Kartódromo desocupado para a privatização

A novela da privatização do Kartódromo Ayrton Senna, no Cave, teve mais um capítulo esta semana. E um dos mais decisivos dele. Depois de determinar, por documento escrito, a desocupação total do espaço há 15 dias, a Administração Regional do Guará tomou uma medida mais drástica nesta segunda-feira, 18 de maio, ao lacrar o portão de acesso principal por onde entravam os pilotos e mecânicos que ainda utilizavam o espaço para treinos e reparos dos veículos de kart, atividades suspensas apenas no período da pandemia. No ofício de desocupação, a Administração Regional informa que precisa deixar o kartódromo livre para facilitar o processo de privatização, previsto para ser lançado no próximo semestre e a concessão concluída no início de 2021. O órgão alega que os ocupantes do local não tinham autorização para continuar lá desde setembro do ano passado, quando venceu a concessão do Guará Motor Clube, a instituição responsável pela administração do espaço e organização de provas. Com a saída do concessionário, cerca de 150 pilotos e 80 mecânicos continuaram informalmente ocupando os boxes e realizando treinamentos, na esperança de que pudessem ser autorizados a continuar pelo menos até o final da temporada, em dezembro.
Há duas semanas, a Administração notificou os mecânicos e pilotos para que desocupassem definitivamente o espaço, mas a ordem não foi cumprida, porque a Federação de Automobilismo do DF (FADF) e a Associação dos Pilotos de Kart de Brasília (Askart) continuavam negociando a permanência com o governo, mesmo que informalmente. Nesta segunda-feira, 18 de maio, veio a medida mais radical, o fechamento e lacração do portão principal do autódromo, deixando aberto apenas o acesso dos fundos para que os ocupantes dos boxes possam retirar o que ainda mantém lá.
Em nota à imprensa e aos ocupantes do kartódromo, a Administração Regional informa que a medida tem o objetivo de não prejudicar o processo de concessão, “em fase final de ajustes na modelagem da proposta para lançamento nos próximos meses”.
O projeto de privatização do kartódromo Ayrton Senna vem sendo elaborado e discutido há quatro anos, desde o governo Rollemberg, e foi previsto para ser lançado junto com a privatização do Cave, que inclui o estádio, o Clube de Vizinhança, o teatro de arena e o ginásio coberto. A previsão é que as duas PPPs fossem lançadas há dois anos, mas o Tribunal de Contas e a Procuradoria Geral do DF recomendaram ajustes no projeto para garantir direitos de pilotos e mecânicos na concessão.
“Com essa conduta, a Administração Regional visa regularizar a utilização do imóvel público para que a iniciativa privada possa utilizá-lo mediante participação no processo licitatório por se tratar de área pública em que a sua concessão deve obedecer aos ordenamentos legais”, diz a nota.

Projeto de privatização é antigo
A lacração do acesso ao kartódromo pegou os usuários de surpresa, que, segundo eles, não esperavam medida tão drástica. Pilotos e mecânicos ainda tentaram sensibilizar o governo a permitir a continuação, mesmo que temporariamente, mas não conseguiram. Nessa negociação, contaram com a ajuda de pilotos que se formaram no kartódromo, como Amir Nars, último brasileiro a disputar a Fórmula 1, e Guga Lima, piloto da Stock Car.
“Tentamos negociar a permanência com o governo, porque temos dezenas de famílias de mecânicos que dependem do kartódromo. E os pilotos queriam continuar treinando para voltar às competições depois da pandemia. Infelizmente, pelo jeito, não seremos atendidos”, reclama Dibo Moraes, presidente da Associação dos Pilotos de Kart de Brasília (Askart). Em janeiro, em entrevista ao Jornal do Guará, o vice-governador Paco Britto informou que a intenção do governo era permitir o uso kartódromo até o final do ano para a conclusão da temporada de kart de 2020, mas que a desocupação completa se daria logo depois.
A ideia de privatizar o kartódromo surgiu em 2018, quando o governador Rodrigo Rollemberg anunciou a intenção do governo de privatizar todo o complexo do Cave, na modalidade conhecida como Parceria Público-Privada (PPP), em que o concessionário administra e investe no espaço público e o explora durante 35 anos, pagando uma parte ao governo, como foi feito no Centro de Convenções Ulisses Guimarães e mais recentemente com o estádio Mané Garrincha. O projeto inicial previa incluir o todo o Cave – estádio, ginásio coberto, clube de Vizinhança, quadras poliesportivas, teatro de arena e o kartódromo – num único pacote, mas, depois o próprio governo concluiu que o kart tinha interesses diferentes das outras atividades esportivas do complexo. O projeto então foi desmembrado em dois, para serem oferecidos separadamente. A pretensão do governo era concluir o processo de concessão do Cave ainda em 2020 e o do kartódromo em 2021, mas a pandemia do coronavírus frustrou as expectativas em relação aos prazos. A Subsecretaria de Projetos Especiais do GDF, responsável pelas privatizações, ainda trabalha com a possibilidade de concluir a PPP do Cave ainda este ano, se o Covid-19 permitir.

Resistência de profissionais e moradores
A privatização do complexo e do kartódromo sofre, desde o início do anúncio, forte resistência de alguns setores da comunidade guaraense, principalmente por questões ideológicas (os que são contra a privatização de espaços e bens públicos) e de mecânicos e pilotos do kartódromo, que temem ficar sem espaço para continuar suas atividades. Entretanto, o movimento contrário à privatização não conseguiu mobilizar a comunidade para pressionar o governo a desistir – no único ato público convocado para protestar contra a PPP apenas nove pessoas participaram de uma volta em torno da Administração e apenas 30 pessoas participaram do evento interno logo depois.
Um dos principais críticos da privatização do kartódromo é o ex-concessionário e presidente do Guará Motor Clube, José Argenta, que garante não haver viabilidade de retorno aos possíveis empreendedores nos moldes em que o projeto está sendo proposto. “A conta não bate. A previsão de investimento é de até R$ 18 milhões no total para a construção de uma nova pista, de novos boxes e outras melhorias. Nem com atividades paralelas se consegue ter retorno, mesmo nos 35 anos da concessão. Só posso acreditar que existem outros interesses em jogo, que não apenas os esportivos”, afirma.
Argenta deixou o kartódromo em setembro do ano passado, por ordem da Administração do Guará, que estaria acatando recomendação da Controladoria Geral do DF e do Ministério Público. De acordo com o comunicado na época, “os ocupantes administravam o kartódromo do Guará há vários anos, porém, o convênio firmado em gestões anteriores está em desajuste com o poder público, entre outras irregularidades, como a inadimplência com o pagamento de taxa pública e a não renovação do convênio, tendo em vista parecer da Procuradoria Geral do DF. Em 2016, o local foi requerido, porém, a ordem não foi acatada”. Argenta, entretanto, contesta a cobrança, que teria sido originada de taxas de ocupação que não estariam no convênio e teriam sido lançadas depois e de uma única vez “com o claro propósito de inviabilizar a nossa permanência”, diz ele. A dívida cobrada do Guará Motor Clube era de R$ 4 milhões.