A saga de uma das mais respeitadas líderes comunitárias do Guará é um exemplo de que a esperança, a fé e, principalmente, a perseverança são capazes de vencer quaisquer adversidades. Presidente de uma associação habitacional selecionada para receber terrenos na Expansão do Guará (QEs 48 e 58), Teresa Ferreira Dias, 59 anos, poderia ser hoje uma simples agricultora em uma terra alagada no município de São Félix do Araguaia (MT), mas uma série de boas coincidências e vontade de vencer transformaram completamente sua vida.
Por ser portadora de bronquite asmática, que piorava cada vez por causa da umidade onde a família morava, e por isso precisava de tratamento constante, ela foi entregue pela mãe aos sete anos a uma senhora em São Félix do Araguaia, onde ficou até os 13 anos de idade. Sem condições de continuar com ela, essa senhora a pediu para ir embora. Sem saber para onde iria, Teresa dormiu dois dias na rua, até que, por acaso, uma empresária rica da cidade, dona de um posto de combustíveis, hotel, bar e restaurante numa estrada a 200 quilômetros dali, parou seu carro e perguntou se ela conhecia alguém que estava precisando trabalhar nos seus empreendimentos. “Eu!”, respondeu sem pestanejar. E lá foi Teresa, sem saber o que lhe esperava. E deu certo. Com apenas dois anos de trabalho, passou a contar com a confiança total da dona do empreendimento e da então gerente do negócio, que revesava períodos lá, com a família que tinha em Brasília.
A confiança foi tanta que Teresa, com apenas 16 anos, passou a responder por todo o negócio quando a gerente se ausentava por vários dias, inclusive com a responsabilidade de fazer toda a arrecadação e controlar o serviço de funcionários. Quando teve que abandonar a gerência para fixar-se em Brasília, essa senhora, Laurita Machado de Camargo, convidou Tereza para vir morar com ela em Brasília, na QE 17 do Guará, onde passou a trabalhar como doméstica durante o dia enquanto estudava à noite.
Casamento conturbado
Frequentadora da piscina de ondas do Parque da Cidade, lá conheceu seu primeiro marido. Namoraram e casaram-se três meses depois. Servidor da Novacap, ele era um homem muito bonito, de boa conversa e muito cobiçado pelas mulheres, segundo ela. Mas, depois de casada ela descobriu que o homem escondia várias doenças crônicas, tomava remédios controlados e era portador de epilepsia, além de ser violento. Mesmo assim, aos trancos e barrancos, continuou no casamento por 15 anos, e teve três filhos, Leonardo com 36 anos, Poliana com 31 e Plínio com 27.
Como era arrimo de família por causa das doenças do marido, que foi demitido do emprego, ela não estava mais conseguindo pagar aluguel e cuidar dos três filhos menores, quando surgiu a oportunidade de erguer um barraco na “invasão da mamoneira”, onde é hoje o Hospital do Corpo de Bombeiros, no Polo de Moda. Preferiu levar a família pra lá do que pedir ajuda à família do pai dos seus filhos, que tinha posses. Na época, conseguiu um emprego na frente de trabalho do SLU para trabalhar como lixeira, onde ficou cinco anos varrendo rua e cuidando da limpeza na área da QI 11 do Guará I.
Tudo ia bem até que, em 1996, o Governo Cristovam Buarque autorizou a criação do Polo de Moda e precisava de toda a área desocupada, mas lá estava a “invasão da mamoneira”, com 45 barracos. Como não conseguiu convencer os ocupantes a deixar o local com argumentos, o governo passou o trator em todos os barracos, deixando em pé apenas o de Teresa, porque haviam três crianças pequenas dentro. Entretanto, alguns dos ocupantes ainda conseguiram ser cadastrados pelo Idhab (atual Codhab) e foram realocados em lotes compartilhados nas QEs 38 e 42, mas Teresa não pôde ser contemplada porque seu nome constava como beneficiária de um lote em Samambaia quando seu marido era servidor da Novacap. Mas o lote não existia mais, porque eles haviam se separado.
“Fiquei tão revoltada com a derrubada, que peguei meu salário de gari, fretei um ônibus e levei todos os ocupantes dos 12 barracos das famílias que não haviam sido contempladas para a frente da Administração Regional para protestar. Foi aí que o então administrador regional Alírio Neto propôs que fôssemos para a Vila Feliz, uma invasão que existia na área onde é hoje a Expansão do Guará, também conhecida como “cidade do servidor”, conta. Lá, ela passou a liderar os ocupantes, onde conheceu o então deputado distrital José Edmar, que a aconselhou a criar uma associação para lutar por moradia. Lá também conheceu seu segundo e atual marido, Joviniano, “um anjo que apareceu na minha vida”, segundo ela, com quem vive há 20 anos. Nascia a Amohiguar (Associacao dos Moradores das Ocupações Históricas das QEs 38 e 40 e Inquilinos do Guara”, que inicialmente tinha o objetivo de lutar por moradia apenas para os filhos do Guará, ou seja, filhos de pioneiros da cidade que não tinham onde morar.
Pela firmeza e seriedade nas negociações com a Secretaria de Habitação e da Codhab, Teresa passou a ser respeitada pelas autoridades do governo. Por isso, a Amohiguar foi uma das associações habilitadas para receber 25 lotes para seus associados na Expansão do Guará, na parte destinada à habitação de interesse social.
A luta de Teresa, da Amohiguar e das outras associações agora é pela conclusão da estrutura da parte das habitações de interesse social, que ainda não dispõe de asfalto e energia nas ruas. “Aí, minha missão estará cumprida. Vou cuidar dos meus três netos e de minha família”, diz ela, que mais uma vez está descartando convites para disputar um cargo político, daqueles que servem de escada para eleger candidatos mais fortes.