Creche do Lúcio Costa ganha sobrevida. Mas pequena

Uma dose razoável de um novo remédio pode manter o paciente vivo por alguns meses, no caso a Creche Tia Joana, no setor Lúcio Costa, na Região do Guará, que estava ameaçada de fechar as portas no final de maio, por falta de recursos suficientes para sua manutenção. Além do aumento de 11% concedido pelo Governo do Distrito Federal sobre a per capita por criança repassada às creches públicas, a Tia Joana pode receber um recurso extra, que era esperado mas que somente tomou conhecimento que estava liberado após reportagem do Jornal do Guará no início de março.
Por causa da defasagem entre os recursos repassados pela Secretaria da Educação e os custos de manutenção de toda a sua estrutura, a creche Tia Joana, que funciona desde 1989, portanto, há 32 anos, corria o risco de fechar as portas a partir de junho. Mantida pela Associação dos Moradores do Projeto Lúcio Costa (Ampluc), a creche atende 67 crianças carentes encaminhadas pela Secretaria de Educação.
A defasagem foi provocada pelo aumento dos custos de manutenção com a escalada da inflação, dos insumos e do aumento dos salários de monitores e profissionais, enquanto os recursos repassados pelo governo, calculados por cada criança atendida, continuavam congelados há três anos. O problema, entretanto, não atingia somente a Creche Tia Joana, mas todas as creches comunitárias do Distrito Federal que dependem de repasse de recursos do governo.
As creches recebiam R$ 803 por criança atendida, mas, de acordo com a Ampluc, esse valor teria que ser atualizado para no mínimo R$ 1.200 por criança. Na semana passada, o governo concedeu um aumento de 11%, elevando a per capita para R$ 890, mas, junto com a notícia boa veio outra preocupante: o Sindicato dos Professores do DF conseguiu um aumento de também 11% para os professores que trabalham em creches públicas. Ou seja, o reajuste da per capita quase foi anulado pelo aumento salarial. A diferença é suficiente para manter a creche funcionamento até julho, mesmo assim porque os custos serão reduzidos durante o mês do recesso.

Indenização

Entretanto, o que poderia aumentar a sobrevida da creche seria a entrada de R$ 187 mil, referentes a uma indenização paga por um ex-presidente da Ampluc, condenado pelo Tribunal de Contas do DF a devolver, corrigidos, recursos públicos por falta de prestação de contas de gestões anteriores. A indenização chegou a R$ 344 mil, mas, depois de deduzidos os honorários da advogada contratada pela Associação e outros custos do processo, a quantia foi reduzida para R$ 187 mil. A indenização tinha sido repassada pela Justiça à Associação de Moradores em março do ano passado, depois da penhora e venda de um imóvel do ex-presidente, mas somente foi repassada agora depois que a reportagem do Jornal do Guará recebeu a informação do repasse através da advogada do ex-presidente condenado. De acordo com a presidente da Ampluc, Patrícia Calazans, a advogada da causa alegou que não havia repassado os recursos ainda porque não havia conseguido contato da diretoria atual – ela havia sido contratada pela diretoria anterior. “Se foi isso, ela não fez qualquer esforço, porque a nova diretoria assumiu a Ampluc em 2020, portanto, há três anos. Bastava ter perguntado a qualquer morador do Lúcio Costa que teria nos localizado. Se não fosse o Jornal do Guará, provavelmente esse dinheiro ficaria parado por mais tempo ainda”, afirma Patrícia.
Mas, nem esse recurso pode salvar a creche. A destinação dele será decidida por uma assembleia de moradores, que deverá ser convocada para os próximos dias para tratar especificamente do assunto. Segundo Patrícia, parte dos moradores é contra o repasse desse dinheiro para a creche, porque das 67 crianças atendidas pela Tia Joana apenas 10 são moradores da quadra, por isso, prefere que ele seja investido em outras benfeitorias em espaços de uso comum. “O problema é que, como a creche recebe subsídio do governo, não há como reservar as vagas somente para as crianças do Lúcio Costa, até porque quem faz a seleção é a Regional de Ensino do Guará”, afirma a presidente da Associação. “Os moradores sabem e veem pais com carros de mais de R$ 200 mil deixando crianças na creche. Daí, o questionamento sobre o uso desse recurso lá”, completa.

Dinheiro só até meio do ano

Para se manter pelo menos até julho, a direção da Ampluc e da creche afirmam que estão fazendo um malabarismo financeiro para sobrar recursos do orçamento de 2021, suficientes para cobrir a defasagem por mais três meses, mesmo assim considerando a diferença do aumento concedido pelo governo. “Se não houver uma solução até lá, não teremos como continuar pagando os salários dos monitores e adquirindo os insumos necessários para manter a higiene e cinco refeições diárias para as crianças”, prevê o tesoureiro da creche, Wanderley Santos. “Além disso, somos permanentemente fiscalizados pela Secretaria de Educação, com exigências como trocas de piso, reforma de banheiros e outras melhorias que não temos como fazer”, completa a diretora da creche, Patrícia Cardoso. A economia dos custos incluiu a redução de 18 para 16 monitores, o que permitiu a redução da capacidade da creche de 74 para 67 crianças, de 1 a 3 anos de idade.
Mas, assim que a informação nas redes sociais sobre a possibilidade do fechamento da creche começou a circular, foi iniciado um movimento para sensibilizar o governo e a sociedade sobre as consequências do problema e a busca de soluções. A Associação de Moradores do Lúcio Costa lançou um abaixo-assinado virtual para angariar apoio popular em defesa da creche, que será encaminhado à presidência da Câmara Legislativa e à cúpula da Secretaria de Educação, solicitando o aumento dos recursos e com isso evitar que a creche Tia Joana e outras creches na mesma situação sejam fechadas no Distrito Federal.
A presidente da Associação de Moradores do Lúcio Costa, Patrícia Calazans, alega que, sem essa providência não haveria outra forma de manter a creche aberta. “A Ampluc recebe apenas R$ 60 de contribuição do morador e mesmo assim, como é voluntária, essa participação tem sido cada vez menor por conta da crise econômica que passamos”, explica.

Tia Joana indignada

Mentora da criação da creche, que leva seu nome, Joana de Jesus Oliveira, a Tia Joana, ou Jô do Lúcio Costa, é a mais revoltada com a possibilidade de fechamento da instituição. “Se isso acontecer, será o maior desgosto da minha vida. A creche é o filho que não tive. Lutei pela sua criação e tenho lutado todos esses anos para ajudar a mantê-la em pé, mesmo com muitos percalços provocados por más administrações da Associação. Espero que nessa altura da minha vida não tenha que passar por isso”, lamenta.
Joana conta que nesses mais de 30 anos da existência da creche ela teve que correr atrás para resolver os problemas que surgiam, principalmente em relação à falta de recursos financeiros. “Coloquei dinheiro da minha aposentadoria, recorri a amigos e cheguei a fazer um empréstimo bancário que foi descontado do meu contracheque para cobrir rombos provocados por falta de repasses ou más administrações da associação”, afirma.
Tia Joana, entretanto, critica a falta de critérios na triagem na seleção das crianças a serem atendidas pela creche. “Basta ir no início e no fim do expediente para perceber a quantidade de carros caros de pais que vão buscar seus filhos. E, pior, de pessoas que não moram no Lúcio Costa. Muitos moram em Guará, Vicente Pires, Águas Claras e Taguatinga e aproveitam o trajeto para o trabalho para deixarem seus filhos na creche”.

Regional de Ensino intermedia solução

O coordenador Regional de Ensino do Guará, Leandro Andrade, explica que está acompanhando a situação da creche enquanto busca outras soluções junto com a Secretaria de Educação para tentar evitar o encerramento das atividades da Tia Joana. “Legalmente, o que o governo pôde fazer de imediato foi aprovar o aumento da per capita das crianças atendidas. Legalmente, não há como injetar outros recursos públicos por enquanto. Mas estamos atentos ao problema”, afirma.
A Regional de Ensino do Guará coordena seis creches comunitárias que recebem recursos do governo – quatro no Guará e duas na Estrutural – mas, segundo Leandro, a do Lúcio Costa é a de pior situação, porque depende exclusivamente do subsídio público para sobreviver. “As outras conseguem alternativas de renda para complementar seus custos, como doações e telemarketing, por exemplo, mas a Tia Joana não”, explica.
Em relação à crítica da líder comunitária Joana de Jesus de que nem todas as crianças atendidas são carentes ou tenham sido matriculadas por influência política, o coordenador da Regional do Guará garante que isso não é possível acontecer. “A triagem é feita pelo sistema da Secretaria de Educação sobre a lista da Telematrícula através do 156. De acordo com as informações prestadas pelos pais no formulário online, o sistema vai pontuando os interessados por nível de carência e necessidade. E depois que a criança é selecionada, os pais tem que comprovar as informações prestadas para confirmar a matrícula. Portanto, a crítica ou a denúncia não procede”, afirma.