Os colegas das peladas em chão batido e nas quadras mal cuidadas da cidade não imaginariam que ali estaria uma das maiores revelações do Flamengo e agora jogador de um dos maiores clubes do mundo, o Real Madri. Nascido e criado no Guará na QI 1 do Guará I, Reinier foi oficialmente anunciado como jogador do time espanhol, numa transação de 35 milhões de euros, ou R$ 135 milhões. O negócio já estava acertado desde novembro do ano passado, mas somente nesta segunda-feira, 20 de janeiro, pôde ser oficializado depois que o jogador completou 18 anos no dia 19 de janeiro – a Fifa proíbe transferência internacional de menor de idade.
Considerado uma das maiores revelações do clube nos últimos anos, Reinier está no Flamengo há sete anos, depois de fazer testes no Vasco, Botafogo e Fluminense. Ele saiu do Guará aos 9 anos, levado pelo pai, Mauro Brasília, ex-jogador da seleção brasileira de futsal, para tentar a sorte no Rio de Janeiro, também no futsal. Antes ser aprovado pelo Flamengo, passou pelos outros três grandes times do Rio, sem, entretanto, se firmar.
Desde criança, a família viu nele talento para se tornar um craque. “Quando ele tinha dois, três anos, jogava bola no corredor do apartamento. A parede do corredor era toda manchada — conta a irmã mais velha”, Estephanie, que deve acompanhar a família para morar com Reinier em Madrid. “Ele dava tanto passe para os moleques fazerem gol que eu até reclamava. Dizia “deixa de ser Papai Noel, vai ficar dando presente para os outros?”, conta o tio José Maria Carvalho.
Garoto do Ninho
A família, de classe média, não passou por aperto — Reinier nunca teve que ir ao treino de ônibus, segundo o pai — mas também não esbanja riqueza. O jogador e as irmãs estudaram em escola pública, no Guará, e passaram a infância brincando na rua, sempre jogando bola e recebendo instruções técnicas de Mauro Brasília.
No início de 2019, ainda no sub-17, viu muitos de seus colegas morrerem na tragédia do Ninho do Urubu. Sua irmã, Estephanie, leu uma notícia que dizia equivocadamente que Reinier estava entre os mortos. Ligou para a mãe, que lhe garantiu que o irmão estava dormindo em casa. Ao contrário das vítimas, ele tinha uma estrutura bancada pela família para morar no Rio. Em campo e nas redes sociais, passou a fazer homenagens frequentes aos amigos.
Com a promoção ao profissional, Reinier não teve férias nos últimos dois anos. Se for de fato para a Europa, ele terá estrutura melhor para treinar e um calendário menos caótico, além de ganhar salário sete vezes maior, na estimativa do pai, que não revela o valor exato. “Ele está desgastado aqui, sem férias. Isso lá fora não acontece. No Brasil é muito desgastante e você acaba correndo alguns riscos, porque é uma carreira relativamente curta”, pontua Mauro.
Para o pai, por motivos culturais, os jovens no Brasil são tratados como garotos por mais tempo, e levam esse comportamento até muitos anos depois. Na Europa, diz o pai, há um comprometimento desde cedo com a tática no campo, com o físico e alimentação.
Não passa pela cabeça da família o risco de Reinier se distrair com um salário mais alto e o status de jogador do clube mais vitorioso da Europa. A irmã do meio, Betinna, diz que Reinier gosta tanto de futebol que chega a ser chato (no bom sentido, brinca). “Tudo para ele é futebol. No recesso, em vez de ir para a praia, fica jogando futmesa. Eu digo “meu filho, vai fazer alguma coisa”. Mas é a paixão dele” (Com Natália Portinari/O Globo).