Um’A Pilastra para a arte se apoiar

Mais que uma galeria de arte, A Pilastra é um ecossistema de arte no Guará para apoiar artistas independentes, principalmente aqueles identificados como dissidentes com exposições, consultorias, mostras, acompanhamento de carreira, produção audiovisual e oficinas

Por Vinícius Neves

A Pilastra começou em um apartamento no Setor de Oficinas do Guará II. Lá, o espaço era um local multifuncional: já foi estúdio de tatuagem, estúdio de gravação, de fotografia, de filmagem e os quartos do apartamento eram ateliês de artistas e a cozinha servia como cafeteria. Porém, o espaço físico tornou-se inviável com o decretamento oficial da pandemia de Covid-19. “Sempre foi no perrengue, na luta, porque somos galeria de arte, vendemos obras de arte, mas não dá para sustentar tudo. Durante muitos anos, a antiga diretora injetava dinheiro para fazer A Pilastra acontecer”, relembra a historiadora da arte Gisele Lima, atual diretora d’A Pilastra, que adiciona: “A gente pegava grana de outros trabalhos que a gente fazia para fechar as contas d’A Pilastra. Com a pandemia, como não haviam outros trabalhos para a gente, trabalhador da cultura acabou”.


Além da questão do equilíbrio das contas, ela diz que houve uma segunda camada de problema quando um caso de homofobia aconteceu envolvendo a proprietária do imóvel alugado e os frequentadores do espaço. “Por falar de um público dissidente, uma quantidade enorme de pessoas LGBTQIAPN+, a gente sofreu forte com esse embate. A Pilastra foi a primeira galeria do Distrito Federal a expor e representar artistas transsexuaise transgêneros, por exemplo. Então, nosso público é muito diverso e isso gerou uma reação na comunidade e na dona do apartamento. Quando veio a pandemia, na primeira oportunidade em que não conseguimos pagar o aluguel em dia, fomos expulsos do local e fechamos as portas”.

“Por ser um espaço mais democrático, se tornou um espaço de formação. Ela foi fundada nesse contexto de ser um lugar e, por isso, o nome A Pilastra: para ser um apoio, um alicerce para esses artistas que não são herdeiros, ricos ou filhos de ninguém e que muitas vezes são da ‘quebrada’, mas também querem fazer arte”, conta Gisele Lima, atual diretora d’A Pilastra

Após isso, uma nova experiência foi testada. O espaço migrou para o digital: cursos, formativos para as provas de habilidade específica da Universidade de Brasília (UnB) e formas de tornar o espaço financeiramente sustentável. À época, o olhar era voltado para as pessoas que ainda iam disputar uma vaga na universidade. “Fazendo uma live aqui, outra ali, entendemos que isso poderia ser um curso e um acompanhamento crítico online e, aí, decidimos fazer isso até hoje, mas principalmente no final de 2020 e em 2021”, relembra Gisele. “Fomos um dos primeiros espaços a fazer curso de arte decolonial, pensando a decolonialidade, trazendo nomes importantes da cena atual, inclusive o artista indígena Jaider Esbell (hoje falecido)”, orgulhosamente conta a incentivadora artística.

Nova direção, novo endereço, mesmo ideal

Agora, em uma região do Guará onde predominam malharias, distribuidoras de bebidas e templos religiosos, alguns moradores podem se encontrar surpresos quando descobrem que A Pilastra, um estabelecimento discreto no Polo de Moda, não é nenhum desses comércios, e sim um ecossistema de arte criado para apoiar os artistas que querem expor sua produção artística sem ter que depender de locais mais conhecidos e elitizados no centro de Brasília. Talvez exista quem ache que o Polo de Moda não é o local convencional e ideal para tal empreendimento, mas esse “estranhamento” é intencional e planejado, parte do conceito artístico de se mostrar que a arte pertence a todo lugar, até onde menos se espera. Pelo menos é isso que pensa a historiadora da arte Gisele, que contou à reportagem que o Guará foi escolhido justamente para causar esse impacto.


Com as paredes repletas de pôsteres lambe-lambe com mensagens antifascistas, antinazistas e antibolsonaristas, o espaço reflete o caráter político e combativo da arte. Apesar de não estar na diretoria desde sua concepção, Gisele é, desde 2019, quem coordena os trabalhos que acontecem no espaço. Ela é formada pela UnB no curso de Teoria, Crítica e História da Arte. Inicialmente, A Pilastra foi concebida, em 2017, em uma parceria da ex-diretora d’A Pilastra, Lucena de Lucena, com um coletivo de alunos de diversos cursos da universidade pública. “Hoje eu olho e vejo que foi uma reação imediata às ações afirmativas nas universidades – pessoas racializadas e periféricas tiveram acesso à universidade, começaram a produzir arte e pensamento, mas os equipamentos culturais da cidade não abraçavam essa produção”, conta Gisele. “Eram artistas, pensadores e pesquisadores, que não tinham um lugar onde expor o trabalho e divulgar – isso porque esses outros espaços, essas galerias e museus, não aceitavam esses corpos e essas pessoas – se juntaram para fazer A Pilastra”, relembra a artista.

Arte para todxs

Gisele elabora sobre o conceito d’A Pilastra: “Um espaço possível de pensamento, de exibição, de troca, de fruição e também de formação, porque acabou que, por mais que tenha surgido de um grupo que estava dentro da universidade, A Pilastra acabou abraçando pessoas que não estão dentro desse contexto universitário”.


Gisele acrescenta que, apesar de ser diretora do ecossistema artístico, ela esclarece que A Pilastra é um corpo coletivo, ou seja, não adere às hierarquias tradicionais ou a uma cadeia de comando. Por também ser uma galeria escola, o espaço trabalha com programas de voluntariado: “Temos mecanismos e estratégias muito específicas e emaranhadas para continuar existindo, inclusive com o nosso grupo de voluntários, que hoje é composto por 16 voluntários”. Ela diz que uma nova chamada para novos interessados será aberta em breve. Quando os voluntários iniciam na galeria escola, eles podem fazer os cursos – alguns pagos, outros não –, já depois o voluntário pode começar a trabalhar na manutenção do espaço, ter direito a todos os cursos e participar da montagem das exposições, elaboração dos projetos, escrita de editais e captação de verbas. “Na prática, as pessoas aprendem como fazer”, pontua Gisele. A etapa três da galeria escola abrange oferecer o serviço das pessoas formadas pela galeria – equipe de montagem, educativo e produção. Isso explica o porquê d’A Pilastra ser um ecossistema de arte: “A gente começou como galeria de arte, pensando na arte contemporânea e artes visuais, mas a gente abriga peças de teatro, festivais de música e cinema, editora independente, vários eventos musicais e até feirinhas”. Há também um projeto grande de audiovisual: o Sinestesia, que consiste em uma série de 20 videoclipes e 10 músicas, disponíveis no canal d’A Pilastra no Youtube, com versões em libras de músicas em que o cenário é pensado por artistas visuais e sonoros, o motivo do projeto ter o nome sinestesia (cruzamento de sensações).
Entre tantos projetos, o principal foco d’A Pilastra continua sendo as exposições. Já houveram algumas como o “Superfície Sensível” e o “Luta, urgência e moradia”, assim como outras que ainda estão por vir. Algumas exposições do projeto contam com o apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), já outros são mantidos com recursos próprios. No total, são sete o número de artistas residentes n’A Pilastra. Esses artistas recebem uma gestão de carreira, acompanhamento de trabalho, formação para outros artistas e afins.