Vale Lounge, o Bar das Drags no Polo de Moda, fecha as portas

Hoje, 29 de dezembro acontece o “Oh Jezz!” com a retrospectiva de tudo de bom que aconteceu em 2023 na Vale e amanhã, dia 30, o “Vale Awards” com a premiação dos melhores momentos do ano, o último evento da casa.

O Vale Lounge, um conhecido reduto da comunidade LGBTQIA+ no Guará, encerrará suas atividades neste sábado. Localizado no Polo de Moda, o estabelecimento ganhou destaque por sua promoção da arte drag e pela contratação de pessoas trans. O fechamento, anunciado no início do mês através do Instagram, é atribuído à evasão do público nos últimos quatro meses. A fundadora, Vanilla Jezz, mencionou a dificuldade de manter o negócio devido à falta de frequentadores e às adversidades financeiras. Cerca de 30 funcionários, todos LGBTQIA+, serão impactados pelo encerramento.

Despedida

O último evento, “Vale Awards”, será uma retrospectiva dos melhores momentos do local. Vanilla destacou a importância do trabalho proporcionado pelo Vale Lounge para a comunidade LGBTQIA+ e expressou pesar pela necessidade de fechar as portas. O espaço, que abrigou mais de 300 apresentações drag, desempenhou um papel vital na cena artística local, mas agora enfrenta desafios diante da perda de interesse do público. O cenário drag em Brasília, segundo Vanilla, está em declínio devido ao foco predominante do público jovem em gêneros musicais específicos. A fundadora recordou a origem do Vale Lounge como um projeto de conclusão de curso durante seus estudos nos Estados Unidos, onde se inspirou em uma boate voltada para drags.

O espaço nasceu para ser um ponto de encontro para a comunidade drag e LGBTQIA+ fora do eixo do Plano Piloto. Ainda este ano, o Vale recebeu o Prêmio Jorge Lafond de Arte e Cultura, que homenageia personalidades e aliados da comunidade no Distrito Federal, em cerimônia na Câmara Legislativa.

Nos Estados Unidos, Vanilla Jezz, uma das responsáveis pelo espaço,  estudava o curso de gastrólogo e a Vale surgiu como a concretização do trabalho de conclusão de curso apresentado ao final da graduação. “Fui em uma boate que era voltada para drags e a primeira coisa que eu vi foi uma drag com uma prótese de silicone simulando seios, preparando um coquetel enquanto batia os peitos e eu fiquei ‘Meu Deus, eu quero isso para a minha vida!”‘, relembrou aos risos.

Administrando a diversidade

Vanilla Jezz diz que a ideia do bar surgiu após um momento de descoberta que aconteceu quando ela frequentou, pela primeira vez, um local abertamente LGBT em uma viagem que fez para Nova York. Nascida no Guará e de uma família tradicional, ela ressalta a importância do espaço ser um manifesto artístico, político e existencial e, por meio de arte, ocupar espaços onde as pessoas já existem, moram e trabalham, mas que não encontram opção de lazer e diversão: “Ver um local onde tantos amigos, tantos colegas, que também são LGBTs, e não tem um espaço de representatividade no meio dessa onda de conservadorismo – que vem com uma pauta de inexistência –, mostra que esses espaços são necessários para nossa vivência e é algo de suma importância para todas as pessoas. Então, quando a gente veio trazendo a Vale Lounge Bar para o Guará, a primeira coisa que a gente pensou, também, foi a descentralização, tirar do Plano porque muitas pessoas não têm o poderio de locomoção, de chegar a outros locais, e quisemos trazer algo para as [cidades] satélites. Quando o Guará se abriu como porta foi, para mim, o complemento de uma história que começou aqui e que aqui está sendo concretizada”, afirma.

Ela lamenta as raras situações em que as atendentes sofreram ofensas de cunho homofóbico e transfóbico. Apesar disso, ela celebra vitórias maiores: “Por mais que a casa seja uma casa LGBT, a gente tem tido muitos frequentadores heterossexuais e pessoas acima dos 50 anos e isso tem transformado seus pensamentos sobre o que é a arte drag queen e a arte transformista – a arte toca e transforma vidas de uma forma absurda”. E acrescenta: “Algumas das nossas funcionárias trans saíram da rua e hoje são garçonetes aqui e conseguem ter uma vida digna que não precise estar nas ruas que é, infelizmente, o local onde lhes é empurrado socialmente, não porque elas queiram ou escolheram, mas é a vida que a sociedade empurra a elas, o resto que sobra”. Ela conta que muitas candidatas são rejeitadas nas entrevistas apenas por terem feições masculinas. “Trazer de volta o local de trabalho e a dignidade é algo que também faz parte do nosso corpo enquanto existente, porque a gente coloca essas pessoas num foco de humanização, de mostrar que essas pessoas, assim como qualquer outra, também tem seus medos, fragilidades e as suas vulnerabilidades – que essa vulnerabilidade é muito maior do que aquela em uma pessoa branca, cis [aquela que se identifica com o sexo biológico que nasceu], hétero que está dentro de casa, protegida pelos pais e que não enfrentam o que as pessoas transsexuais enfrentam tantas vezes”. Ela celebra o caráter transformador do espaço: “Essa é a maior importância do Vale hoje, conseguir transformar uma rota, um mercado, em algo inclusivo e transformador para vidas trans, vidas gays e vidas negras de uma forma que a sociedade ainda não tinha se atendido”.