O avanço da ocupação das áreas públicas, previstas no Plano Diretor da cidade, vai afetar no futuro a realização dos grandes eventos em áreas abertas, como as duas festas juninas – o São João e o Grande São João do Guará – e a Via Sacra. As áreas que ainda restam já foram licitadas ou serão licitadas nos próximos meses pela Terracap, dona dos terrenos.
O Centro Comunal I, onde está a 4ª Delegacia de Polícia, por exemplo, onde é realizado o Grande São João do Guará e onde aportam circos mambembes, está sendo ocupado por um complexo ligado à Casa Brasileira, que adquiriu recentemente da Terracap outra parte do terreno em volta de sua loja, onde serão erguidos mais prédios comerciais ou para ampliação do seu estacionamento. Os dois lotes que restam estão previstos para serem licitados ainda este ano.
No Centro Comunal II, ao lado do edifício Consei, que até o início deste ano era a maior área pública livre do Guará, a situação piora para os organizadores dos grandes eventos. Os investidores que adquiriram os terrenos há dois anos em licitação da Terracap começam a ocupá-los, como está acontecendo com a construção de um edifício comercial pela Rede Baracat, em frente à QE 19. Os outros quatro terrenos vão receber um hospital do grupo Anchieta, uma lanchonete do MCDonald´s, um supermercado da rede Vitália (do grupo Veneza). O que restar será ocupado por estacionamentos.
Vão restar de opções para os grandes eventos apenas a Praça da Moda, no Polo de Moda, ao lado via contorno do Guará II, que se transformou numa praça de alimentação ocupada por 12 quiosques irregulares, e o Teatro de Arena, que deverá ser incluído na PPP do Cave, embora não vá deixar de existir – no projeto da concessão está incluída a obrigatoriedade de cessão de até três dias no mês para eventos da comunidade. Outra opção seria o terreno entre a Unidade Básica de Saúde 2 e a cozinha industrial do Sesi, que, entretanto, já está cercado para a construção do Hospital Geral Ortopédico do Guará.
Pronto, acabou! Não vai restar nenhuma outra área que comporte esses grandes eventos com públicos de até 10 mil pessoas por dia no Guará, como são as duas grandes festas juninas, ou shows populares.
Organizadores protestam
A perspectiva de não sobrar espaço para os eventos abertos no Guará está preocupando os organizadores, e até os moradores, porque o adensamento vai tirar parte das áreas verdes e expulsar as opções de lazer tradicionais. “O governo está mais preocupado em faturar com a venda dos terrenos do que com o bem estar da comunidade. Não somos contra a oferta de mais moradias, até porque elas estavam previstas, mas poderiam reservar algumas áreas para circulação e realização de eventos”, reclama Mayara Franco, uma das organizadoras do São João do Guará, que pode ser realizado pela última vez no Centro Comunal II, onde aconteceu por oito anos, com intervalo de três anos da pandemia. “E não sabemos ainda para onde vamos”, completa.
“Guará corre o risco de se transformar em uma nova Águas Claras, onde quase não há mais área verde e o adensamento sufoca os moradores. Estão desfigurando a cidade com a ocupação das grandes áreas verdes que restam. As crianças estão sendo criadas como gado, confinada nos apartamentos”, dispara Joel Alves Rodrigues, um dos organizadores do São João do Guará junto com Mayara Franco e Tâmara Mansur. Ele lembra que resta, por enquanto, o Complexo do Cave, que está previsto para ser privatizado.
Coordenadora da Via Sacra do Guará, Ana Paula Berté, a Naninha, faz coro ao grupo dos promotores descontentes com retirada das últimas áreas verdes do Guará. “Estamos nos empurrando para onde não sabemos para onde ir. No caso da Via Sacra, ela tem que sair da Paróquia Maria Imaculada e precisa cumprir as 14 estações previstas. Por enquanto, estamos indo para o terreno ao lado do condomínio Sargento Wolf, mas temos informações de que ele foi ou será vendido”. Ela lembra que a única possibilidade que vai restar é fazer o percurso entre as QEs 15 e 17, no sentido via contorno, o que exigirá um esforço de logística maior do que o atual. “A Via Sacra do Guará, mesmo sendo uma das mais importantes do Distrito Federal, não recebe qualquer apoio do governo e agora corre o risco de não ter mais onde fazer o percurso”, lamenta.
Para o organizador do Grande São João do Guará, que acontece nos próximas dias 8 a 11 de junho, Miguel Edgard Alves, não há motivos para o governo vender todas as áreas públicas do Guará. “A cidade está se transformando numa selva de pedra, como aconteceu com Águas Claras. O morador precisa respirar, ter espaço para circular e apreciar grandes eventos”. Segundo ele, pior ainda é que essas públicas estão sendo cedidas, e não vendidas, a pessoas que não tem história e nem compromisso com a cidade, como está acontecendo com os terrenos cedidos ao grupo A Casa Brasileira.