O clima era de desolação e desespero para muitos moradores dos três condomínios horizontais do Guará que margeiam o córrego Vicente Pires. As intensas chuvas que caíram no DF entre a tarde desta terça-feira, 2 de janeiro, e a manhã da quarta-feira, 3 de janeiro, obstruiram uma rua que está com obras de drenagem atrasadas, e provocou a maior cheia do córrego, o que provocou alagamentos em dezenas de casas e grandes prejuízos materiais aos moradores.
As redes sociais da cidade foram bombardeadas com vídeos e fotos de ruas alagadas, carros engolidos por valas, casas inundadas e moradores ilhados sem poder sair de casa. Foi a maior catástrofe ambiental da história do Guará, mesmo que não tenha havido vítimas fatais ou acidentadas.
O caos foi provocado por uma mistura de adensamento irresponsável, movido pela sanha do lucro imobiliário que promoveu parcelamentos sem previsão de riscos futuros, conivência do governo e dos órgãos fiscalizadores a esses crimes, e às respostas da natureza às interferências do clima. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), nos dois primeiros dias do ano choveu mais de 80% do total esperado para todo o mês de janeiro. O resultado foi o que se viu. Pior é que estão previstas chuvas intensas até o dia 10 no Distrito Federal e os problemas podem se repetir, porque tecnicamente não há muito o que fazer para evitar novos prejuízos aos moradores que estão nas áreas mais vulneráveis, principalmente às mais próximas ao córrego Vicente Pires.
Os problemas provocados pelas chuvas pipocaram no Guará Park por todos os lados, mas começaram para os condomínios que são servidos por uma das únicas duas ruas públicas perpendiculares à rua principal, onde uma obra de drenagem se arrasta por mais de um ano por conta de problemas com o consórcio de empresas contratado para executar o serviço. Prevista para ser concluída no final de agosto do ano passado, a obra foi abandonada por uma das três empresas lideradas pela Urbana Engenharia, que alegou dificuldades financeiras para cumprir o contrato. A segunda e a terceira empresa também alegaram a mesma dificuldade, o que provocou greve de funcionários e atrasos na obra, que chegou ao período chuvoso sem a capa asfáltica, que foi retirada para a passagem da tubulação de águas pluviais. Sem a proteção do solo, as águas da chuva fizeram valas que dificultam a passagem de veículos e expõem as tubulações de água e esgoto.
Apesar do esforço do governo em tentar resolver a situação, não há muito o que fazer para amenizar o problema. Num encontro promovido pela deputada distrital Dayse Amarílio (PSB), moradora do Guará, entre a representante da secretária executiva de Infraestrutura e Obras, Janaína de Oliveira Chagas (o secretário Luciano Carvalho estava de recesso), o chefe do Gabinete da Administração Regional do Guará, Manoel Neto (o administrador regional Artur Nogueira também está de recesso), e a prefeita comunitária do Guará Park, Gleide Soares, com o representante da empresa contratada para executar a obra, foram acertadas medidas emergenciais para mitigar o problema, até que as condições climáticas deem trégua para a resolução definitiva. Ou seja, foram discutidos paliativos, que podem ou não surtir efeitos se as chuvas continuarem sendo intensas.
De acordo com a secretária executiva de Infraestrutura e Obras, Janaína Chagas, o GDF vai pressionar a empreiteira a intensificar a conclusão das obras e, enquanto isso, juntar as forças dos órgãos do governo ligados à manutenção, como a Novacap e a Administração Regional do Guará, para as soluções emergenciais. “Não temos como promover uma interdição radical, porque a obra foi vencida por um consórcio de três empresas, que estão repassando o serviço de uma para outra. Como estão cumprindo os prazos limites previstos no contrato, não temos como suspender o acordo unilateralmente”, explica. “Mas vamos exigir soluções imediatas, mesmo que paliativas”, garante a secretária.
Obra arrastada provocou estragos
A prefeita comunitária do Guará Park, Gleide Soares, responsabiliza o consórcio de empreiteiras contratada para realizar a obra, mas não alivia o governo da culpa. “Venho alertado a Administração do Guará e a Secretaria de Obras desde o ano passado para o risco das obras não serem concluídas antes do período das chuvas, inclusive com ata de reuniões entre a Prefeitura e os órgãos do governo, mas nada foi feito. Chegamos inclusive a recorrer ao Ministério Público do DF. Infelizmente chegamos a esse ponto”, reclama Gleide. “Faltou mais empenho do governo para fazer cumprir o contrato com a empreiteira. Não precisaria chegar a esse ponto”, afirma a deputada distrital Dayse Amarílio, que “comprou a briga” dos moradores.
Situação pior na beira do córrego
Enquanto os prejuízos dos moradores da rua de cima por enquanto se restringem à dificuldade de locomoção, principalmente do trânsito de veículos, a situação de quem mora na parte de baixo da avenida principal é muito pior. Dezenas de casas foram invadidas pela enchente do córrego Vicente Pires, em alguns casos com perda de todos os utensílios domésticos.
Os maiores prejuízos aconteceram na Chácara 35, onde o córrego chegou a cerca de três metros acima do seu nível normal. A moradora Cila Maria da Silva, 75 anos, perdeu tudo com a enchente. “Moro aqui há 19 anos e nunca passamos por isso. Perdi tudo o que tinha em casa, inclusive eletrodomésticos”, conta, desolada. A vizinha dela, Suzi Ferreira Gomes, também moradora do local há 19 anos, ainda contava os prejuízos enquanto tentava tirar a água barrenta de dentro de casa. Um vídeo em que outra moradora, Jocélia Albuquerque, mostrava a situação de sua casa, completamente alagada, viralizou nos grupos sociais. Ela culpa uma obra de drenagem da Caesb por parte da enchente. “Colocaram uma barreira para proteger a obra, mas que acabou evitando o escoamento das águas do córrego”.
Os prejuízos se estenderam aos condomínios horizontais abaixo, o Bernardo Sayão e o Iapi, onde o córrego Vicente Pires também transbordou, mas, como o seu leito nessa parte é mais profundo, o transbordo foi menor.