PPP DO CAVE – Teatro de Arena é o ponto de discórdia entre governo e movimento cultural

Espaço continua no projeto da concessão, mas segmento não se conforma em perdê-lo, mesmo com algumas compensações

Se depender da vontade do governo, a concessão do Complexo do Cave à iniciativa privada, a chamada PPP (parceria público-privada), não tem mais volta e deve ser concluída ainda este ano. Depois de adiada em mais um ano – a primeira licitação deveria ser aberta em 29 de janeiro de 2022, mas foi adiada por recomendação do Tribunal de Contas do Distrito Federal depois de receber contestação do Conselho de Cultura do Guará – a privatização, que o governo prefere chamar apenas de “parceria” ou “concessão”, está quase pronta para ser novamente licitada. Depois que o processo foi liberado pelo TCDF após mais de um ano de análise pelos conselheiros, a Secretaria de Projetos Especiais (Sepe) providencia os últimos ajustes no projeto com as alterações propostas pelo tribunal, para ser encaminhado à Secretaria de Esporte e Lazer, que será a responsável pelo lançamento do novo edital.

PPP DO CAVE
Mas a determinação do governo pode esbarrar numa pedra no caminho, aliás, a segunda, depois da suspenção da primeira licitação que iria escolher os concessionários do complexo. O mesmo Conselho de Cultura do Guará bate o pé e protesta contra a inclusão do Teatro de Arena no projeto da concessão, por entender que ele é um equipamento cultural público e, de acordo com o Artigo 250 da Lei Orgânica do Distrito Federal e a Lei Orgânica da Cultura do DF, somente pode ser extinto ou privatizado se for providenciado outro no mínimo do mesmo tamanho e para atender a mesma comunidade. O governo, por seu lado, entende que não está descumprindo a lei, porque o Teatro de Arena não está sendo extinto e que, na contrapartida da concessão, estão sendo oferecidas três datas mensais gratuitas para a realização de eventos da comunidade, ou 36 datas anuais, sem pagamento de taxa de ocupação. Mas, o movimento cultural desconfia também que o governo está usando de outro artifício para driblar a lei. “Na ata da audiência pública promovida pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) em abril, o Teatro de Arena está sendo classificado como “equipamento esportivo” e não “cultural”, o que, desta forma, não o enquadraria na lei e facilitaria a sua privatização. Em nenhum lugar do mundo teatro de arena é destinado ao esporte”, protesta o presidente do Conselho de Cultura do Guará, Rênio Quintas.
Por outro lado, a audiência pública promovida pela Seduh para regularizar os lotes ocupados no Cave por órgãos públicos e instituições, atendeu a uma sugestão do movimento cultural, que reclamava da inclusão da Casa da Cultura e do próprio Teatro de Arena em um único lote, o que, de acordo com a opinião do movimento, facilitaria a inclusão dos dois equipamentos na concessão. Questionada pelo Jornal do Guará, a Secretaria de Habitação respondeu que, “após a audiência pública, a equipe da Seduh decidiu fazer alterações no Projeto de Lei Complementar (PLC) do Cave. Atendendo à solicitação dos representantes culturais do Guará, a área foi subdividida em 4 lotes: um deles abrange o Ginásio, outro a Casa da Cultura, outro o Circuito de Bicicross e outro engloba a área das quadras de esportes”. Ainda de acordo com a nota, “a equipe da Seduh avaliou as sugestões apresentadas pela população, fazendo os ajustes técnicos necessários na proposta. Em seguida, o texto será debatido no Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan). Caso seja aprovado, então o PLC será encaminhado para a análise dos deputados da Câmara Legislativa”. Entretanto, a resposta não menciona o Teatro de Arena, o que aumenta o temor do movimento cultural em perdê-lo para a concessão.

Reunião tira dúvidas

Para dirimir as dúvidas em relação ao projeto, principalmente as levantadas pelo movimento cultural, o administrador regional do Guará, Artur Nogueira, agendou uma reunião com o secretário de Projetos Especiais, Roberto Aguiar, o subsecretário de Estruturação e Gestão de Projetos, da Secretaria de Projetos Especiais, Danilo Moura, o representante do movimento cultural do Guará, Miguel Edgard Alves, acompanhada pela reportagem do Jornal do Guará, na sexta-feira passada,19 de junho, no gabinete do secretário,, no anexo do Palácio do Buriti. Durante o encontro, o secretário Roberto Aguiar reafirmou a disposição do governo em continuar o processo de concessão do Cave a partir do projeto original, mas atendendo as recomendações do Tribunal de Contas.
“Tenho ouvido críticas de setores da comunidade pelo fato do governo não investir na recuperação do Cave em vez de promover a concessão à iniciativa privada. A questão não é essa, porque o governo até teria recursos para a reforma, mas o problema maior é a manutenção. O governo, principalmente a Administração Regional, não teria estrutura para manter um espaço daquele tamanho em condições de uso. Sem manutenção adequada, qualquer reforma iria ser inócua em pouco tempo, por causa da deterioração dos equipamentos”, afirma o secretário Roberto Aguiar. “A Administração Regional do Guará tem dificuldades de manter o restante da cidade, porque tem uma estrutura pequena, de pessoal e equipamentos, imagine ter que cuidar de todo o Cave”, completa o administrador regional Artur Nogueira.
“A concessão de espaços e equipamentos públicos é uma tendência proveitosa em todo o país, porque, além de uma manutenção adequada, os concessionários possuem expertise e recursos para promover novas melhorias, como tem acontecido em aeroportos, estádios, estradas, centros de convenções, que foram concedidos à iniciativa privada”, explica o secretário de Projetos Especiais. Em relação às críticas de que o governo está transferindo um bem público à iniciativa privada, Roberto Aguiar argumenta que concessão não é privatização, “porque ela tem um prazo de validade e o governo não transfere a posse daquele bem de forma definitiva”. Ele lembra, inclusive, que a concessão por tempo determinado é o modelo que a própria Terracap tem utilizado em suas últimas licitações de terrenos comerciais, como aconteceu com o lote ocupado pela A Casa Brasileira no centro do Guará II.
Em relação à preocupação do movimento cultural em perder o Teatro de Arena, o subsecretário de Estruturação e Gestão de Projetos, da Secretaria de Projetos Especiais, Danilo Moura explica que o governo vai propor nas alterações previstas para a licitação a destinação de três dias por semana do espaço para uso da comunidade, ou, 36 dias por ano. “Além de não perder o espaço como imagina ou reclama, o movimento cultural vai usufruir de um teatro revitalizado pelo concessionário, em condições certamente bem melhores do que as atuais”, afirma.

“Há anos falo sobre a possibilidade de parcerias privadas para alguns espaços públicos do Guará. É muito melhor do que ficarem abandonados e sendo “vítimas” da burocracia ou morosidade do Estado. Sempre acreditei que o Estado não tem que ser dono de estádio de futebol, ginásio de esportes, supermercado, entre outras coisas. Na PPP do Cave, há uma enorme polêmica que envolve o Teatro de Arena. Se for para ficar do jeito que o espaço se encontra hoje é melhor colocar na mão de quem vai movimentar. O Teatro de Arena do Guará é um dos espaços mais lindos do DF e merece ter uma agenda mais ativa. São pouquíssimas as agendas culturais realizadas. Se há uma proposta que confirme a PPP e também que coloca alguns dias por mês a agenda do espaço para que a comunidade possa realizar eventos, porque não fazê-lo? O que não podemos deixar é que, por um capricho sentimental ou ideológico, o Teatro de Arena continue sendo desprestigiado. Realmente, não merece!”
Luciano Lima, historiador,
jornalista e radialista
Movimento acha pouco

Representante do movimento na reunião, o promotor cultural Miguel Edgar Alves argumentou que mesmo o aumento para três por dia por mês pode não ser suficiente. “A cidade está perdendo seus espaços para a realização de grandes eventos ao ar livre, porque estão todos as grandes áreas sendo vendidos à iniciativa privada. No caso das festas juninas, que são realizados em até quatro dias, necessitamos de pelo menos mais três ou quatro dias para a preparação. E o Teatro de Arena vai passar a ser praticamente o único espaço na cidade para esses eventos”, avalia.

 

Rênio não se conforma e promove movimento contra

Para o presidente do Conselho de Cultura do Guará, incluir o Teatro de Arena na PP do Cave é inegociável para o movimento cultural. “O teatro é um ícone da cultura e da cidade. É o maior do gênero na América Latina, tem um DNA e não pode simplesmente ser transformado num ringue de patinação, numa arena para cavalgada ou num rodeio. Nada, que não seja cultura”, critica.


Ele não acredita que, se transferido à inciativa privada, o teatro não tenha suas características alteradas. “EssA sede em incluir o teatro na PPP não é atoa. Claro que há interesses comerciais em transformá-lo numa fonte de renda importante para o concessionário”, acrescenta. Nem a proposta de ceder três dias por mês gratuitamente à comunidade conforta o presidente do Conselho. “O que eles vão fazer com os restantes 27 dias?”, pergunta.
Para tentar sensibilizar a comunidade guaraense como um todo e não apenas o segmento cultural, Rênio está promovendo o que ele chama de “levante pelo Teatro de Arena”, que consiste na circulação de um carro som pelas ruas da cidade alertando para a privatização do espaço, abaixo-assinado e eventos culturais em frente à Casa da Cultura e o próprio teatro, como aconteceu nesta quarta-feira, 24 de maio.
“Não vamos desistir do Teatro de Arena e vamos às últimas consequências, com o apoio principalmente do Ministério Público. Ele é do povo, é nosso, é do Guará”, diz ele, em tom inflamado.

 

CCI pode ir para um lugar mais adequado

Outra resistência à PPP do Cave parte do movimento da terceira idade, formado pelo grupos que se reúnem e promovem os tradicionais bailes no Centro de Convivência do Idoso (CCI), que no projeto da concessão será demolido para dar lugar a um centro de comércio e lazer que vai ocupar também o ginásio coberto, que será reconstruído em outro local, e o Clube de Vizinhança.
De acordo com o projeto da PPP, o CCI seria reconstruído onde ficou o antigo prédio da Casa da Cultura, em frente ao Kartódromo do Guará. A reclamação das lideranças dos idosos é que o local é afastado da via contorno, onde passam os ônibus, e da estação do metrô, o que dificultaria o acesso desse pessoal ao novo espaço, além da falta de segurança, principalmente à noite, por causa da falta de movimento de pedestres no perímetro de cerca de 500 metros.
Mas essa resistência pode ser resolvida se a Secretaria de Projetos Especiais aceitar a sugestão apresentada pelo administrador regional Artur Nogueira durante a reunião no Palácio do Buriti na semana passada. “Sugerimos a construção do novo CCI ao lado da Casa da Cultura, em frente à via contorno e à pista de bicicross. Lá há espaço suficiente”, garante. A proposta foi bem recebida pelo secretário Roberto Aguiar, que prometeu incluí-la nas alterações do projeto.
“É importante ficar claro que a atual sede do CCI somente será demolida depois que a nova estiver pronta e em condições de funcionamento. Essa é a condição aos concessionários”, afirma o secretário de Projetos Especiais, Roberto Andrade. Segundo ele, o novo prédio do CCI terá que ser construído pelo concessionário como contrapartida e com instalações mais modernas e funcionais do que o prédio atual.