Movimento de mulheres ocupa antiga Casa da Cultura

Prédio está abandonado há 8 anos. Objetivo do grupo é oferecer assistência às mulheres vítimas de violência. Mas ocupação é clandestina e Administração Regional pediu a desocupação por falta de segurança das instalações

Fechado há 8 anos, desde quando a Casa da Cultura mudou-se para sua nova sede, em frente ao Teatro de Arena, o antigo prédio que abrigou o órgão por mais de 20 anos finalmente recebeu uma nova ocupação, embora não tenha sido iniciativa do governo. Desde a tarde de domingo, 23 de outubro, a casa é ocupada por um grupo de 30 mulheres, integrantes do Movimento Olga Benário, que oferece a apoio a vítimas de violência doméstica ou de preconceito. A do Guará é a 13ª ocupação do movimento em todo o país e a primeira no Distrito Federal.
A ocupação por enquanto é clandestina, porque não houve autorização do governo para a ocupação de um prédio público, mas o grupo aposta no apoio da comunidade para sensibilizar as autoridades a deixá-lo por lá, pelo menos enquanto não houver outra destinação para o imóvel – estava prevista a demolição da antiga casa para a construção da nova sede do Centro de Convivência do Idoso (CCI), que teria que mudar de lugar caso tivesse avançada a privatização do Cave.
Por enquanto, a preocupação do grupo é tornar o imóvel habitável depois de ter sido ocupado por moradores de rua durante um período e não ter recebido qualquer tipo de manutenção nesses 12 anos de abandonado pela Administração Regional do Guará. “Havia muita sujeira, tem muita goteira, mas estamos arrumando do jeito que dá, para que possamos oferecer o serviço de apoio às mulheres vítimas de violência”, explica a líder do movimento, Thaís Oliveira, 29 anos, nascida no Gama.
As 30 mulheres, de 19 a 29 anos, que participam do movimento no Distrito Federal, se revezam em três grupos de dez, sempre com um grupo de plantão na casa, para evitar que sejam surpreendidas com uma desocupação, e para estruturar a sede do movimento, com a ajuda de cinco homens, simpáticos à causa.
A casa do Guará recebeu o nome de Ieda Santos Delgado, estudante da UnB, militante comunista que desapareceu durante a Ditadura Militar, em 1964, aos 28 anos.

Ocupação de prédios abandonados

Thaís conta que o grupo vinha monitorando prédios públicos abandonados no DF desde quando o movimento foi trazido por ela para Brasília, em 2013, ao participar do movimento “Jornadas de Junho” no Rio de Janeiro, para onde tinha ido cursar Engenharia do Petróleo, até que descobriu o prédio abandonado que sediava a Casa da Cultura do Guará. “Este local é estratégico, porque é bem localizado, amplo e pode receber uma destinação social importante, ao oferecer um ambiente seguro para acolher mulheres em situação de vulnerabilidade e seus filhos”, diz. Ela explica que o Movimento Olga Benário oferece ajuda de psicólogos, advogados e assistentes sociais, todos voluntários, e caso haja necessidade, encaminha as vítimas para os órgãos do governo de proteção à mulher, como os programas Pro Vítima, da Secretaria de Justiça e Cidadania, Provid, da Secretaria de Segurança Pública, a Casa da Mulher Brasileira, em Ceilândia, a Casa Flor, em Taguatinga, e as duas Delegacias Especiais da Mulher, na Asa Norte e em Ceilândia.
No grupo de 30 mulheres, a maioria participa pela simpatia à causa, mas há também quem já sofreu algum tipo de violência, como é o caso de Thié Nui, 20 anos, que por ser do gênero binário – tem corpo de mulher mas se sente homem – sofre preconceito na família, na escola e nos ambientes que frequenta. “Por isso, resolvi me integrar ao movimento para ajudar quem sofre qualquer tipo de violência ou preconceito”, diz.
Enquanto prepara a casa para começar os atendimentos, o grupo se organiza em equipes, com coordenações específicas. A coordenação política ficou com a própria Thais, por ser a líder do movimento no DF, a de Estrutura e Limpeza com Thauany Pires, 27 anos, e a de Finanças é coordenada por Nathy Mendes, 19 anos, nascida em Planaltina.
O movimento no DF ficou conhecido por ter “renomeado” a ponte Costa e Silva há cinco anos com o nome de “Marielle Franco”, através de uma faixa estendida nas laterais da ponte e a mudança na placa de sinalização, logo retiradas pela fiscalização do governo.

Como se sustenta

Sem receber recursos públicos ou de Organizações Não Governamentais (ONGs), o Movimento Olga Benário sobrevive de doações da comunidade, de empresários simpáticos ao movimento, de políticos, mas, basicamente, do que produz para gerar renda, como a venda da Cartilha do Movimento de Mulheres Olga Benário, da produção de camisetas, rifas e festas. “Esperamos que o morador do Guará nos ajude a oferecer esse apoio. Qualquer tipo de doação é bem-vindo, que pode ser em dinheiro, móveis, eletrodomésticos, qualquer coisa que possa gerar recursos “, explica a coordenadora de Finanças, Nathy Mendes, 19 anos, que está no movimento há dois anos. As doações em dinheiro podem ser feitas através do pix df.movimentoolga@gmail.com.

O que diz o governo

Chefe do Núcleo do Programa Pró-Vítima do Guará (da Secretaria de Justiça e Cidadania), que oferece assistências às mulheres vítimas de violência doméstica, Suzete Trigueiro diz que a iniciativa das voluntárias é bem-vinda, “porque é mais um órgão de apoio, principalmente num momento é que a agressão às mulheres é cada vez maior. Embora venham a oferecer o mesmo que nós oferecemos, será mais uma instituição aliada à nossa causa”, diz.
Mas a iniciativa do movimento de criar uma casa de referência no Guará pode ser frustrada pela reação da Administração Regional, responsável pelo prédio da antiga da Casa da Cultura. O administrador regional, Roberto Nobre, alega falta de segurança para permitir a ocupação do espaço. “Assim que tomamos ciência da ocupação, acionamos os órgãos de segurança e fiscalização. O local apresenta riscos à vida, conforme aponta a Defesa Civil. As pessoas que ali estão correm sérios riscos e não possuem autorização da Administração Regional para permanecerem lá. O grupo foi orientado a desocupar o local pela Defesa Civil”, afirma.

Violência às mulheres é cada vez maior no Brasil

O Brasil é o 5º país do mundo em que mais assassina mulheres, acima apenas dos países muçulmanos, de acordo com dados do Ministério da Justiça. Só no último ano, uma em cada 4 mulheres foi vítima de violência no país. Durante a pandemia, 8 mulheres foram agredidas por minuto, a maioria por parceiros ou ex-parceiros. Em 2018 e 2019, uma média de 4 mulheres foram mortas por dia. A cada hora, 4 meninas menores de 13 anos são estupradas. Somente no primeiro semestre de 2022, 631 mulheres foram vítimas de feminicídio. A maior parte era de mulheres negras.
Segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a cada 3 horas uma mulher precisa de medida protetiva de urgência pois corre risco de morte ou à integridade física. Além disso, cresceu em 73% o número de abusos e estupros de vulneráveis.
O Brasil possui 5568 municípios e apenas 2,4% destes municípios contam com casas-abrigo e apenas 417 possuem delegacias especializadas em crimes contra as mulheres (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher – DEAM) e a maioria das delegacias não funciona no período noturno nem aos finais de semana. Além disso, nos últimos anos tem sido visto um sucateamento dessas poucas políticas existentes, cortes de verbas, promessas não cumpridas, extinção de secretarias municipais de mulheres, entre outros.

Como surgiu o Movimento Olga Benário

O movimento surgiu na 1ª Conferência Mundial de Mulheres de Base realizada em Caracas, na Venezuela, em março de 2011, criado por 21 mulheres de 8 estados brasileiros. Na conferência, elas assumiram a responsabilidade de organizar a Conferência de Mulheres das Américas, realizada em 2012 na cidade de São Bernardo do Campo (SP), que contou com representantes de Equador, Peru, Venezuela, Colômbia, Chile, Argentina e Uruguai. Em 2014, foi realizado o 1º Congresso Estadual, em Recife, com a presença de 300 mulheres e a eleição da nossa primeira coordenação nacional do movimento. Em 2016, o movimento promoveu a primeira ocupação de mulheres, a Casa de Referência para Mulher Tina Martins, em Belo Horizonte (MG). Também em 2016, nasceu em Porto Alegre (RS), a Casa de Referência da Mulher – Mulheres Mirabal. Em 2017, aconteceu a terceira ocupação, em Mauá (SP), dando origem a Casa de Referência para Mulher Helenira Preta.
A ocupação do Guará é a 13º do movimento em todo o país e a primeira do Centro Oeste.

Quem foi Olga Benário

Olga Benário (1908-1942) foi uma militante comunista alemã. Foi companheira de Luís Carlos Prestes e atuante no apoio à Intentona Comunista de 1935. Ela nasceu em Munique, na Alemanha. Filha de família judia, seu pai Leo Benário, era um dos juristas mais respeitados da Baviera. Sua mãe Eugénie Gutmann Benario, era uma elegante dama da sociedade e via com horror a perspectiva da sua filha se tornar comunista. Porém, quando completou 15 anos, a Juventude Comunista foi proibida pela polícia e ela entrou na clandestinidade.
Seus militantes – adolescentes de no máximo 18 anos, resolveram criar o Grupo Schwabing, que se reunia uma vez por semana numa velha serraria no subúrbio da capital da Baviera. Olga entrou para o grupo, acreditando que tinha a solução para a situação econômica que decompunha o país desde o final da Primeira Guerra.
Olga Benário tornou-se uma revolucionária e lutava para ver o fim das desigualdades e das injustiças sociais. Quanto mais lia os clássicos marxistas e militava no Schwabing, mais firme tornava-se sua decisão de ir para Berlim, o centro das agitações políticas.
Em 1926, foi para Berlim continuar sua militância a favor do comunismo. Poucos meses após chegar a Berlim, ela já era a secretária de Agitação e Propaganda do PC alemão. Durante o dia, reuniões, passeatas e atividades de rua. À noite, assembleias no fundo de um velho prédio onde funcionava a cervejaria Müller.
Foi presa em 1926 junto com seu companheiro Otto Brum. Solta lodo depois, fugiu para Moscou e passou a participar ativamente do Partido Comunista.

Olga Benário e Carlos Prestes

Ao tomar um chá com um grupo de oficiais do Partido, Olga fica sabendo da chegada do brasileiro Luís Carlos Prestes, que desde 1931 estava residindo na União Soviética, depois da aventura revolucionária na América do Sul. Em 1934, Prestes foi eleito membro da comissão executiva da Internacional Comunista e encarregado de voltar ao Brasil e liderar o levante para instalar uma ditadura socialista no país.
Olga Benário foi destacada para fazer parte do grupo de estrangeiros que iria acompanhar Carlos Prestes em seu retorno ao Brasil. Depois de uma longa viagem, Olga e Prestes chegaram ao Brasil em 1935, mantendo-se na clandestinidade.
Em novembro de 1935, uma revolta armada insurgiu na cidade de Natal (RN) e deveria ser estendida por todo o país, mas apenas as unidades do Recife e do Rio de Janeiro se levantaram contra o governo de Getúlio Vargas, que estava preparado para esmagá-la. A intentona fracassou e todos os organizadores, entre eles, Olga Benário e Carlos Prestes foram presos. Olga Benário, grávida, foi deportada para a Alemanha nazista e entregue a Gestapo.
Olga foi levada para um campo de concentração, onde nasceu sua filha Anita Leocádia Prestes, que depois de várias campanhas, foi entregue a sua avó paterna, D. Leocádia. Em 1942, foi enviada para o campo de concentração de Bernburg (Alemanha), onde foi executada na câmara de gás.