Pipa é esporte, sim senhor!

Cidade do Servidor atraiu entre 600 e 800 praticantes no feriado de Tiradentes, num festival de cores do artefato de papel que empina sonhos e paixões

Uma das mais antigas e apreciadas brincadeiras de jovens está de volta, mas resgatada por adultos. Também conhecida como “papagaio” em algumas regiões, a pipa virou brinquedo de marmanjo e é tratada até como esporte, além servir de interação entre praticantes de vários países. Basta ir aos finais de semana na área conhecida como “Cidade do Servidor”, entre a QE 38 e o condomínio Iapi, para comprovar que a pipa está mais viva do que nunca. São centenas de praticantes, a maioria acima de 40 anos de idade, se divertindo com o prazer de empinar o artefato de papel impulsionado pelo vento, mas que depende da habilidade de quem o maneja através de um cordão.

Sidinho é o maior incentivador do esporte no Distrito Federal e preside a nova associação dos praticantes

Quem passou por lá neste final de semana, 21 e 22 de abril, viu que a concentração de pipeiros era bem maior do que o de costume. Estava acontecendo o III Festival de Pipa do Distrito Federal, que reuniu praticantes de todo o país, num espetáculo de cores no chão e no ar. Além dos praticantes no DF, vieram caravanas de todo o país, numa integração pouco vista em outros esportes.

Alessandro leva a família em todos os encontros de pipeiros. A filha Jeovana incorporou a paixão pelo esporte

Quem passou pelas vias laterais do loteamento pôde perceber a quantidade de pipas voando. Mas, no meio do mato e nas ruas asfaltadas e não ocupadas, é que o esporte tomou maiores proporções. Eram famílias inteiras e grupos de amigos acampados e gente de todas as idades se divertindo e se interagindo.
Promovido pela recém-criada Associação de Pipeiros e Esporte de Brasília e Entorno (Apebe), o festival teve caráter apenas demonstrativo, sem competição, e atraiu entre 600 a 800 praticantes nos dois dias. O esporte tem crescido com a criação de sites específicos, onde são divulgados os encontros e competições, e comercializados materiais para a produção da pipa ou o próprio artefato pronto.

Paixão inexplicável

O baiano Denisson Gonçalves veio de Salvador para participar do encontro de pipeiros

Mas, o que esse esporte despretensioso e aparentemente sem graça atrai tanta gente? A resposta é a mesma para quem é apaixonado por golfe, futebol, ou qualquer outro esporte sob o ponto de vista de quem não o pratica. A paixão não se explica. Pratica-se.
“É minha paixão desde os seis anos de idade. Praticava no Rio de Janeiro e continuo fazendo desde quando vim para Brasília, há 19 anos”, conta o funcionário público Sidney Camilo, 47 anos, morador do Cruzeiro, um dos líderes do movimento pipeiro no Distrito Federal e presidente da Apebe. Além de difundir a pipa, Sidinho tem se empenhado em conseguir com o governo uma área para a criação de um “pipódromo”, onde os praticantes possam praticar o esporte sem incomodar os moradores próximos. “Os praticantes de futebol tem os campos, o de automobilismo os autódromos, os de basquete, vôlei e futebol de salão dispõem de quadras e ginásios… Nós queremos o mesmo tratamento.

José Carlos Camilo é apaixonado pela pipa desde criança. “Só quem está no meio sabe o que ele representa”, diz

Com a vantagem de que basta um único local no Distrito Federal”, argumenta. Ele sugere a área atrás da rodoviária interestadual ou atrás do estádio Mané Garrincha, ou até mesmo no Guará, no Cave, entre o posto de Saúde e a cozinha do Sesi.
São Paulo é outro centro que continua preservando o esporte com muita força. É de lá o campeão mundial da modalidade, em dois campeonatos mundiais em 2012 e 2014 na França, José Luiz Sallas Ramos, que esteve no festival do Guará no ano passado. O Festival de Pipa de Osasco, na grande São Paulo, reuniu cerca de 15 mil pessoas no final de março passado.

Fazendo amigos
O outro lado interessante do esporte é a interação entre os praticantes. São amizades novas e antigas, mantidas nos festivais de pipa ou em encontros sociais. Às vezes também rola um churrasco entre eles nos locais de eventos. Enquanto acompanhava o festival no Guará, a reportagem do JG percebeu a intimidade e a amizade entre a maioria. Quase todos se conhecem pelo nome, mesmo quando se encontram apenas nessas oportunidades.

Grupo de Goiânia, que acompanha os encontros em todo o país

O baiano Denisson Gonçalves do Espírito Santo, 49 anos, veio de Salvador para o evento pela terceira vez, além de participar de praticamente todos os encontros de pipeiros no país. “É minha paixão desde criança. Nunca deixei de praticar e é nesses encontros que a motivação aumenta”, afirma. Aos 65 anos, José Carlos Camilo, garante que nunca deixou a pipa. “Só quem está no meio sabe o que ela promove, por agregar o lado social e familiar”.

Sem vícios – não bebe, não fuma e gosta da vida caseira – Igor Natanel Santana, 28 anos, encontrou na pipa seu desestresse. “Pratico há dez anos e onde vou levo a família junto, que também aprendeu a gostar do esporte”, conta. História semelhante tem Alessandro dos Santos, 42 anos, que não perde um encontro no distrito Federal e leva a tiracolo a mulher e os dois filhos – a filha Jiovana, de 11 anos, passou a ser uma pipeira apaixonada.

Rafael Oliveira deixou o Exército para montar um negócio itinerante de pipa, onde emprega cinco pessoas

Comércio
A pipa tomou uma proporção que vai além da prática simples do esporte. Virou também um negócio para alguns, como é o caso de Júlio César Polis da Silva, que deixou a profissão de Químico para montar uma fábrica de pipa em Goiânia, onde chega a produzir cerca de 1.500 por dia e emprega seis pessoas. Ex-cabo do Exército, Rafael Oliveira da Silva juntou o dinheiro da indenização do trabalho, criou uma fábrica na Candangolândia e comprou um trailer para comercializar material e pipa em todos os eventos do Distrito Federal. “Comecei apenas para alimentar a paixão pela pipa, mas hoje ela é meu sustento e de outras cinco pessoas que trabalham comigo”, afirma.

César Polis também montou uma fábrica em Goiânia