PPP SÓ DO ESTÁDIO

Diante da resistência do movimento cultural, que é contra a inclusão do teatro de arena no projeto, e dos idosos, contra a transferência do CCI de lugar, e de interferências do TCDF e do Ministério Público, o governo Ibaneis vai desistir de privatizar todo o Cave

Nem oito e nem oitenta. O Governo do Distrito Federal desistiu de privatizar todo o complexo do Cave e vai elaborar um novo projeto para cessão apenas do estádio à iniciativa privada e deixar de fora o ginásio coberto, o Clube de Vizinhança, o Centro de Convivência do Idoso, o teatro de arena, e as pistas de skate e de bicicross. A decisão deve ser oficializada nos próximos dias e foi tomada (por enquanto, extraoficialmente), diante da resistência do segmento cultural e da interferências do Tribunal de Contas do DF, que ainda não liberou o processo que analisa desde janeiro, e do Ministério Público, que sugere novas modificações que mutilariam parte do projeto e o tornaria inviável economicamente para os possíveis investidores.


A decisão atende principalmente o movimento cultural, que acionou o Ministério Público e o TCDF contra a inclusão do teatro de arena no pacote que seria privatizado, e do pessoal da terceira idade, que protesta contra a proposta de destruir a sede atual do Centro de Convivência do Idoso (CCI), onde seria construída uma praça de alimentação e serviços, e reconstruí-lo em outro local, na área da antiga Casa da Cultura, mais distante da via contorno e do acesso ao transporte público.
Com essa decisão, o governo quer apressar a solução para o estádio do Cave, parcialmente demolido há quase nove anos, quando o repasse do Ministério do Esporte para a reforma foi perdido no fim do orçamento anual da pasta, por causa de divergências entre a empreiteira que havia iniciado a obra e a Novacap em relação a dificuldades técnicas no terreno que não haviam sido previstas na licitação. Na época, o Ministério do Esporte havia aprovado o repasse de R$ 8,2 milhões para a reforma do estádio, que seriam completados com R$ 2,2 do orçamento do GDF. A empreiteira chegou a construir o gramado, nos mesmos padrões do gramado do estádio Mané Garrincha, e chegou a iniciar a construção dos vestiários e da parte administrativa, mas abandonou a obra ao discordar de parte das especificações técnicas e de não ser atendida no pedido de recálculo de reajuste em função dessas dificuldades. Como o imbróglio não foi resolvido até o fim da gestão do governo federal da época, o recurso prometido pelo Ministério do Esporte foi cancelado por não ter sido empenhado no mesmo período da destinação.
A solução encontrada pelo governo para a reconstrução do estádio viria da privatização de todo o complexo do Cave, incluindo outros equipamentos em más condições ou degradados, como o clube de unidade de vizinhança e o ginásio coberto. O projeto previa, além da reconstrução do estádio, a construção de um novo ginásio em outra área e a transformação da área do clube do CCI em uma praça de alimentação e de serviços, como compensação pelo investimento privado.

Licitação cancelada

Depois do projeto pronto e cumpridas todas as etapas legais, casos das audiências pública presencial e virtual, quando os moradores tiveram a oportunidade de apresentar sugestões e contestações, e da liberação dos órgãos de controle, Procuradoria Geral do DF e Tribunal de Contas, a Secretaria de Esporte e Lazer agendou a licitação para dia 29 de janeiro de 2022, quando seria escolhido o concessionário do espaço. Porém, duas semanas antes, o próprio TCDF recomendou a suspensão da licitação, depois de receber uma contestação do presidente do Conselho de Cultura do Guará, Rênio Quintas, protestando contra a inclusão do teatro de arena do projeto, por contrariar a Lei Orgânica da Cultura do DF, que, segundo ele, veda a demolição ou transferência de um espaço público cultural sem que o assunto seja discutido com o Conselho Cultural da região e antes que seja viabilizado outro espaço público com os mesmos objetivos. Ele argumentou também que a comunidade teria se manifestado contra a privatização na única audiência pública promovida pelo governo para discutir o assunto, em 2017.


Desde então, o Tribunal de Contas vem protelando a decisão sobre a liberação da PPP, argumentando que aguarda a análise interna dos seus técnicos sobre os argumentos do segmento cultural e dos órgãos do governo, o que provocou inclusive protesto do governador Ibaneis, que no início de outubro, assim que foi reeleito governador, acusou publicamente o órgão de atrasar essa e outras privatizações que o governo pretende lançar.
Na consulta que o Jornal do Guará fez sobre o andamento da análise do projeto, em setembro, o Tribunal de Contas do DF respondeu, em nota, que, “em relação ao andamento do Processo nº 22851/2019-e após a realização da sustentação oral no dia 1º de junho e do recebimento de ofícios e documentos adicionais encaminhados pelo Sr. Rênio Quintas, Presidente do Conselho Regional de Cultura do Guará (CRC – Guará).
Dada a relevância da matéria, no dia 15 de junho, o processo foi encaminhado ao Ministério Público junto ao TCDF (MPjTCDF) para análise e proposição de eventuais medidas pertinentes.
A manifestação do MPJTCDF foi juntada ao processo no dia 27 de julho. Na mesma data, o conselheiro relator deferiu requerimento do Presidente do CRC para o fornecimento de cópia integral dos autos.
Já no dia 14 de setembro, o conselheiro relator também autorizou o atendimento a uma requisição – para fornecimento de cópia integral dos autos – da 2ª Promotoria de Justiça Regional de Defesa dos Direitos Difusos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Posteriormente, no dia 26 de setembro, foi juntado ao processo, um ofício da Procura-Geral de Justiça do MPDFT encaminhando, ao TCDF, a cópia de manifestação constante de Notícia de Fato relacionada ao processo em trâmite na Corte de Contas. O documento e o respectivo processo estão em análise pelo corpo técnico do Tribunal. Tão logo seja concluída essa análise, o processo retornará para o gabinete do conselheiro relator para elaboração de relatório/voto e nova deliberação, seja monocrática, seja em plenário.
Vale destacar que o exame dos projetos de PPPs e Concessões é extremamente complexo, tendo em vista que são empreendimentos de grande vulto financeiro, de longa duração e que envolvem estudos, modelos e requisitos muito mais detalhados do que em uma licitação comum”, diz a nota.

Inviabilidade econômica para investidores

A decisão do governo de desistir de privatizar todo o complexo leva em consideração também o fato de que novas possíveis alterações sugeridas pelo Tribunal de Contas e Ministério Público pudessem inviabilizar economicamente o projeto aos olhos dos investidores, a ponto de não surgir candidatos à privatização. Ao deixar somente o estádio, o governo acredita que pode abrir o leque de interessados. Uma dessas alterações já sugeridas pelo TCDF foi a inclusão de uma cláusula de divisão dos lucros do concessionário com o Governo do Distrito Federal, mesmo que tenha ele feito todo o investimento de recuperação e reconstrução do complexo, principalmente do estádio. “A conta não fecha. Depois de ter que investir cerca de R$ 30 milhões na reconstrução do estádio, do ginásio coberto e de todas as instalações, o investidor ainda terá que repassar 40% do lucro ao governo, além do que estiver pagando pela outorga. Da forma como o primeiro edital ficou, dificilmente alguém vai se interessar pela concessão. Eu, por exemplo, não tenho o menor interesse dessa forma”, afirmou Luis Felipe Belmonte, até então o principal interessado na concessão do Cave, onde pretendia sediar seu clube de futebol masculino e feminino Real Brasília, em reportagem do Jornal do Guará de julho passado. O próprio Belmonte passa a ser o principal interessado na concessão somente do estádio, o que, segundo ele, não aconteceria com o restante do complexo nas condições em que o projeto estava sendo delineado após as alterações.
A decisão do governo de privatizar somente o estádio está sendo comemorada pelo presidente do Conselho de Cultura do Guará, Rênio Quintas, principal ator da mudança de rumo do projeto. “É uma grande vitória do movimento cultural, que encampou o protesto, e da comunidade guaraense, que não terá mais um espaço tão nobre, considerado o coração da cidade, entregue a especuladores ou vendido a preço vil”. Rênio garante que essa decisão elimina qualquer resistência do grupo contrário à privatização do Cave e abre espaço para o governo oferecer apenas o estádio. “A situação do estádio é diferente e a melhor solução realmente será entregar à iniciativa privada para reconstruí-lo e administrá-lo, de preferência com um time que o guaraense possa voltar a torcer depois da morte do Clube de Regatas Guará”, afirma.

 

Estádio aguarda solução desde 2016

A cidade do Guará deveria ter o segundo mais moderno estádio de futebol do Distrito Federal depois do Mané Garrincha. A primeira promessa é de 2013, quando o então secretário extraordinário da Copa no DF, Cláudio Monteiro, anunciou que seria construído um novo estádio no lugar do velho e ultrapassado Cave, para servir de treinamento às seleções que viriam jogar em Brasília pela Copa do Mundo de 2014. A obra custaria cerca de R$ 10 milhões, retirados do orçamento da construção do estádio Mané Garrincha. Ainda segundo o secretário, o novo estádio do Cave seria um apêndice do Mané para a realização de shows e jogos com previsão de público de até 5 mil pessoas. Mas, nada aconteceu. A segunda promessa, que se tornou em ação, veio no início do Governo Rollemberg, quando foi firmado um convênio com o Ministério do Esporte para a reforma do estádio, desta vez para servir de suporte às Olimpíadas do Rio de Janeiro, também como centro de treinamento para as seleções que viriam jogar em Brasília. Pelo convênio, o Ministério, através da Caixa Econômica Federal, repassaria cerca de R$ 8 milhões ao GDF, que arcaria com apenas 20% da obra, orçada em pouco mais de R$ 10 milhões.
Nove anos depois da primeira promessa, a cidade continua sem o novo estádio e, pior, sem o velho, que foi parcialmente demolido e continua com as obras paralisadas. O que foi feito e gasto está sendo perdido com a ação do tempo. O gramado, que chegou a ser implantado, era do nível do Mané Garrincha, com a mesma espécie de grama Bermudas Teflon e custou cerca de R$ 400 mil, mas, tomado por pragas e mato, praticamente não tem condições de ser reaproveitado, porque resta pouco da grama plantada. Está pronta também a estrutura dos vestiários e parte administrativa, que também corre o risco de ficar comprometida se não for aproveitada logo. A tribuna de imprensa foi destruída para ser uma nova, mas nada foi feito no local. Os banheiros também. O cenário é de completo abandono.
A situação fica pior porque o convênio com o Ministério do Esporte foi cancelado porque os recursos não foram utilizados dentro do prazo previsto no Orçamento da União. Como cerca de 80% do custo da obra viria do repasse federal, dificilmente o governo Ibaneis bancaria a obra com seus próprios recursos, principalmente numa época de pindaíba no orçamento do GDF, sem contar o desgaste na opinião pública com o anúncio de gasto num estádio enquanto a saúde e a segurança pública padecem de investimentos.
A única esperança da cidade ter de volta seu estádio é a privatização do Cave, que o governo pretende oficializar no início do próximo ano. A conclusão da reforma é uma das condições incluídas no edital que vai escolher o concessionário do complexo.