A sucessão de erros e descaso com a comunidade na implantação da ciclofaixa na via central do Guará II não parou, mesmo depois de duas tumultuadas reuniões entre representantes de dois órgãos e lideranças comunitárias, e a promessa do governo de paralisar as obras, rever o projeto e depois ouvir os representantes para decidir o que fazer. A trégua aconteceu por pouco tempo. Enquanto aguarda o agendamento de uma reunião com o secretário e técnicos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), os membros da comissão de moradores foram surpreendidos com a reativação das obras no afastamento dos abrigos de passageiros de ônibus no trecho já executado, na altura da QI 23.
O pior é que ninguém consegue informações sobre o que está acontecendo. O próprio governo garante que desconhece o retorno das obras e a alteração que está sendo executada, o que tem provocado indignação dos representantes dos moradores, que estão se sentindo desprestigiados e enganados. Eles também acusam o governo de promover um “jogo de empurra-empurra” com o objetivo de concluir a obra sem que sejam ouvidos e sem as alterações propostas nas duas reuniões. “Estamos há dois meses aguardando um agendamento prometido com o secretário de Habitação, Mateus Oliveira, mas nunca confirmam. E nesta semana recebemos a informação que a obra não seria mais de responsabilidade da Seduh e teria sido repassada à Secretaria de Cidades, que, por seu lado, desconhece essa informação. Ou seja, ninguém sabe de nada, está tentando nos enganar ou as empreiteiras estão fazendo o que querem e desrespeitando a ordem de paralisar a obra”, reclama Anderson Fabrício Gomes, membro da comissão. “Falta transparência desde o início, sem placas de informações sobre a obra e publicidade sobre o que seria feito. Tudo muito estranho”, critica Giselle Silvestre da Costa. “A sensação é que o o governo quer que desistamos de discutir a obra”, completa Pat Arouca, também membro da comissão de moradores.
Obras paralisadas e reavaliação do projeto
Depois de duas tumultuadas reuniões na Administração Regional em maio entre representantes da Seduh, da Secretaria de Cidades e da Administração Regional do Guará e lideranças comunitárias, ficou decidido que as obras que estavam sendo executadas no trecho 1 da Ciclofaixas seriam interrompidas e solicitado um parecer técnico do Detran sobre possíveis alterações no projeto, que depois seriam discutidas com os moradores antes de serem executadas. No mês passado, 23 de junho, questionada pelo Jornal do Guará sobre o assunto, a Seduh respondeu, através de nota, “que já havia recebido o parecer técnico do Detran indicando as alterações que deveriam ser feitas no projeto original da ciclofaixa”. E que “o projeto seria avaliado pela Comissão Permanente do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), formado por representantes de órgãos do GDF que aprovaram o projeto original em 2011. Somente após essa análise é que o projeto seria submetido à comissão formada por representantes de moradores”. Mas, para surpresa de todos, a obra recomeçou esta semana com a realocação dos abrigos de passageiros e o recuo da ciclofaixa. Novamente questionada pelo Jornal do Guará, a Seduh respondeu que desconhecia o reinício das obras. Consultado, o secretário-adjunto da Secretaria de Cidades, Cléber Monteiro, morador do Guará, garantiu que a secretaria não foi consultada sobre o reinício das obras, mesma resposta dada pela Administração Regional do Guará.
A situação está colocando o governo numa “sinuca de bico”, por causa de uma sucessão de equívocos e omissões sobre a execução de um projeto bem intencionado. Depois de consumir cerca de R$ 1,2 milhão, a implantação da ciclofaixa no centro do Guará II aguarda uma solução, que passa por dois caminhos: a demolição completa do que já foi feito, com o prejuízo do que foi gasto, ou a readaptação do projeto para tentar amenizar a ira da maioria de moradores e motoristas da cidade.
Nas duas reuniões com os moradores, os representantes do governo até tentaram salvar a obra ou parte dela, mas sentiram que a missão é quase impossível, principalmente em ano eleitoral. Nessas reuniões, os técnicos mal conseguiram explicar o projeto e as propostas para amenizar os impactos e foram logo hostilizados por líderes comunitários e moradores, indignados com a retirada de espaço dos veículos e com a falta de comunicação do que foi projetado e estava sendo feito. Quase calados, os técnicos tiveram que ouvir críticas duras e insultos, alguns acima do razoável.
Insatisfação da comunidade
O clima das reuniões refletiu o descontentamento da maioria da população guaraense com as interferências no trânsito, manifestado nas redes sociais. O clima chegou a tal ponto que a população – especialmente as lideranças comunitárias -, sequer aceita ouvir as propostas que o governo tenta apresentar para amenizar os impactos e só concorda com a demolição completa do que já foi feito no trecho 1, na QI 23. Em relação aos trechos 2 e 3 do projeto, entre a 4ª. Delegacia de Polícia e o edifício Pedro Teixeira, no final do Guará II, nem se discute mais, porque o próprio governo já desistiu de aproveitá-lo, diante da virulenta resistência das lideranças e dos moradores.
Enquanto afaga o movimento que protesta contra a obra ao decidir pela sua interrupção, o governo esbarra em duas outras dificuldades, a primeira delas de ordem legal, porque a obra é uma compensação urbanística, que está sendo paga pelas incorporadoras que construíram grandes edifícios na orla e no centro do Guará II no período de 2008 e 2010 e foi negociada à época pelo Ministério Público com o então Governo Arruda. Como não foi executada desde então por falta de providências dos governos subsequentes de Wilson Lima e Rogério Rosso (tampões), depois de Agnelo Queiroz e Rodrigo Rollemberg, que tinham a responsabilidade de apresentar os projetos da compensação, o Tribunal de Contas do Distrito Federal resolveu intervir e exigir que o Governo Ibaneis cumprisse o acordo com as incorporadoras. Mas, para atender à exigência do TCDF, o governo atual resolveu lançar mão do projeto elaborado na época por técnicos da então Secretaria de Habitação, atual Seduh, portanto há quase 12 anos, aprovado por uma Comissão formada por representantes da própria Secretaria, da Secretaria de Transportes (atual Secretaria de Mobilidade) e do Detran, sem a preocupação de atualizá-lo para a realidade atual da cidade.