A CIDADE IMAGINADA …
A cidade do Guará surgiu em 1969 – começou a ser construída em 1967 – como uma solução de moradia para servidores de menores rendas do governo, aqueles que não tinham direito a apartamentos funcionais e ou a financiamento de imóveis no Plano Piloto. A ideia, levada pelo presidente da Novacap, Rogério Freitas Cunha, ao prefeito de Brasília, Plínio Catanhede, era criar uma vila, sem pretensões de um dia se transformar em cidade, para acomodar os servidores que não estavam recebendo a benesse da casa própria dispensada apenas a quem tinha cargos mais altos no governo ou que vinham transferidos de outros estados. Dar a essa massa de menor poder a oportunidade de também ter sua casa própria era uma forma de corrigir em parte uma injustiça e evitar que a maioria deles preferisse retornar às suas origens do que pagar aluguel ou viver mal numa terra até então inóspita.
A proposta de promover um mutirão levada por Rogério Freitas a Plínio Catanhede foi imediatamente aceita, embora tenha sido vista com ceticismo dentro do próprio governo. O local escolhido teria que ser o mais próximo possível do Plano Piloto, onde se concentrava a vida pulsante da nova capital, para que esses trabalhadores tivessem menos custo e menos tempo no transporte para o trabalho. Optou-se então para uma área de cerrado entre Taguatinga e o Plano, ao lado do córrego do Guará, plana e cheia de nascentes. O projeto original era que essa vila se concentrasse apenas ao lado do córrego Guará, para que essa população pudesse desfrutar das suas águas límpidas e tivesse facilidade de acessar a Estrada Parque Guará-Taguatinga (EPTG).
A ideia do mutirão foi contagiando e atraindo cada vez mais interessados, embalados pelo sentimento e orgulho de construir sua própria moradia. O que seria uma quadra inicialmente logo foram três de uma vez. O mutirão começou pela QE 5, depois a QE 1 e a QE 3. O governo fornecia o material para a construção e os futuros moradores construíam as casas. Com o aumento do interesse de outros servidores públicos e a demanda dos órgãos públicos que estavam sendo transferidos para Brasília, o governo resolveu construir mais casas, desta vez financiadas pelo Banco Nacional de Habitação, o icônico BNH. Quando foi oficialmente inaugurada em 5 de maio de 1969, a cidade do Guará tinha 2.623 casas construídas e 1.021 em construção. A partir daí, a Sociedade Habitacional de Interesse Social (SHIS), hoje Codhab, começou a construção de mais 3 mil casas. Sob orientação do então prefeito de Brasília, Wadjô Gomide, as casas seriam destinadas a servidores dos governos distrital e federal que não tinham casa própria. Somadas às do mutirão, essas mais de 6 mil casas formaram o núcleo inicial do Guará, ocupando uma área de 2,994 quilômetros quadrados. Em 1971, a área da cidade foi ampliada e passou a ter 8,1 mil quilômetros quadrados.
Guará II para os servidores federais
Logo o crescente déficit habitacional do Distrito Federal encontrou no Guará sua solução. Os servidores transferidos do Rio de Janeiro para Brasília foi motivo para o Governo Federal propor ao Governo do Distrito Federal a criação do Guará II, assumindo a construção de quadras inteiras, como a QE 13 para os servidores de Câmara dos Deputados e Senado, a QE 24 para os servidores do Ministério de Minas e Energia e a QE 17 para funcionários dos Correios, a QE 36 para a Rede Ferroviária Federal, e assim por diante.
Mas, a poeira nas ruas na seca ou a lama no período chuvoso, a falta de estrutura e o preconceito fez com que muitos agraciados com as novas casas no Guará II desistissem de vir morar aqui. Muitos trocaram as casas recebidas por lotes em outras cidades, como Ceilândia e Taguatinga. Assustados com o que viam, muitos servidores, principalmente os oriundos do Rio de Janeiro, vendiam as casas por preços irrisórios ou as abandonavam.
Com a cidade concretizada e em franco desenvolvimento, o governador José Ornellas, em 1985, último ano de seu governo, criou a QE 38 para assentar 523 famílias que viviam na Vila da CEB, Vila União, Vila Socó e Guarazinho. No processo de assentamento, pessoas de todo o DF aproveitaram-se para se instalar na nova quadra, como as famílias oriundas das invasões da 110 Norte. Como aconteceu no início da formação da cidade, os destinatários dos lotes também viram neles não uma oportunidade de viver bem, mas de negócio e os venderam por preços abaixo do mercado imobiliário. Em 1987, a cidade aumentava sua população com a inauguração da Quadra Lúcia Costa. Em 1990, mais de 400 famílias foram assentadas nas QEs 42 e 44. Em 1987, no finalzinho do Governo Roriz foi criada a QE 46, onde foram assentados apadrinhados do governo e não inquilinos de baixa renda como era o previsto.
No governo Arruda, em 2006, foi planejada uma expansão da cidade que seria destinada somente a servidores do governo federal e local, na área entre as QEs 38 e 42 e colônia agrícola (Hoje, “Setor de Mansões”) Iapi, mas o Ministério Público acionou a justiça para barrar a “Cidade do Servidor” por entender que a ideia representava privilégio com terra pública a um determinado segmento . Com a proposta abortada por força de lei, a Terracap criou uma nova expansão na área, representada pelas QEs 48 a 58, com cerca de 1.700 lotes, metade ofertada a quem quisesse e pudesse adquirir o seu lote e a outra metade foi destinada às cooperativas habitacionais que representam o movimento considerado de interesse social. Também em 2006, numa manobra entre empresários donos de grandes projeções no Guará II, membros da alta cúpula do então governo Maria de Lourdes Abadia (que completou o governo de Joaquim Roriz, que se licenciou para concorrer às eleições) e alguns deputados distritais, foi alterado o Plano Diretor Local (PDL), para que permitisse a construção de edifícios de até 25 andares na orla do Guará II e até 12 pavimentos no centro da cidade.
A CIDADE TRANSFORMADA…
Da imaginada vila de trabalhadores que começou no mutirão, a cidade do Guará sofreu e vem sofrendo significativas transformações ao longo desses 52 anos. A principal delas foi ter se transformado no berço da classe média para alta do Distrito Federal, aquela que cresceu economicamente mas não teve condições de morar no Plano Piloto ou nos Lago Sul e Norte. Durante muitos anos, antes do surgimento dos condomínios em terras públicas, a cidade ostentou o título de segundo lugar em metro quadrado mais caro do Distrito Federal, acima inclusive do Lago Sul, considerada a proporção entre o tamanho dos lotes e o preço praticado no mercado. Contou também para essa preferência e valorização, a localização estratégica da cidade, num eixo entre as principais regiões do DF, a proximidade com o centro do poder, o aeroporto, a rodoviária interestadual, o principal shopping e aos acessos para outras regiões do país.
A antiga “cidade dormitório”, apelido que ganhou por ser usada durante muito tempo apenas como ponto de dormida da maioria dos seus moradores que preferiam fazer compras e se divertir fora, Guará ganhou vida própria com a chegada de grandes redes supermercadistas e de restaurantes e com o crescimento do seu comércio, embalado pelo aumento do poder aquisitivo de sua população, principalmente dos ocupantes dos grandes empreendimentos imobiliários que inundaram a cidade a partir do ano 2000.
Esse crescimento, inesperado e desordenado do ponto de vista físico, e de poder econômico, trouxe, por outro lado, consequências que em parte pioraram a qualidade de vida dos moradores, como o aumento da violência e o caos no trânsito, embora esse privilégio não seja apenas do Guará. Talvez a maior distorção que a cidade tenha sofrido nos últimos anos tenha sido a criação do que seria o Polo de Moda, idealizado para abrigar uma vocação que se disseminava pelas quadras, de criar e produzir para o segmento da moda, em parte para abastecer a Feira do Guará antes da chegada dos produtos chineses. Transformada num “polo de quitinete” com a omissão da cúpula dos últimos governos e dos seus órgãos de fiscalização, a quadra acabou sendo inserida no núcleo do mapa da violência do Distrito Federal de acordo com o índice de ocorrências policiais registradas nas delegacias de polícia e nas planilhas da Secretaria de Segurança Pública, principalmente em relação ao tráfico de drogas e seus braços diretos a prostituição, os furtos e até homicídios.
Falta de manutenção
Criadas para oferecer lazer aos moradores, principalmente às crianças, as praças das quadras sofrem com o abandono, a deterioração dos seus equipamentos, a ocupação por quiosques e o consumo de drogas. Outra alternativa de lazer, os campos de grama sintética e os pontos de encontro comunitário (pecs) também padecem de falta de manutenção, fruto do desaparelhamento da Administração Regional, transformada pelos últimos governos locais em meros cartórios para receber e carimbar documentos e em ouvidorias para receber e encaminhar pedidos e reclamações a outros órgãos.
A mobilidade urbana está cada vez mais estrangulada com o aumento da quantidade de moradores e veículos e a falta de investimentos em soluções para o trânsito de pedestres, ciclistas e carros. A via entre Guará e Núcleo Bandeirante, por exemplo, chega a registrar até 40 minutos de congestionamento em apenas dois quilômetros, situação que deve piorar muito com chegada de cerca de 8 mil moradores para as novas quadras 48 a 58.
A CIDADE QUE SERÁ
Pelo volume de investimentos previstos para os próximos anos, a cidade vai ganhar uma nova cara e transformar significativamente a qualidade de vida de sua população. A construção do complexo hospitalar da Região Centro-Sul, que será a maior da rede pública do DF, do Complexo Educacional no Cave, a construção de uma Unidade de Pronto Atendimento Atendimento (UPA), de uma nova creche pública e da implantação de um novo complexo de lazer no Cave pela iniciativa privada e ainda a implantação da Avenida das Cidades (antiga Interbairros) já não são mais sonhos ou projetos a longo prazo, mas começam a se transformar em realidade a partir deste ano.
No início de abril, o governo publicou o edital de chamamento público para que o setor privado manifeste interesse em realizar estudos para a implantação e gestão do Complexo Hospitalar da Região de Saúde Centro-Sul, que será construído no Guará II, ao lado da via contorno e das QEs 17 e 19. A proposta é que a construção e gestão do complexo sejam feitos pela iniciativa privada, nos moldes das santas casas de misericórdias, muito comuns na Região Sul.
O Complexo Hospitalar vai ocupar uma área de 70 mil metros quadrados onde é hoje a Unidade Básica de Saúde 2 e vai ampliar a oferta de especialidades médicas, serviços de diagnóstico e terapia, disponibilizar leitos de terapia intensiva adulto e pediátricos. O complexo, de acordo com estudos do GDF, deverá ser composto por um bloco hospitalar e um bloco ambulatorial (Policlínica, Centro de Apoio Diagnóstico, Central de Exames e Central de Laudos de Radiologia. A expectativa é de que sejam criados cerca de 400 leitos de internação, UTI adulto, diálise, pronto socorro e neonatologia.
Também está garantida a construção da primeira Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade, na QI 23, em frente à estação do metrô do Guará II. Os recursos, de R$ 7 milhões, foram incluídos no Orçamento da União através de emenda parlamentar do deputado distrital Luis Miranda (DEM), a pedido do deputado distrital Rodrigo Delmasso (Republicanos), morador da cidade, que incluiu também R$ 1 milhão no Orçamento do DF via PDPAS (Programa de Descentralização Progressiva de Ações da Saúde), para investimento na saúde pública do Guará – a contrapartida do GDF será de 10%, ou R$ 700 mil.
A Upa, de Porte II, terá no mínimo 11 leitos de observação, capacidade de atendimento médio de 250 pacientes por dia. Como é um projeto arquitetônico padrão, como o das Escolas Técnicas, a construção é rápida e pode ficar pronta em até um ano depois de iniciada.
Complexo Educacional
Outra obra já garantida é a do primeiro complexo educacional do Distrito Federal, que será erguido no Guará II, com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Serão investidos R$ 38 milhões na construção de novas unidades escolares da educação básica ao ensino médio e duas novas quadras poliesportivas. Aproximadamente 4 mil crianças e adolescentes serão atendidas em uma creche, uma escola classe, um centro de ensino fundamental e um centro de ensino educacional.
O complexo vai ocupar uma área de 60 mil metros quadrados e será erguido na QE 23 do Guará II, próximo ao local onde também será construído o complexo hospitalar. O projeto arquitetônico das novas escolas já está concluído, aguardando apenas o processo licitatório. A previsão é que o complexo fique pronto em dois anos.
Novo complexo de esporte e lazer
O primeiro dos grandes investimentos na cidade deverá ser o novo complexo de esporte de lazer do Cave, que será construído pela iniciativa através de parceria público-privada (PPP). Todo o processo está praticamente concluído e apenas aguardando ajustes na Secretaria de Esporte e Lazer para ser lançado o edital para a escolha dos concessionários. Logo depois, nos mesmos moldes, será licitado o Kartódromo do Guará.
O projeto de concessão do Cave, debatido desde 2017, prevê a reconstrução do estádio do Cave, de um novo ginásio coberto ao lado do Teatro de Arena (onde é a pista de bicicross), a construção de uma praça de lazer no terreno do atual ginásio, com academias, restaurantes e serviços, e um clube social, como meio do concessionário obter retorno dos investimentos, calculados em R$ 35 a 40 milhões (R$ 28 milhões em 2017). Somente no estádio seriam cerca de R$ 14 milhões. projeto serão constituídos por 20% de capital próprio e 80% de capital de terceiros.
Avenida das Cidades vai criar novo adensamento
Outro projeto em fase de finalização é a Avenida das Cidades (Ex-Interbairros) vai impactar bastante a vida do guaraense, por causa do adensamento em volta da via, com a criação do Centro Metropolitano do Guará. O projeto da avenida, que terá 26 quilômetros e atravessa sete regiões administrativas, incluindo o Guará, também será erguido pela iniciativa privada em troca da concessão dos terrenos em sua volta.
A nova avenida tem o conceito de via urbana com a ligação viária entre o Plano Piloto e as regiões de Guará, Arniqueira, Águas Claras, Park Way, Samambaia e Taguatinga, e vai permitir a integração entre as cidades, que hoje são separadas pelas linhas de transmissão de energia. Será necessário fazer o enterramento das linhas de transmissão desde a Subestação Brasília Geral até a Subestação de Samambaia.