A partir de junho, a cidade pode ficar sem uma das suas creches comunitárias mais antigas. Por causa da defasagem entre os recursos repassados pela Secretaria da Educação e os custos de manutenção de toda a sua estrutura, a creche Tia Joana, que funciona desde 1989, portanto, há 32 anos, corre o risco de fechar as portas a partir de junho. Mantida pela Associação dos Moradores do Projeto Lúcio Costa (Ampluc), a creche atende 67 crianças carentes da própria quadra e das áreas vizinhas, principalmente da Estrutural.
A defasagem foi provocada pelo aumento dos custos de manutenção com a escalada da inflação, dos insumos e do aumento dos salários de monitores e profissionais enquanto os recursos repassados pelo governo, calculados por cada criança atendida, continuam congelados há três anos. O problema, entretanto, não atinge somente a Creche Tia Joana, mas todas as creches comunitárias do Distrito Federal que dependem de repasse de recursos do governo. As creches recebem R$ 803 por criança atendida, mas, de acordo com a Ampluc e a direção da creche, esse valor teria que ser atualizado para no mínimo R$ 1.200 por criança.
A situação poderia estar resolvida se o aumento do valor per capita para as creches tivesse sido incluído e aprovado pela Câmara Legislativa na votação do Orçamento do GDF para o exercício de 2022. Mas, mesmo com a mobilização das instituições que mantém as creches comunitárias e do Sindicato dos Professores das Escolas Particulares (Sinproep), inclusive com a presença de apoiadores no plenário da Câmara, a reivindicação não foi atendida pelos deputados distritais e o governo não pode promover o aumento por sua conta sem a anuência do legislativo.
Dinheiro só até maio
Para se manter até maio, a direção da Ampluc e da creche tiveram que fazer um malabarismo financeiro para sobrar recursos do orçamento de 2021, suficientes para cobrir a defasagem por mais três meses. “Se não houver uma solução até lá, não teremos como continuar pagando os salários dos monitores e adquirindo os insumos necessários para manter a higiene e cinco refeições diárias para as crianças”, prevê o tesoureiro da creche, Wanderley Santos. “Além disso, somos permanentemente fiscalizados pela Secretaria de Educação, com exigências como trocas de piso, reforma de banheiros e outras melhorias que não temos como fazer”, completa a diretora da creche, Patrícia Cardoso. A economia dos custos incluiu a redução de 18 para 16 monitores, o que permitiu a redução da capacidade da creche de 74 para 67 crianças, de 1 a 3 anos de idade.
Mas, assim que a informação nas redes sociais sobre a possibilidade do fechamento da creche começou a circular foi iniciado um movimento para sensibilizar o governo e a sociedade sobre as consequências do problema e a busca de soluções. Nesta terça-feira, 9 de março, foi aberto um abaixo-assinado virtual para angariar apoio popular em defesa da creche, que será encaminhado à presidência da Câmara Legislativa e à cúpula da Secretaria de Educação, solicitando a alteração do orçamento para permitir o reajuste do repasse e evitar que a creche Tia Joana e outras creches na mesma situação sejam fechadas no Distrito Federal.
A presidente da Associação de Moradores do Lúcio Costa, Patrícia Calazans, alega que, sem essa providência não haveria outra forma de manter a creche aberta. “A Ampluc recebe apenas R$ 60 de contribuição do morador e mesmo assim, como é voluntária, essa participação tem sido cada vez menor por conta da crise econômica que passamos”, explica. Segundo ela, a associação passa por outras dificuldades, por causa de notificações dos órgãos de controle que apontaram desvios de recursos em prestações de contas em gestões anteriores. “Para se ter ideia do que aconteceu, estamos aguardando a execução de uma dívida de R$ 250 mil, devida por um ex-presidente da associação, condenado pelo Tribunal de Contas do DF, que chegou a penhorar a casa dele para o pagamento da dívida, mas que ainda não foi possível executar. E há outro processo em curso referente à prestação de contas das administrações de 2011 e 2012, em que pede a devolução de outros recursos ao tesouro do GDF, que, de acordo com o tribunal, foram utilizados indevidamente”, conta.
Tia Joana indignada
Mentora da criação da creche, que leva seu nome, Joana de Jesus Oliveira, a Tia Joana, ou Jô do Lúcio Costa, é a mais revoltada com a possibilidade de fechamento da instituição. “Se isso acontecer, será o maior desgosto da minha vida. A creche é o filho que não tive. Lutei pela sua criação e tenho lutado todos esses anos para ajudar a mantê-la em pé, mesmo com muitos percalços provocados por más administrações da Associação. Espero que nessa altura da minha vida não tenha que passar por isso”, lamenta.
Joana conta que nesses mais de 30 anos da existência da creche ela teve que correr atrás para resolver os problemas que surgiam, principalmente em relação à falta de recursos financeiros. “Coloquei dinheiro da minha aposentadoria, recorri a amigos e cheguei a fazer um empréstimo bancário que foi descontado do meu contracheque para cobrir rombos provocados por falta de repasses ou más administrações da associação”, afirma. Ela cita o senador Izalci Lucas, ex-morador do Guará, como seu maior parceiro nessa luta para manter a creche funcionando. “Além de ajudar financeiramente diversas vezes quando a situação piorava, ele nos ajudou a buscar recursos do governo e de empresas”.
Tia Joana, entretanto, critica a falta de critérios na triagem na seleção das crianças a serem atendidas pela creche. “Basta ir no início e no fim do expediente para perceber a quantidade de carros caros de pais que vão buscar seus filhos. E, pior, de pessoas que não moram no Lúcio Costa. Muitos moram em Guará, Vicente Pires, Águas Claras e Taguatinga e aproveitam o trajeto para o trabalho para deixarem seus filhos na creche”. Isso acontece, segundo ela, porque a Secretaria de Educação não faz uma vistoria rigorosa sobre as informações prestadas pelas famílias, ou aceita a ingerência política na cessão de vagas para crianças que não se enquadram no critério de atendimento.
Regional de Ensino intermedia solução
O coordenador Regional de Ensino do Guará, Leandro Andrade explica que está acompanhando a situação da creche enquanto busca uma solução com a Secretaria de Educação para tentar evitar o encerramento das atividades da Tia Joana. “A própria secretaria está preocupada, mas a solução passa pela alteração do valor da per capita via orçamento, que ainda não foi possível fazer através da Câmara Legislativa”.
A Regional de Ensino do Guará coordena seis creches comunitárias que recebem recursos do governo – quatro no Guará e duas na Estrutural – mas, segundo Leandro, a do Lúcio Costa é a de pior situação, porque depende exclusivamente do subsídio público para sobreviver. “As outras conseguem alternativas de renda para complementar seus custos, como doações e telemarketing, por exemplo. Se não conseguirmos aprovar até maio a reavaliação da per capita, não sei como vai ficar a situação da Tia Joana”, diz.
Em relação à crítica da líder comunitária Joana de Jesus de que nem todas as crianças atendidas são carentes ou tenham sido matriculadas por influência política, o coordenador da Regional do Guará garante que isso não é possível acontecer. “A triagem é feita pelo sistema da Secretaria de Educação sobre a lista da Telematrícula através do 156. De acordo com as informações prestadas pelos pais no formulário online, o sistema vai pontuando os interessados por nível de carência e necessidade. E depois que a criança é selecionada, os pais tem que comprovar as informações prestadas para confirmar a matrícula. Portanto, a crítica ou denúncia não procede”, afirma.
Questionada pelo Jornal do Guará, a Secretaria de Educação respondeu através de nota que “a Organização da Sociedade Civil (OSC) Associação dos Moradores dos Moradores do Lúcio Costa (Ampluc), mantenedora da Creche Tia Joana assinou o Termo de Colaboração com a Secretaria de Educação no dia 8 de fevereiro, ou seja, concordou com o valor. Posteriormente, a entidade enviou ofício solicitando a atualização do valor”. E que, “para a área abrangida pela regional de ensino do Guará, está em andamento a licitação de uma creche para a Estrutural. Mais uma creche para a cidade do Guará está prevista no plano de obras para ser licitada”.
Nova creche pública no Guará era para 2020
GDF anunciou em 2019 que construiria uma nova creche pública – já existe uma no Lúcio Costa – há dois anos, com recursos do FNDE, entre as QEs 17 e 19
A cidade já deveria ter uma nova creche pública desde 2020. Pelo menos essa foi a promessa do Governo do Distrito Federal feita em 2019, quando anunciou que construiria cinco novas creches no DF, incluindo a do Guará. Em nota ao Jornal do Guará, a Secretaria de Educação apenas informa que a promessa continua, mas não diz quando será cumprida.
Em setembro de 2019, o GDF anunciou que o edital de licitação para as obras das primeiras instalações sairia ainda naquele mês, graças a uma investida do governo local para recuperar contratos de 2012 com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). “Não havia um só projeto, nada, e os prazos [estavam] todos estourados”, contava a chefe da assessoria especial da Secretaria de Governo, Sueli Rodrigues. Sueli foi quem coordenou o grupo de trabalho, que se dedicou, nos últimos meses, à elaboração processual junto ao Ministério da Educação para não perder os recursos.
“Se não tivéssemos feito esse esforço concentrado, envolvendo vários órgãos do governo, perderíamos mais de R$ 42 milhões. Quinze creches que já deveriam estar prontas, mas ficaram esquecidas na gaveta de governos anteriores”, afirmou. Segundo ela, para viabilizar os contratos, o esforço de servidores das secretarias de Economia, Educação e Governo foi fundamental.
De acordo com Sueli, os trabalhos estavam bem adiantados. “Os terrenos para as instalações já estão definidos e os projetos arquitetônicos, elétricos e hidráulicos já estão prontos. “Até dezembro, no máximo, a licitação estará na rua. No início do próximo ano iniciamos as obras das primeiras unidades”, previa, em 2019.
Cofres locais
Além dos recursos do FNDE, o GDF destinaria mais R$ 25,5 milhões em contrapartidas para a construção das 15 creches. O valor iria financiar obras de acessibilidade no entorno das escolas, além da compra do mobiliário.
De acordo com o projeto arquitetônico, cada unidade teria espaços definidos para funções administrativas, outro de serviços e multiuso, além dos núcleos pedagógicos. Também estava previsto um pátio coberto, área externa para playground, torre de água e estacionamento.
Projeto arquitetônico
No bloco administrativo ficaria secretaria da escola, sala dos professores, diretoria, almoxarifado e sanitários masculino e feminino para adultos. No bloco de serviços, rouparia, lavanderia, copa para funcionários, depósito de material de limpeza, vestiários masculino e feminino, despensa, cozinha, bufê e lactário.
O bloco da creche, para crianças com até três anos de idade, teria fraldário, sanitário e áreas de atividades, repouso, alimentação e solário. Já o bloco da pré-escola, para crianças de quatro e cinco anos, terá espaço de atividades, repouso e solário.
A complementação dos espaços para esses estudantes estaria no bloco multiuso, que terá sala, sanitários para meninos e meninas, sanitários para adultos e para pessoas com deficiências, sala de informática e telefone.
Essa reportagem do Jornal do Guará foi publicada em setembro de 2019, mas está sendo repetida no condicional, porque nada foi feito até agora para a construção da creche prometida.
Nova escola na QE 42
Cerca de 300 estudantes do ensino fundamental e infantil, filhos de moradores da Região da Estrutural, foram transferidos da escola pública localizada nas proximidades da sede da Companhia Energética de Brasília (CEB) e do Clube da Saúde, na Região do Guará, para a QE 42. Eles ocupam o prédio da antiga escola infantil Padre Di Francia, alugado pela Secretaria de Educação para acomodar o excedente da Telematrícula da Escola Classe SRIA, que ainda vai permanecer com 210 estudantes.
Inicialmente, a Secretaria de Educação pretendia ocupar e reformar um prédio desativado do governo ao lado da Escola Classe SRIA para acomodar o excedente de matriculados, mas laudos técnicos indicaram que as instalações estavam comprometidas, daí a necessidade de buscar um outro local na Região do Guará, o que coincidiu com o fechamento da escola infantil Padre di Francia na QE 42 e a disponibilização do prédio para aluguel.
Para receber os novos alunos a Regional de Ensino do Guará teve que criar uma estrutura completa para a nova escola, com a nomeação de diretores, auxiliares e professores. As aulas da Escola Classe da QE 42 foram iniciadas no dia 3 de março.