CADÊ A FISCALIZAÇÃO?

A demora no atendimento das denúncias aumenta a sensação de impunidade e estimula as invasões de áreas públicas e outras irregularidades no Guará. Origem está na perda do poder de fiscalização da Administração Regional e da falta de ação da DF Legal

Criada em 2008 pelo Governo José Roberto Arruda com o objetivo de concentrar as ações de fiscalização contra a invasão de áreas públicas e outras irregularidades urbanísticas, a Agência de Fiscalização (Agefis), transformada em Secretaria de Estado da Ordem Urbanística do Distrito Federal (DF-Legal) no Governo Ibaneis, acabou por configurar um tiro no pé. O resultado foi a criação de um mastodonte burocratizado, lento e longe da eficiência que se esperava. Recorrer à DF Leal para retirar invasão de área pública ou denunciar outras irregularidades é um exercício de paciência e tolerância, porque ela demora a aparecer, quando aparece demora a agir e muitas vezes nem aparece.
O retrato dessa realidade está na denúncia de moradores e da Administração do Guará contra a invasão de um terreno público na QE 52 das quadras novas (QEs 48 a 58), onde foi construído um galpão em julho e, três meses depois, mesmo com a insistência na denúncia, nenhuma providência havia sido tomada até esta quinta-feira, 19 de setembro, quando esta reportagem foi fechada. A Administração Regional também descobriu que existem 26 terrenos invadidos nas quadras novas, de forma orquestrada por uma quadrilha especializada nesse tipo de invasão para alegar preferência nas licitações promovidas pela Terracap.
As respostas da Secretaria à reportagem são genéricas e informam apenas que “vai enviar auditores para fiscalizar o local, adotando as medidas legais previstas no Código de Obras e Edificações, do DF”. Outro retrato é o desrespeitado a uma interdição da própria DF Legal por um quiosque de uma rede especializada em lanche de carne de churrasco entre as QEs 30 e 32, construído acima da área permitida e que, depois de várias denúncias, abriu suas portas desafiando as leis que regem este tipo de estabelecimento.
Os exemplos dessa inércia estão em toda a cidade, falando especificamente do Guará. São quiosques em praças disfarçados de trailers, cercamento de áreas verdes com muros, ampliação de quiosques além do permitido, proliferação de tendas de hortigranjeiros… tem invasão e irregularidade para todos os gostos. E cada vez em maior quantidade.

Desde julho, esta construção em um lote da Terracap invadido nas quadras novas e este quiosque de alimentação sem alvará desafiam a fiscalização
Falta de providências estimulam irregularidades

A omissão dos órgãos fiscalizadores acaba estimulando também quem não pensava em invadir, pelo simples fato de que todos devem ter o mesmo direito. Ou, que consolidada a invasão, a regularização virá depois, como o governo tem feito com os quiosques e trailers.
O principal símbolo dessa omissão é a ocupação de toda a faixa entre a Área Especial 2A, mais conhecida como Setor de Oficinas, a QE 40 e a linha férrea, onde continuam surgindo novas edificações e a comercialização dos terrenos públicos é feita de forma aberta. A invasão desrespeita inclusive as normas de segurança, que estipula uma distância de 15 metros da linha férrea para qualquer edificação, de acordo com a Lei 6766/79. No máximo, o que os órgãos fiscalizadores, incluindo a Administração Regional do Guará, fizeram foi notificar o invasor e mesmo assim pressionados pelo Ministério Público. Mas, como ninguém os leva a sério, as invasões continuam. E lá se vão quase 12 anos, período que coincidiu com a criação da Agefis e a retirada dos fiscais da Administração Regional do Guará.

Ocupação das margens da linha férrea colocam em risco inclusive as locomotivas, mas ninguém impede que elas continuem. Outras invasões permanecem intactas
Respostas genéricas

Quando questionados, os órgãos de fiscalização e de representação do governo se limitam a informar que estão monitorando todas as invasões de áreas públicas e prometem providências, que raramente acontecem ou demoram a acontecer.
A reportagem do Jornal do Guará encaminhou à Secretaria DF Legal e à Administração Regional questionamentos sobre as providências do governo contra as invasões na cidade. A DF Legal respondeu que “as demandas sobre comércios chegam via Ouvidoria do GDF. Depois são filtradas e destinadas aos órgãos e pastas correspondentes. As demandas são atendidas à medida que chegam para a pasta” (sobre o aumento da ocupação de área pública pelos quiosques). “Todos os dias são realizadas, por todo o DF, operações de fiscalização e, quando necessário, intervenções fiscais”, completa. “Os veículos estacionados em áreas públicas, para o seu funcionamento, precisam de autorização e podem ser classificados como trailers ou foodtrucks, dependendo das características. Caso não as possuam, podem sofrer sanções, como notificação, interdição, multa e apreensão do veículo. A multa para trailers varia de R$ 389,07 a R$ 1.945,24 e para foodtrucks de R$ 350,62 a 1.753,20.”, sobre os trailers disfarçados de quiosques deixados nas praças e áreas públicas.
Ao pedido de entrevista para esclarecer a atuação do órgão diante das denúncias de irregularidades, a assessoria de imprensa da Secretaria DF Legal respondeu, através de nota, “que existem diversos tipos de fiscalização dentro da DF Legal e existem diferentes subsecretarias responsáveis por cada tipo. Fora que há um setor exclusivo para o recebimento de ouvidorias, que faz a distribuição para a ação das áreas responsáveis.
Dessa forma, é muito difícil apontarmos uma pessoa para dar entrevista. É possível que vocês queiram fazer uma pergunta de fiscalização de obras, depois sobre comércios e a fonte só poderia responder sobre um dos dois temas.
Por este motivo gostaríamos de um detalhamento melhor da pauta ou o envio das perguntas, pois precisaríamos aqui ir atrás de várias pessoas, talvez, para conseguir responder”. Ou seja, teríamos que entrevistar quem cuida só de um tema de cada vez.
A Administração Regional por sua vez respondeu que “atua em conjunto com o DF Legal no mapeamento de ocupações irregulares para intensificar as ações fiscalizatórias na cidade”. Ponto.
E assim, a cidade vai se transformando na “casa da mãe joana”.

Origem no esvaziamento das administrações regionais

A causa dessa inércia pode ser creditada ao esvaziamento das administrações regionais a partir do Governo Arruda, que começou com a retirada dos fiscais de seus quadros, seguido da redução de outras funções e poderes, repassados à Novacap, GDF Presente e outros órgãos do governo. Eram esses fiscais que conheciam a realidade de sua região e tinham autonomia para notificar, multar e até solicitar derrubadas e remoções, sem intermediários e sem a burocracia de hoje.
“Quando fui administrador regional, tínhamos oito fiscais e cada um tomava conta de uma área da cidade, o que dava a eles mais responsabilidade nas ações. A equipe de fiscais contava ainda com uma equipe de apoio da então Divisão de Obras, para o cumprimento célere das providências. Por causa dessa autonomia que a Administração tinha é que removemos 550 quiosques antiga Feira do Paraguai no SIA (Na época o SIA ainda pertencia à Região do Guará) que ocupavam de forma irregular o terreno onde é hoje a Feira dos Importados e evitamos o aumento das invasões no Parque do Guará e da linha férrea”, conta o ex-administrador regional do Guará de 1991 a 1994 e depois em 2003, Heleno Carvalho. “Tínhamos o controle de tudo o que acontecia na cidade”, completa.
Retornar, pelo menos em parte, o poder de fiscalização das administrações regionais está sendo proposta pelo administrador do Guará, Artur Nogueira. “Sugeri à Secretaria de Cidades a criação de um núcleo da Secretaria DF Legal na Administração Regional com dois fiscais, que acompanharia a nossa equipe no atendimento das denúncias de irregularidades em áreas públicas. Hoje, essas denúncias demoram a ter resposta, por causa da quantidade de demandas em todo o Distrito Federal. A vantagem é que esses fiscais, como acontecia antigamente, iriam conhecer melhor a realidade da região e iria agilizar as providências”.
A sugestão, entretanto, ainda não foi analisada pelo governo, segundo o secretário de Cidades, Valmir Lemos. “Mas está na pauta”, afirma, sem, entretanto, informar prazos.