Animais não poderão mais ser usados em carroças no DF

Multa por desrespeito pode chegar a R$ 10 milhões. Região do Guará será uma das mais afetadas pela decisão, mas tem alternativa de usar veículos elétrico no lugar de animais

Seis anos após a aprovação da lei e três anos após a sua regulamentação, finalmente o governo terá que proibir a circulação de carroças e veículos de tração animal nas ruas do Distrito Federal a partir do final de dezembro agora. A Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal determinou, no dia 21 de outubro, o cumprimento da Lei 5.756 (2016), sob pena de aplicação de multa de R$ 10 mil a R$ 10 milhões ao GDF e responsabilidade civil e penal a seus dirigentes que não tomarem as providências para o cumprimento da proibição.
A decisão da Justiça inclui o recolhimento e alocação dos animais apreendidos aos santuários, ou seja, que sejam levados para locais onde não sofram maus tratos e não sejam submetidos a trabalhos forçados. E determinou ao governo que promova o desenvolvimento de políticas públicas para formação e qualificação dos trabalhadores interessados, ou seja, os carroceiros que queiram se qualificar para buscar outras atividades no mercado de trabalho.
A Região do Guará, por ser uma das únicas que toleram a circulação de carroças em vias públicas no DF, será uma das mais afetadas com a medida, mas, por outro lado, a construção de dois papa-entulhos na cidade e a introdução dos veículos motorizados, conhecidos como tuk-tuck, a partir de julho de 2022, passa a ser uma solução para os trabalhadores que vivem desse tipo de serviço e para os moradores que precisam contratar o recolhimento de entulho.
A decisão da Justiça foi provocada por manifestações de organizações de defesa dos animais, que reclamam da acomodação do governo em fazer cumprir a lei no Distrito Federal.

GDF garante que está tomando providências

Em resposta à deter-minação da Justiça, a Procuradoria-Geral do Distri-to Federal (PGDF) informa aque “o Governo do Distrito Federal tem trabalhado na proteção dos animais, e que a fiscalização do cumprimento da lei é feita por vários órgãos do GDF, incluindo o Detran [Departamento de Trânsito], que participou de algumas ações [desse tipo] na Asa Norte e em Planaltina”. A PGDF destacou que as ações têm caráter educativo, para informar aos carroceiros sobre a proibição da circulação, antes de envolver o recolhimento dos veículos. “A coibição e fiscalização de maus-tratos a animais compete ao Brasília Ambiental (Ibram). [Até o momento,] três foram recolhidos para o curral de Apreensão da Secretaria da Agricultura (Seagri)”, completa a nota da Procuradoria-Geral e acrescenta que “a qualificação dos condutores de veículos de tração animal (VTAs) compete à Secretaria do Trabalho (Setrab)”.

Solução começa pelo Guará
Projeto que começou pelo Guará vai trocar os animais por veículos elétricos no recohimento de entulho
9856-9741
9842-7975
R$ 30/por viagem curta

 

Por ser uma das regiões do DF que mais dependem do uso de carroças de tração animal, Guará recebeu em julho passado um projeto piloto que será estendido a todo o Distrito Federal. Com a inauguração do segundo papa-entulho, ou Ponto de Entrega Voluntária (PEV), na via contorno, ao lado da QE 36 – já existia um, ao lado do Salão de Múltiplas Funções do Cave – começaram a circular cinco veículos elétricos, de pequeno porte, que passaram a substituir as carroças e, consequentemente os animais, no recolhimento do entulho, móveis e outros inservíveis não orgânicos. A substituição também não desemprega os antigos carroceiros, que são habilitados para dirigir os veículos em troca de um salário e mais comissão pelo pagamento do serviço por parte dos moradores.
O projeto é uma parceria entre a cooperativa de reciclagem Cooperlimpo e o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) para o recolhimento de restos de poda e jardinagem, móveis e eletrodomésticos antigos e outros materiais descartados que não podem ser levados pelo caminhão de coleta regular do lixo orgânico. Os moradores podem contratar o serviço porta-a-porta direto da cooperativa, que utilizará os veículos elétricos, mediante o pagamento de R$ 30 por “viagem”. O projeto está em avaliação até dezembro agora e, se aprovado, será implantado em outras regiões do DF onde ainda é permitida a circulação de carroças.
Foram adquiridos incialmente cinco veículos elétricos, sendo três deles para cargas até 300kg (que já chegaram), e outros dois para cargas maiores, de até 600kg (que serão entregues ainda este mês), por R$ 300 mil, recursos destinados através de emenda parlamentar do deputado distrital guaraense Rodrigo Delmasso. Os veículos têm autonomia de até 75 km, e andam a uma velocidade de até 35 km/h. Os veículos ficam guardados e passarão por manutenção no próprio PEV.
Nessa primeira fase, o projeto emprega dez ex-carroceiros – um gestor, cinco operadores de veículos e quatro operadores do PEV -, que recebem uma bolsa de R$ 1,9 mil por mês, além do lucro da comercialização dos recicláveis e do frete que é dividido com os cooperados. A seleção dos participantes é feita pela cooperativa Cooperlimpo, através de chamamento público, em parceria com as associações dos carroceiros e com intermediação do SLU.

 

Carroças proibidas desde 2016

Ganha-pão de milhares de trabalhadores informais, mas, ao mesmo tempo responsáveis pela sujeira de áreas públicas, principalmente no Guará, as carroças, pelo menos as conduzidas por animais, já deveriam ter desaparecido das ruas há pelo menos três, quando foi publicado o Decreto nº 40.336 de 23, de dezembro de 2019, que regulamenta a Lei das Carroças, proíbe a circulação de veículos de tração animal em áreas urbanas, e proíbe também a permanência de animais (equinos, caprinos, bovinos e ovinos) amarrados em vias públicas.
Aprovada em 2016, a lei estipulava dois anos para sua entrada em vigor, ou seja, janeiro de 2018, mas repassava ao governo a missão de providenciar a regulamentação e as medidas de apoio aos profissionais que dependiam da atividade. Deliberadamente ou não, o governo foi adiando as providências até que a Vara do Meio Ambiente da Justiça do DF estipulou o limite em 20 de dezembro de 2020, mas até hoje a lei não foi implementada.
A ação para exigir o cumprimento da lei foi ajuizada pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal. Na decisão, o juiz destacou que o prazo para legislação começar a valer “escoou há muito tempo”. “[…] de lá para cá, a Administração dispôs de tempo mais que suficiente para empreender as providências determinadas pelo legislador. Se não o fez, deve arcar com as consequências jurídicas de sua omissão.”
Para os autores da ação, a ordem para o GDF regulamentar a lei “representa um avanço na proteção desses animais”. Além da proibição das carroças, explica a advogada do fórum, Ana Paula de Vasconcelos, é importante que o governo elabore um plano alternativo para inserção de carroceiros no mercado formal de trabalho. “Não é só trocar a força animal pela humana, mas uma ação social maior, de organizar o trabalho dos carroceiros. E a gente espera que o governo viabilize também o acolhimento dos animais.”
A lei, aprovada pela Câmara Legislativa e sancionada pelo ex-governador Rodrigo Rollemberg, seguiu recomendação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que solicitou ao GDF ações para retirar todos os veículos de tração animal de áreas urbanas do DF. E também criou o Fundo de Amparo aos Animais de Tração (FAAT), destinado à melhoria do bem estar dos animais recolhidos, inclusive daqueles não utilizados para tração, e estabelece que o GDF deverá desenvolver políticas públicas para a formação e a qualificação de trabalhadores que desejem migrar do uso de carroças para a coleta seletiva de lixo por meio de outros meios de transporte ou outras atividades.

Guará, a região mais afetada

No Guará, as carroças ainda circulam livremente em todas as vias e são apontadas como as principais responsáveis pelo acúmulo de entulho e lixo em volta da cidade. Guará é, aliás, uma das poucas cidades que ainda permitem a circulação de carroças na parte urbana, o que acaba provocando também riscos de acidentes de trânsito.
As carroças no Guará são símbolo da inércia do governo. A sua circulação já era proibida, por lei de trânsito, em vias de grande tráfego de veículos, como a avenida contorno do Guará II e a via central. Ainda assim, os carroceiros desfilam livremente pela cidade sem ser incomodados pela fiscalização. Ao coletarem restos de poda, jardinagem, construção ou lixo, acabam despejando tudo no local mais próximo. A própria Administração Regional ajudou na construção de um curral público, próximo à QE 36, há cerca de dez anos, depois o transferiu para a área atrás da QE 38, e tentou ainda medidas paliativas, como emplacamento, vacinação e cadastramento dos carroceiros. Nenhuma das medidas surtiu efeito.