Desde a criação da Lei Orgânica da Cultura, os gerentes de cultura das Regiões Administrativas são escolhidos baseados em uma lista tríplice, eleita pela comunidade. Foi assim que o atual gerente de cultura do Guará, Julimar dos Santos, chegou ao cargo. Seu mandato de três anos deveria ter acabado em fevereiro, mas a eleição não aconteceu. Em agosto, a Administração do Guará finalmente publicou um edital convocando os candidatos e eleitores para a eleição no dia 1º de outubro, posteriormente remarcada para dia 8 de outubro. O problema é que as regras para votar e ser votado não fazem sentido, gerando grande insegurança jurídica, e ameaçando a realização das eleições.
Candidato que não pode votar
O edital prevê uma situação absurda: haverá candidatos que não poderão votar. Isso mesmo. Poderão ser votados para o cargo de gerente de cultura, mas não podem votar por não fazer parte da comunidade cultural segundo as regras do edital. Para votar é preciso estar no Cadastro de Entes e Agentes Culturais do Distrito Federal. Como a eleição acontece em um mês, não há tempo hábil para fazer o cadastro, que precisa ser aprovado pela Secretaria de Cultura. Curiosamente, para ser candidato não é preciso estar no cadastro. Que é o caso do atual gerente de cultura. Julimar dos Santos é artista plástico nascido e criado no Guará. Inegavelmente faz parte da comunidade cultural da cidade, mas não tem o registro no CEAC. Portanto, se for candidato, e provavelmente será, não poderá votar em si mesmo. Assim como a ele, a regra exclui boa parte dos artistas e produtores da cidade. Sônia Dourado, por exemplo, ex-gerente de cultura da cidade e criadora da Casa da Cultura, não poderá votar. Assim como o poeta Judson Seraine. O pioneiro, distribui seus versos pela Guará desde quando participou do mutirão em 1968 e não poderá votar. Produtores culturais, que fizeram o registro no CEAC em nome de suas empresas, como manda a lei, não poderão votar. A comunidade cultural teme que o processo seja suspenso, basta alguém acionar a justiça, que certamente vai entender o quão estapafúrdia é a ideia de ter candidatos que não estão habilitados para votar.
O Conselho de Cultura do Guará, que elaborou o edital através de sua comissão eleitoral, foi alertado pela população do erro e solicitou que à Administração que a regra fosse suprimida. Mas a Administração do Guará negou a mudança. “Fomos surpreendidos com uma pretensa retificação promovida pela Assessoria Jurídico -Legislativa, do Edital da Lista Tríplice para Eleição do Gerente de Cultura do Guará, que não atendeu com plenitude todas as modificações solicitadas soberanamente pela Comissão eleitoral para a Eleição da Lista Tríplice. Assim sendo, não acatamos a retificação executada e já acionamos MPDFT e ao nosso Conselho de Cultura do Distrito Federal para que produzam um parecer sobre o tema que possa dirimir as dúvidas pertinentes ao tema. Informamos, por consequência, que não acatamos esse edital da forma que ele se encontra redigido e não procederemos às eleições da lista tríplice, nem as datas ali estabelecidas, até que as modificações solicitadas soberanamente pela Comissão eleitoral sejam acatadas em sua plenitude por essa Administração”, explica o presidente do Conselho de Cultura do Guará, o maestro Rênio Quintas.
Em nota, a Administração do Guará afrima que não mudou a regra porque não quis e é ela quem manda (leia a nota na íntegra abaixo). Não há nenhuma explicação para não ter acatado a mudança. A nota apenas afirma que o Conselho de Cultura do Distrito Federal não tem poder para regulamentar nada, não vai fazer nenhuma mudança e o edital está valendo. Simples assim.
Dificilmente as eleições vão acontecer no dia 8 de outubro
Leia a nota da Administração do Guará:
Em 11 de março de 2022, esta Administração Regional publicou a ORDEM DE SERVIÇO Nº 24, DE 08 DE MARÇO DE 2022, instituindo a Comissão Eleitoral para realização do processo da formação de lista tríplice de que trata o art. 9º, da Lei Complementar nº 934, de 17 de dezembro de 2017, com base na até então válida Resolução nº 01/2019, de 11 de junho de 2019.
Somente após inúmeras tentativas desta Administração Regional, tendo em vista passados mais de 5 meses do tempo decorrido desde a publicação da Comissão Eleitoral, que foi apresentado, no dia 19 de agosto do presente ano, pela mesma o Edital de Chamamento.
Em se tratando de competência do Administrador Regional, em conformidade com o art. 42, inciso XI e L do Regimento Interno desta RA, foi analisado pela área técnica em que fez modificações apenas de ordem formal do ato administrativo e em relação às datas para tornar viável o processamento do chamamento.
Ocorre bem lembrar que foi dada ciência a todas as RA’s do Parecer Jurídico PGCONS/PGDF nº 98/2022 – Procuradoria-Geral do Distrito Federal – PGDF a respeito da validade da regulamentação editada pelo CONSELHO DE CULTURA DO DISTRITO FEDERAL, qual seja a Resolução nº 01/2019, de 11 de junho de 2019, para disciplinar o processo de formação da lista tríplice. Na ocasião, a exímia Procuradoria indicou, com base no art. 82 da LC nº 934/17 que “a competência para regulamentar a lei, inclusive e especialmente a matéria referente à indicação e escolha do gerente de cultura, é do Senhor Governador do Distrito Federal, por meio de decreto e não do Conselho de Cultura, sendo inviável manter vigentes as regras por este estabelecidas, enquanto não publicado o regulamento pertinente”. Ademais, quanto à possibilidade de o Conselho de Cultura do Distrito Federal dispor sobre as regras referentes à indicação e atribuições do gerente de cultura, como tempo de exercício no cargo e eventuais substituições em caso de afastamento legal, verifica-se que não constam, no rol de atribuições do Conselho, as referidas competências, conforme art. 11 da LC.
Porém, a díspar do respectivo parecer, diante da urgência do assunto e a preocupação desta Regional com a comunidade cultural, esta Administração permaneceu com o procedimento da escolha da lista tríplice com base na Comissão Eleitoral e publicou, após as respectivas alterações de ordem meramente formais e não adentrando na matéria cultural, o Edital 01/2022.
Apenas após a publicação do mesmo que o Conselho Regional do Guará sugeriu alterações nas quais esta Administração atendeu a mudança de data da Assembleia, entendendo que o restante das sugestões acabaria por protelar a apresentação da lista tríplice a ser apresentada na forma da Lei Complementar. Resta esclarecer que conforme a mesma Lei Complementar, pelo art. 18 e seguindo o mesmo entendimento do Parecer acima mencionado, o CCDF possui competência consultiva como representante do segmento cultural no Guará, não vinculando o Administrador Público em seus atos e ações regimentais.
Dessa forma, esta Administração informa que permanece válido o Edital nº 01/2022 para todos os efeitos.