Administração do Guará perde mais de R$ 5 milhões ao ano por inadimplência

Valor é metade do orçamento total do órgão em 2020. Estimativa é que, se taxa de área pública fosse paga corretamente, pelo menos R$ 10 milhões viriam para os cofres da cidade anualmente. Governo planeja lei para regulamentar cobrança

A Administração Regional do Guará começou o ano com R$ 10,8 milhões de orçamentos. Esse dinheiro é para pagar salários, benefícios e investir na cidade. Do total, R$1,9 milhões é proveniente de arrecadação própria do órgão, com taxas de ocupação de área pública, de bancas da feira e quiosques. Ou seja, menos de 20% do orçamento total podem de fato transformar em melhorias para a cidade. Entretanto, a Administração Regional do Guará cobra anualmente (baseado em dados de 2018 fornecidos pela própria Administração) R$ 6,7 milhões em taxas de ocupação. Porém apenas recebeu de fato 19,8% desde valor. Ao fim de 2018, a Administração deveria ter recebido outros R$5,37 milhões para gastar com o Guará.

A arrecadação direta das administrações regionais tem a garantia de liberação no orçamento do ano seguinte. Assim, o Guará deveria ter por ano pelo menos R$ 6,7 milhões para obras, projetos e aquisição de equipamentos, sem contar com as emendas parlamentares. Se a ocupação de área pública fosse cobrada e fiscalizada, e, portanto, paga, a Administração Regional teria um orçamento considerável, sem a dependência direta dos deputados distritais. Esses valores se referem ao que é cobrado pela Administração atualmente (números de 2018). Mas, correspondem a uma parte muito pequena do que de fato é ocupado.

Arrecadação referente à utilização de área pública no Guará (2018)
  • Total cobrado: R$ 6.706.279,97
  • Total pago: R$ 1.333.685,56
  • Inadimplência: R$ 5.372.594,00
Total do orçamento da Administração Regional do Guará em 2020: R$ 10.887.654,00
Orçamento oriundo da arrecadação própria da Administração do Guará: R$1.924.789,00

 

 

E de onde vem, ou deveria vir este dinheiro?

Todos que ocupam uma área que não lhe pertencem devem pagar taxas de ocupação de área pública. É como se a pessoa pagasse um pequeno aluguel pelo espaço que usa privadamente para que seja revertido à população, através de obras e outros investimentos. Então, bancas na feira, quiosques, canteiros de obras, eventos, circos, estacionamentos cercados e as áreas adjacentes às lojas devem pagar um valor por usar a área pública.

Cobra-se atualmente, por um ano de uso, R$ 81,93 por m2 para que um comércio utilize a área à sua frente. Em média, uma padaria usa cerca de 20 m2 em frente à sua loja para melhor acomodar os clientes. Por isso, deveria pagar cerca de R$ 1.638,60 por ano, ou R4 136,55 por mês. Um valor baixo, comparado ao valor de aluguel do próprio imóvel onde o negócio está estabelecido.

Estacionamentos cercados custam apenas R$2,14 (todos os valores se referem a m2 por ano), enquanto foodtrucks e quiosques devem pagar R$73,43. Como a lei determina que a área máxima ocupada por quiosques seja de 60m2, um quiosque padrão deveria render ao menos R$ 4.405,80 por ano, ou R$367,15 por mês. Esse recurso poderia, por exemplo, cuidar das praças onde estão estabelecidos os próprios quiosques. Estima-se que haja 350 quiosques no Guará, e se cada um pagasse pela área que ocupa, recolheriam para o GDF R$ 1,5 milhão de reais, anualmente.

“Hoje não há lei que ampare e regulamente a cobrança além das Ordens de Serviço da própria Administração que estabelece os preços públicos. É preciso estabelecer a legislação”, explica a administradora do Guará, Luciane Quintana.

“A cobrança pela área pública é uma forma de compensar o cidadão pela área ocupada privadamente. Esse recurso será investido na própria cidade. Uma lei que regulamente esta questão, e preveja uma fiscalização adequada, pode ser a saída para a independência financeira das administrações regionais, sem mexer prejudicar o orçamento do GDF”, entende o deputado Rodrigo Delmasso, que encaminhou ao Governo do Distrito Federal uma minuta de projeto de lei sobre o assunto no início deste ano.

 

Orçamento atual

Dos R$1,9 milhão (aproximados) de verba oriunda de arrecadação direta, o governo os distribuiu assim: R$ 250 mil para a reforma e manutenção da feira, R$ 125 mil para a reforma de praças e parques, R$ 150 mil para urbanização, R$ 175 mil para manutenção de áreas verdes e jardins, R$ 150 mil para a acessibilidade, R$ 160 mil para aquisição de equipamentos, R$ 260 mil para reforma de prédios da própria Administração e o restante para outras despesas. Todos os valores citados estão constando no orçamento da Administração Regional do Guará como “autorizados”, ou seja, disponíveis para uso imediato. Porém, nada foi gasto até o momento.

A administradora do Guará, Luciane Quintana, confirma que o recurso está disponível e será transferido em breve para os órgãos que devem executá-los. “Hoje, há pelo menos 20 processos em andamento para a compra de material e equipamentos para ajudar na manutenção da cidade. Temos três projetos para a construção de calçadas em andamento na Novacap, totalizando R$ 650 mil. Estamos aguardando a finalização de um projeto de revitalização do Parque Denner que deve gastar ao menos R$ 150 mil e a Feira Legal, projeto de reforma da Feira do Guará, que vai utilizar mais R$ 248 mil”, detalha a administradora. Com número reduzido de servidores, a Administração do Guará não realiza as próprias licitações, mas encaminha os projetos a outras Secretarias de Estado para a execução.

 

Lacuna na lei

A lei não é clara como cada comércio pode aproveitar a área pública e quanto deve pagar. Nem mesmo estão claras quais regras devem ser seguidas para garantir a segurança e a circulação das pessoas. Hoje, é cobrado um preço fixo por qualquer ocupação de área pública, seja um evento, um engenho publicitário, um estacionamento cercado ou um avanço do comércio. Não há um sistema integrado para acompanhar estas ocupações. É impossível saber rapidamente quem está em dia com as taxas, quantos metros são ocupados, se a situação é regular ou não. O que dificulta também a fiscalização.

Nova proposta

Pensando nesse montante perdido, o vice-presidente da Câmara Legislativa, Rodrigo Delmasso, morador do Guará, solicitou à área técnica da Casa uma minuta de projeto de lei para regularizar a situação, que será apresentado ao Governo do Distrito Federal, já que é exclusividade do executivo legislar sobre o assunto. “Se apresentássemos o projeto à Câmara Legislativa, ainda que aprovado seria inconstitucional por vício de iniciativa. Então vamos debater, conversar e apresentar ao governo, para que possamos resolver essa situação definitivamente”, explica o deputado.

A minuta do projeto dispõe apenas sobre áreas comerciais, tanto sob a marquise dos prédios, quanto áreas adjacentes. Essa área seria cedia ao comerciante que a pleitear por tempo determinado, a ser definido pela Administração Regional, mediante pagamento mensal pela ocupação. Na prática, regulariza uma situação comum no Guará e em muitos casos de difícil reversão.
Um dos principais méritos do projeto é a preocupação com a mobilidade e acessibilidade. Ao mesmo tempo que autoriza a ocupação, estabelece regras rígidas para manter os passeios e acessos livres. Prevê pelo menos 1,5 m de circulação, sem mesas, lixeiras, contêineres ou algo que possa atrapalhar a passagem de pessoas. E os próprios ocupantes da área ou proprietários do comércio são os responsáveis de construir as calçadas segundo as premissas da lei.
O corretor de imóveis Geraldo Barradas lembra a importância da lei para o comércio da cidade. “Com segurança jurídica, o empresário pode investir mais na cidade, em suas lojas, todos ganham”.
O preço público cobrado pela área vai ser calculado de acordo com o IPTU para o imóvel. A cobrança será feita pela Administração do Guará e, por consequência, computado como arrecadação direta do órgão.

Mas, o ex-administrador do Guará, Joel Alves Rodrigues, lembra que sem fiscalização, nada adianta. “Desde que a fiscalização foi retirada das administrações regionais, ainda no governo Arruda, ficou muito difícil para o gestor da cidade cobrar o cumprimento da lei. Não adianta aprovar uma lei determinando o pagamento pela área pública se não há quem fiscalize. É preciso que a própria Administração, que autoriza, tenha o poder de desautorizar, ou retirar o que estiver errado”, explica.
O deputado Rodrigo Delmasso também se preocupa com a falta de fiscalização. “Não só a fiscalização, mas tudo que as Administrações foram perdendo ao longo dos últimos anos precisa ser restaurado. Hoje órgão apenas uma ouvidoria, sem autonomia, há muito pouco que o administrador possa fazer na cidade”.