Barulho incomoda vizinhos

Jovens reunidos na calçada em frente de casa são tormento para idosa adoentada no Guará

Deusa Carvalho Ramos, filha de dona Maria, mostra a aglomeração de jovens em frente à casa da mãe, em uma sexta-feira à noite

Há milhões de brasileiros preparando, diariamente, a receita de uma boa noite de sono. Uma pesquisa feita por cientistas da USP e Unifesp, publicada no ano passado, revela que 65,5% dos brasileiros relatam problemas relacionados à qualidade do sono. Para dormir bem, há algumas dicas: praticar esportes, organizar alguma forma de higiene do sono (se afastar de telas e focar em uma leitura leve, por exemplo) ou até mesmo recorrer às variadas medicações, sempre seguindo a orientação médica. Uma coisa é certa: o ingrediente principal e consenso em todas as receitas de um sono reparador continua sendo um lugar silencioso, calmo e seguro para se repousar. É essa a dificuldade — e drama — que alguns moradores do Guará têm enfrentado. Ter uma noite de repouso e sono reparador é importante para todos, mas, especialmente, para o caso da idosa Maria das Dores Silva, de 77 anos, que é moradora da QI 8 do Guará I há 25 anos.
Cadeirante devido à poliomielite e se recuperando de um quadro grave de tuberculose – que a fez ficar internada quatro vezes na UTI desde julho de 2022 –Maria mora na QI 8 há mais de duas décadas e garante que cultiva sempre uma política de boa vizinhança, sendo avessa a conflitos com moradores e comerciantes locais. No entanto, a diplomacia na vizinhança se tornou mais desafiadora quando Maria teve alta do hospital e voltou para a casa, no início de fevereiro, e a família começou a encontrar dificuldades em garantir as principais orientações dos médicos para o sucesso na recuperação: repousar e evitar estresse. Isso porque a casa em que mora fica ao lado de uma igreja que tem, literalmente, tirado o sono, não só dela, mas de outros moradores que residem próximo ao espaço religioso. É esse o caso dos que residem na QI 8 do Guará I, onde funciona, desde 2018, o Ministério Caçadores de Deus, igreja bastante frequentada por jovens e que une religião com a prática de lutas e esportes, uma vertente chamada de Fight Church.

“Minha mãe precisa dormir. O fato dela estar na cadeira de rodas não significa que não se cansa”, diz o filho Randall Carvalho Ramos, ao acrescentar que a mãe toma 15 comprimidos por dia no tratamento contra a tuberculose
Barulho pós-cultos

Para a família, os cultos nunca foram ou são um problema, mas sim as reuniões e aglomerações de jovens fiéis que continuam ocorrendo após o término dos cultos, literalmente na frente da casa da família, que é vizinha da igreja. Os frequentadores da igreja, em especial os jovens e adolescentes, se reúnem no estacionamento em frente à casa para conversar e praticar gritos de guerra – o principal incômodo dos moradores. A situação tem preocupado amigos, vizinhos e principalmente os familiares de Maria, que acompanham sua saúde com atenção.
A economista Deusa Carvalho Ramos, filha da idosa, diz que não há nenhuma restrição da família quanto aos cultos, mas que percebe excessos por parte da igreja: “Eles fazem o culto, à noite, quase todos os dias da semana e, quando acaba, eles fazem algazarra aqui na porta”, conta. Irmão de Deusa e filho de dona Maria, o avaliador de veículos Randall Carvalho Ramos mora com a mãe para ajudar nos cuidados. “Eu acho legal a proposta de tirar os jovens das ruas, mas precisa trazer para a porta da minha casa para fazer barulho?”, pergunta.
”São uns 50 jovens, falam alto, exclamam gritos de guerra. O local – e horário – não está adequado para esse volume maior de frequentadores”, diz Deusa. “A gente já tentou conversar com eles sobre esse evento de carnaval, explicando que minha mãe não está bem e eles disseram que, infelizmente, não têm como conter os jovens, que são tirados das ruas pela atividade filantrópica”. No entanto, com a montagem de quiosques de lanches no local, o caráter estritamente filantrópico dos eventos também pode ser questionado, já que pode envolver um lucro financeiro e status comercial aos eventos.
“Minha mãe gosta de morar aqui nessa rua justamente por causa do movimento. Ela escolheu morar aqui por causa disso: participa da festa junina e engaja com os movimentos da vizinhança, mas isso tem tomado dimensões fora do controle”, relata a filha da idosa. “Acho que a Administração Regional poderia escolher um local melhor para a igreja atuar com os eventos”, insiste. “Não há nada contra o culto deles,.esse movimento [de resgatar jovens das drogas] deles tem que acontecer mesmo e devem ser incentivados, mas há uma falta de sensatez da Administração e da organização”, acrescenta. “É uma rua muito estreita, com muita circulação de carros e, além dos comércios, há domicílios. O movimento é constante, frequente e excessivo, o que, pela legislação, já presume uma ação de danos morais e danos patrimoniais. É uma desconsideração, visto que todos na rua conhecem a minha mãe e sabem da situação de saúde dela”, desabafa a filha.

Igreja não responde

A reportagem do Jornal do Guará buscou, de maneira insistente, várias tentativas de falar com os responsáveis pelo Ministério Caçadores de Deus que, embora tenham visualizado as mensagens enviadas pelo repórter, não responderam aos questionamentos, não aceitaram gravar entrevista ou atenderam as ligações telefônicas. Segundo a Administração do Guará, a igreja já obteve uma autorização renovável para realizar eventos e gincanas na quadra da QI 8/10, conhecida por sempre receber eventos musicais e culturais ao longo da história do Guará, ali em frente ao conjunto D, porém, não há nenhuma autorização registrada para a realização de eventos onde, atualmente, andam ocorrendo os encontros dos jovens fiéis: no estacionamento do CEF 01 do Guará, na frente do Ministério Caçadores de Deus. Além disso, a medida determina o horário de 08h às 18h para os eventos, sendo que os encontros de fiéis, em frente às residências, se estendem até o final da noite.