A mistura de falha de divulgação e de falta de conscientização e tolerância provou uma espécie de caos no Guará durante a semana. O início do recolhimento do lixo em dias alternados na cidade foi o principal assunto das redes sociais, a maioria acompanhada de protestos, críticas e fotos de lixo acumulado nas ruas. Surgiram até propostas de mobilizar a comunidade e “exigir” do governo a volta da coleta diária no Guará.
Os protestos, entretanto, não vão surgir efeito prático, a não ser nas correções de rumo no serviço, que apresentou muitas falhas no seu início. Muitos moradores reclamam que a coleta não tem sido feita em algumas quadras nem em dias alternados. Moradores das QEs 42, 44 e 46, por exemplo, garantem que os caminhões das empresas contratados estão demorando até quatro dias para recolher o lixo.
”Pensei que fosse ser tranquilo, mas está sendo um caos. principalmente nos condôminos próximos às residências. Muito lixo nas ruas vai acabar tendo manifestação de insetos e ratos”, reclama a moradora Kélia Dallorto. “O problema está com o povo, que ainda não está informado e nem procura saber o que está acontecendo. Meu vizinho colocou a culpa no gari, que não passou para pegar o lixo. Só que ele não estava sabendo desta mudança. E está virando uma bagunça nas ruas”, completa Simone Vaz Holanda. “Acho que tudo é questão de adaptação e colaboração de todos. Aqui na Europa a coleta acontece em dias alternados, porém, há locais para se depositar o lixo separado. O povo colabora e o estado oferece qualidade no serviço. Há separação responsável do lixo e coleta nos dias certos”, pondera a prefeita comunitária da QE 46, Célia Caixeta, que está em Portugal passando uma temporada com o filho. “Aqui, acabei de descer com o lixo do apartamento do meu filho. Ando uns 30 metros para depositar no local certo. E ninguém reclama”, completa.
Questão de tempo
O governo, por seu lado, alega que os moradores do Guará não tem motivos para tanta reclamação, a não ser pelas falhas iniciais, porque a coleta alternada é feita em 65% das regiões do Distrito Federal – Guará estava entre os 35% da coleta diária. A medida, segundo o governo, tem o objetivo de promover uma economia de cerca de R$ 400 milhões nos combalidos cofres públicos nos cinco primeiros anos do contrato com as novas empresas, portanto, sem chances de ser revista até lá. “Estamos unificando, e vamos recolher o lixo dia sim, dia não. Isso é uma tendência mundial, feita na Alemanha, Suécia e nos Estados Unidos, para citar alguns países”, explica Gustavo Souto Maior, diretor adjunto do SLU e especialista em gestão ambiental. “Na gestão passada, houve três contratos de limpeza pensados para cinco anos, a um custo de R$ 2,1 bilhões. Neste ano, os contratos foram assinados por R$ 1,7 bilhão, com mudanças bem positivas”, explica.
Implantada sem uma ampla divulgação na cidade, a coleta alternada conta apenas com a distribuição de um calendário na Internet informando a escala dos caminhões nas quadras. Mas o SLU pretende iniciar nos próximos dias uma campanha mais completa para informar a população sobre a coleta seletiva, com dias e caminhões diferentes para recolher o lixo orgânico, que vai para o aterro, e o seco, destinado à reciclagem.
Em relação às críticas iniciais da população, o diretor do SLU acredita que as mudanças serão assimiladas em pouco tempo. “Os benefícios serão vistos a longo prazo, porque haverá redução de gastos de viagens de caminhões, redirecionamento de funcionários e aplicação em sistemas que diminuem os problemas do acúmulo de lixo no DF. Logo, as pessoas vão se acostumar a deixar o lixo na porta dia sim, dia não. Depois, elas vão observar melhorias”, prevê Gustavo, que cita até a redução do barulho dos caminhões como um ponto a favor para os moradores.
Reforço na coleta
Além da coleta porta a porta feita pelos caminhões, o SLU promete instalar 244 pontos públicos de entrega voluntária. Por enquanto, só há pontos em locais particulares, como supermercados que trabalham com as cooperativas de catadores. O DF ganhará também 21.086 lixeiras novas e 382 contêineres semienterrados para garantir a coleta convencional em áreas de difícil acesso.
Outra mudança é sobre a coleta seletiva. De acordo com o SLU, ela será ampliada e deve atingir 100% das regiões do DF, até o fim deste ano. De fora, ficarão apenas as áreas rurais, onde a quantidade separada e recolhida ainda é pequena diante do investimento necessário para sua implantação.
Apesar dos protestos, o SLU garante que o novo contrato com três empresas prestadoras de serviço de coleta de lixo e limpeza — uma delas portuguesa — vai permitir a ampliação do serviço, nos cinco anos do contrato. Serão 1.039 veículos e equipamentos novos na cidade.
Além da coleta seletiva, as empresas Sustentare, Valor Ambiental e Consita cuidarão da coleta e do transporte de resíduos sólidos domiciliares. Atenderão ainda coleta manual e mecanizada e a remoção de entulhos; varrição manual e mecanizada de vias e espaços públicos; lavagem e limpeza de equipamentos; e pintura mecanizada de meios-fios, entre outras ações de limpeza.
Para o presidente do SLU no DF, Felix Palazzo, é preciso melhorar o ranking de Brasília no descarte do lixo. Ele afirma que a cidade está acima da média nacional. Entretanto, precisa e deve aperfeiçoar a relação com o lixo que produz. Isso significa dar destino correto a ele, não sujando os lugares por onde se passa. “Queremos ganhar o coração e a mente da população para que ela nos ajude a manter a cidade mais limpa. Até porque, lugar limpo é o que menos se suja”, diz ele.
Com o novo modelo, todo o material que pode ser reutilizado passa por triagens e é comercializado pelas cooperativas de catadores, gerando trabalho e renda, além de minimizar a extração de recursos naturais para fabricação de novos produtos e reduzindo gastos com aterramento de resíduos. “Aterrar lixo é aterrar dinheiro. A gente poderia reutilizar na cadeia esses materiais que são colocados debaixo da terra, porque são ganhos sociais, financeiros e ambientais, mas temos de contar com a conscientização da população. Todo o material da coleta seletiva é encaminhado para as cooperativas. Algumas faturam R$ 500 mil por mês com as coletas, empregando pessoas que, antes, trabalhavam no lixão da Estrutural”, completa Gustavo Souto Maior.
O SLU cita como outros benefícios, a disponibilidade para a realização de outros serviços, como limpeza de ruas, pintura de meios-fios e fiscalizações, que serão feitas por máquinas e equipamentos novos. “Muitos serviços que eram realizados por garis, que exigiam muito deles, serão mecanizados. Outro avanço é que vamos ter todos os equipamentos de empresas de limpeza com GPS. Com isso, vamos controlar pela central, monitorando onde eles estão passando, o horário adequado e a rota, permitindo multas na mesma hora se a empresa não cumprir o contrato”, explica o presidente do SLU, Félix Palazzo.
Falta conscientização aos moradores
Não é difícil encontrar lixo nas ruas do Guará. Principalmente no Polo de Moda, QE 40, ou quadras externas do Guará I. Lixo e entulho se acumulam em áreas verdes, canteiros, praças e na frente das casas. Quem deposita em área pública são os próprios moradores da cidade. Não acondicionar o lixo corretamente, jogá-lo em área verde, espalhar entulho pela cidade e contratar serviços irregulares de remoção de dejetos (como os carroceiros) são crimes, sujeitos a multa.
Um dos locais mais sujos da cidade é justamente o Polo de Moda. Logo na entrada da quadra, o lixo se acumula no canteiro central entre as pistas e nas principais praças. A coleta nem sempre é feita em todas as ruas, principalmente pela impossibilidade de passagem do caminhão, impedido pelas obras, contêineres e carros estacionados.
Para o SLU, em diversas ocasiões os serviços de coleta deixam de ser realizados por conta da obstrução de veículos estacionados em locais indevidos e que impedem o acesso aos contêineres e lixeiras. Nesses casos, os coletores são orientados a retornar ao final do expediente e, caso não consigam realizar a coleta, o fiscal do SLU registra a ocorrência e determina o recolhimento dos resíduos no dia seguinte. Em casos recorrentes, a fiscalização do Detran é acionada. Além da falta de um serviço de coleta eficiente, os próprios empresários do setor reconhecem que o principal causador do problema são os moradores. “Observo que as pessoas não estão acondicionando o lixo direito. Quem chegar aqui no Polo de Moda no final de semana vai ver muita sujeira acumulada, porque o morador não tem paciência de aguardar a passagem dos caminhões do SLU”, reclama a empresária Angelita Santos.
Entulho
O acúmulo de entulho em áreas verdes e entrequadras é outro problema provocado pela falta de conscientização dos moradores. Por causa do custo do transporte, a maioria prefere depositar em áreas próximas ou contratar o serviço de carroça, que também deposita em áreas verdes, boa parte na chamada “cidade do servidor”, entre as QEs 38, 42 e 44 do Guará II, mesmo com um ponto de descarte disponibilizado pela Administração Regional e SLU ao lado do Salão de Múltiplas Funções do Cave.
Os locais de maior acúmulo de entulho são as quadras novas (atrás da QE 38), a área de transbordo da QE 36 (onde fica também o curral que concentra os carroceiros), a região próxima ao Cave, a QE 9 e os fundos da quadra Lúcio Costa.