Carlos Delfino do Nascimento. Foi escolhido primeiro por ser assessor fiel do deputado distrital Rodrigo Delmasso, depois por ser membro da Sara Nossa Terra, portanto, de estrita confiança do conselho político da igreja, especialmente do bispo Robson Rodovalho.

O currículo de Luís Carlos pouco importa. Sabe-se que ele é sambista, praticante de jiu-jitsu, ex-proprietário de loja de R$ 1,99 e cabo eleitoral há muitos anos. Só. André Brandão, seu antecessor, foi diretor de Administração Geral da Câmara Legislativa, responsável inclusive pela construção da nova sede, foi diretor da Ceasa e, apesar de jovem, tinha longo currículo no poder executivo, nas mesmas atribuições de um administrador regional.  A igreja teve grande influência na escolha, pois neste caso atua como entidade política, além das tradicionais atividades religiosas, é a real detentora do mandato de Delmasso, por ser ela quem legitimou a sua candidatura e conseguiu os votos necessários para ele fosse eleito deputado distrital.

O mandato de Delmasso

Rodrigo Delmasso é morador do Guará e sua família tem história na cidade e no governo do Distrito Federal. Mas, o deputado não obteve os 1.803 votos no Guará por conta desta relação. Ele, antes da eleição, não era conhecido pela militância na cidade. Delmasso obteve os expressivos 20.894votos, um dos mais votados na Câmara Legislativa, por conta da igreja Sara Nossa Terra, comandada pelo bispo, e deputado federal, Robson Rodovalho. O bispo já anunciou que se retirará da vida política para dedicar-se à igreja. E cabe à ele e à cúpula da igreja, da qual Rodrigo Delmasso faz parte, a decisão sobre o futuro político da entidade. Delmasso é o favorito para disputar a reeleição a deputado distrital ou pode até herdar a vaga de Rodovalho na Câmar aFederal. Ou pode não disputar cargo algum. Depende de uma decisão interna da igreja, não de sua popularidade ou desempenho nas urnas.

Mas o fato é que o deputado dedicou seu mandato a defender ferrenhamente os interesses e ideais da igreja evangélica e paralelamente do Guará. Esteve presente em várias solenidades e dedicou boa parte das emendas parlamentares do orçamento a que teve direito à cidade. É um dos principais responsáveis pela inauguração da Escola Técnica, garantindo os recursos que faltaram na reta final da obra e os equipamentos para que a escola funcionasse neste ano. Garantiu também obras de infraestrutura complementares, como calçadas e obras de acessibilidade. Mas foi na educação que os recursos indicados por Rodrigo Delmasso foram mais significativos, como quando suplementou o dinheiro que os diretores recebem para fazer pequenas obras e comprar material para todas as escolas do Guará e Estrutural em 2017. Foram aplicados na cidade cerca de R$ 10 milhões apenas este ano em emendas do deputado.

E a cidade?

Mesmo que tenha investindo em recursos e na indicação do administrador regional, a troca de André Brandão por Luís Carlos Delfino foi feita dentro de seu gabinete. Nenhuma liderança do Guará foi ouvida, ninguém foi consultado. Não houve nenhum tipo de seleção e nenhum critério foi estabelecido. Chegou-se a anunciar o presidente da Associação Comercial do Guará, Deverson Lettieri, para o cargo apenas para desmentir dias depois.Algumas lideranças da cidade chegaram a afirmar que o carisma de André Brandão ofuscava Delmasso e isto incomodava o deputado. Mas a troca repentina e sem consenso acabou por incomodar quem se importa com a cidade.

E se os interesses de Delmasso e Rollemberg forem diferentes? Isto já aconteceu recentemente. Rodrigo Delmasso foi inclusive substituído como líder do governo na Câmara Legislativa por não concordar com o governador. E como membro da bancada evangélica, ameaçou parar as votações na casa até que a Secretaria de Cultura voltasse atrás em projetos que beneficiavam artistas da comunidade LGBT. Nem sempre os interesses de um deputado são os mesmo do governador, e não devem ser mesmo, pois os mandatos são eleitos para funções distintas, mas quem perde é a cidade. O administrador terá abertura para negociar com os secretários de Estado, os presidentes de empresa e com o próprio governador? As emendas ao orçamento serão liberadas para as benfeitorias que o Guará precisa?