Na semana passada, o posto do Detran no Shopping Popular teve que interromper o atendimento por quatro dias por causa do furto de cabos de energia e até o metrô já deixou de circular algumas vezes pelo mesmo motivo. E boa parte dos apagões que acontece fora da incidência de chuva é provocada pelo furto de cabos de energia. Por causa da demanda do cobre no mercado de reciclagem, esse tipo de furto é cada vez maior no DF, principalmente porque é difícil de ser flagrado, além de ser muito lucrativo.
De acordo com concessionária Neoenergia Brasília, o prejuízo provocado por esse tipo de crime chega a cerca de R$ 2,5 milhões em mais de 300 ocorrências em média por ano no Distrito Federal. Segundo a empresa, a maior incidência é no Plano Piloto, seguida de Guará e Ceilândia. O problema é que é um crime difícil de ser combatido, por causa da esperteza dos ladrões, que se disfarçam de técnicos de empresas de manutenção e por isso não chamam a atenção de quem os vê na rua, a dificuldade de serem flagrados nas madrugadas, quando eles atuam, e pela leniência da Justiça (ou melhor, do Código Penal), que não considera esse tipo de furto como crime grave o suficiente para que os ladrões sejam e continuem presos, mesmo quando flagrados.
Além dos ladrões profissionais, principalmente os que já trabalharam nas empresas de manutenção, existem também os ladrões “pés de chinelo”, geralmente moradores de rua que cometem o crime para que possam manter a dependência de droga ou bebida. Na ponta, o principal alimentador do crime, os receptadores, que viram no mercado do cobre reciclado um negócio lucrativo. De acordo com dados da PMDF, em 2024 houve um aumento de 26,1% na quantidade de ocorrências em relação ao ano passado em furtos de cabos no DF.
Entretanto, o aumento desse tipo de furtos não configura falta de ação da segurança pública do Distrito Federal. Pelo contrário, o combate ao furto de cabos é uma das prioridades das polícias Civil e Militar, por orientação da Secretaria de Segurança Pública, mas ainda longe de ser estancado. No início de novembro, uma grande operação da Polícia Civil prendeu vários ladrões e receptadores em 21 mandados de prisão e 48 de buscas e apreensões, o principal deles contra o dono de um ferro velho na QE 40 do Guará II. Vilmar de Lima Oliveira e seu genro Fabrício Rodrigues de Carvalho são apontados como os líderes e, o mais curioso, são velhos conhecidos da polícia pelo mesmo crime. Os dois conseguiram fugir do cerco policial e até esta quinta-feira, 28 de novembro, não tinham sido presos. “A família já tem um histórico de recepção de fios de cobre furtados, mas foram soltos pela Justiça mesmo depois de indiciados pelo mesmo crime”, afirma o delegado da Coordenação de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Corpatri), Tiago Carvalho. Ele explica que a polícia praticamente sabe quem são os receptadores, mas é necessário o flagrante ou a prova para facilitar à prisão dos responsáveis e a apreensão do material. “O problema é que o cobre é retirado e processado assim que os fios são entregues pelos atravessadores ou ladrões às casas de sucata, o que dificulta a sua rastreabilidade”, completa o delegado.
Quadrilha organizada
De acordo com a Copatri, o esquema era organizado em núcleos. Um desses núcleos era formado por recrutadores dos ladrões, profissionais com conhecimento e experiência em eletricidade, ou moradores de rua, para executar os furtos. Outro núcleo importante era o dos receptadores, que transformavam o cobre furtado em matéria-prima comercial.
Batizada de Power Cut, a operação desmantelou uma organização criminosa especializada no furto de cabos de transmissão de dados, de telefonia e de energia elétrica, liderado pelo dono da sucata do Guará. Além dos 21 mandados de prisão preventiva e 48 de busca e apreensão, a polícia foi autorizada pela Justiça a apreender bens, incluindo o bloqueio de R$ 5,78 milhões nas contas dos investigados. Os suspeitos também são investigados por praticar lavagem de dinheiro. Foram presos 13 suspeitos até agora, mas os outros continuam foragidos, entre eles os dois empresários guaraenses.
O delegado Tiago Carvalho conta que a operação é o resultado de uma investigação que começou há cerca de um ano, quando os policiais identificaram uma série de furtos de cabos, principalmente na Asa Norte e no Guará.
Para o delegado da 4ª Delegacia de Polícia do Guará, Lourisvaldo Chacha, a maior parte dos furtos de fios de cobre na cidade é praticada por moradores de rua, por causa das pequenas quantidades retiradas de cada vez, enquanto no Plano Piloto ou no Setor de Indústias (SIA), onde os cabeamentos são robustos, são praticadas por quadrilhas especializadas. “No Guará, os furtos acontecem de madrugada, quando existe pouco movimento das ruas, e são praticadas geralmente por moradores de rua para alimentar o vício da dependência química. Eles atuam em dupla ou trio: enquanto um fica do lado de fora vigiando, quem entra nos bueiros das tubulações corta os fios, sem chamar a atenção”, explica o delegado. “Enquanto não for encontrada uma solução contra os receptadores e não houver mais rigor da Justiça, vamos continuar brincando de gato e rato. A polícia vai continuar combatendo o crime, prendendo os criminosos, mas o comércio não vai acabar enquanto as duas outras pontas não forem resolvidas”, avalia Lourisvaldo Chacha.
Enquanto a Polícia Civil cuida da investigação e identificação dos criminosos, a Polícia Militar se responsabilidade pelo patrulhamento. “Pela natureza do crime e o horário é que é praticado, é muito difícil de sere flagrado. Mesmo assim, temos prendido criminosos no Guará em flagrante furtando cabos, mas a maioria acaba retornando às ruas”, afirma o comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar do Guará, coronel Carlos Henrique Costa.
Providências
da Neonergia
A principal vítima do furto de cabos, seguida do consumidor que fica sem a energia, a concessionária Neonergia Brasília afirma que não tem muito o que fazer além de denunciar os furtos à polícia. “Temos também realizado rondas nas regiões mais sensíveis para inibir a ação dos criminosos. Em algumas regiões, como a Asa Norte, a empresa está soldando as entradas das caixas de energia e estações transformadoras”, explica a empresa em nota ao Jornal do Guará.
Ainda de acordo com a Neonergia, a facilidade de acesso aos cabos acaba tornando esse tipo de ação criminosa relativamente atraente. Afinal, seja pela necessidade de fácil acesso para manutenção ou pela necessidade de acesso assegurado às empresas prestadoras de serviço, esses cabos são facilmente alcançados e retirados por aqueles que buscam ganho econômico com esse tipo de crime. “Como se trata de crime sem violência contra a pessoa, muitas vezes quem o pratica é preso em situação de flagrante, mas tem a liberdade restituída para responder ao processo em liberdade”, completa a nota da Neonergia.
Já presidente da CEB Ipes, responsável pela iluminação pública, Edison Garcia, adverte que, além do prejuízo aos cofres públicos, os ataques à infraestrutura elétrica de iluminação pública da capital representam uma ameaça direta à segurança da população. “Os criminosos quebram as portas de acesso para manutenção e cortam a fiação. Com o vandalismo, os fios ficam expostos e podem encostar na estrutura de metal, eletrificando o poste”, explica.
Para o secretário de Segurança de Pública do DF, Sandro Avelar, a união entre órgãos de segurança e a participação ativa da sociedade são fundamentais para combater o crime. “Esse esforço conjunto nos permitiu realizar uma operação de tamanha importância para a segurança do DF. Segurança pública é dever do Estado, mas é responsabilidade de todos”, afirma.