Cada vez mais reclusos em seus quartos, transformados no seu mundo particular, parte dos jovens de hoje divide sua vida mais, ou apenas, com a Internet, sem que pais e outros familiares saibam o que está acontecendo naquele espaço. Claro que boa parte da culpa é dos próprios pais, que, comodamente, preferem ignorar o que se passa naquele mundo particular dos seus filhos, porque é menos preocupante saber onde eles estão do que estejam fazendo. Mais preocupante ainda é se esses adolescentes sofrem algum tipo de transtorno e são submetidos a algum tipo de preconceito ou violência física ou emocional na escola e buscam na Internet informações de como se vingar. E encontram até manuais sobre o assunto.
São inúmeros os casos de jovens revoltados com bullyng sofrido na escola se vingar dos colegas em casos em que a polícia não descobre antes a tempo de evitar tragédias. Foi o que aconteceu esta semana no Guará, com o caso do adolescente de 15 anos que planejava um atentado a uma escola pública do Guará II – a reportagem não cita o endereço e nem o nome do adolescente a pedido da polícia, porque o processo conduzido pela Divisão de Prevenção e Combate ao Extremismo Violento da Polícia Civil (DPCEV) corre em segredo de Justiça.
A tragédia somente não aconteceu porque servidores da escola encontraram, por acaso, uma carta escrita pelo menor relatando os planos para o ataque, que previa a morte de estudantes indiscriminadamente, um crime muito comum nos Estados Unidos mas que já aconteceu no Brasil em 12 vezes de 1989 a 2022 – o último foi o ataque a uma creche em Blumenau em 2022, quando morreram quatro crianças e uma professora. Na carta encontrada pelos servidores da escola do Guará, além do texto de ameaça, em que ele planejava “matar um número indeterminado de pessoas”, havia desenho de símbolos nazistas e menção a terroristas e a outros ataques em escolas no Brasil e no mundo.
De posse da carta e de mais informações da escola, a polícia conseguiu identificar o autor da ameaça e conseguiu na Justiça um mandado de busca e apreensão na casa dele, onde foram encontrados instrumentos ligados ao plano macabro.
Até arma de fogo
Ao vasculharem o computador do adolescente, a polícia descobriu que ele vinha tentando adquirir armas de fogo na Internet há algum tempo. Foram recolhidos também outros textos ligados ao assunto, uma faca, uma machadinha e um simulacro de arma de fogo (imitação ou feito artesanalmente) e o aparelho celular dele.
E o mais assustador é que os pais alegaram que não sabiam das intenções do filho, que, de acordo com a polícia, vinham sendo planejadas há algum tempo. Para os pais, o comportamento do filho em casa nada levava a desconfiar que ele estivesse planejando algo violento contra terceiros, e chegaram a dizer aos policiais que o adolescente era calmo e reservado.
De acordo com o delegado responsável pelas investigações, Fabrício Paiva, o plano macabro vinha sendo arquitetado há cerca de um ano, de acordo inclusive com a própria confissão do adolescente, e mesmo assim os pais garantem que não desconfiaram de nada. “Esse tipo de situação exige uma atenção redobrada, tanto da família quanto do ambiente escolar”, afirma o delegado.
O jovem foi conduzido à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) e está sendo transferido de escola na cidade, pela Coordenadoria Regional de Ensino do Guará.
Comoção e preocupação
A coordenadora Regional de Ensino do Guará, Karine Silva Pereira Rodrigues, diz que o caso provocou comoção entre professores, pais e alunos, tanto da escola do aluno como nas outras escolas públicas da rede da cidade. “A gente percebe uma preocupação generalizada com a violência, especialmente quando vem de dentro da comunidade escolar”, afirma a coordenadora. Karine explica que a Coordenadoria Regional do Guará e a Secretaria de Educação acompanham os estudantes por meio de programas pedagógicos e de orientação, com um olhar mais atento em relação ao comportamento deles. Ela destaca a influência da internet como um dos principais fatores de risco: “Hoje qualquer jovem com um celular tem acesso ao mundo. Se ele não tiver acompanhamento, um filtro familiar, está exposto a todos os tipos de conteúdo, inclusive incitações à violência, abuso sexual, drogas e pedofilia”.

Entre os projetos desenvolvidos nas escolas públicas do Guará estão o “Vem Comigo”, voltado à prevenção da violência e do bullying. A proposta surgiu no GG (Ginásio do Guará – Centro de Ensino Médio 01, na QE 7 do Guará I), em parceria com estudantes protagonistas, e está sendo implantada no CEF 1 (QE 4), CEF 2 (QE 7) e CEF 4 (QE 7).
Na prática, segundo Karine, cada escola tem um coordenador do projeto que orienta os alunos escolhidos entre seus pares para representar as turmas. Esses estudantes observam e acolhem colegas que estejam demonstrando sinais de isolamento ou sofrimento. “Às vezes o jovem não sabe como pedir ajuda, e a violência acaba sendo uma forma distorcida de expressar esse sofrimento”, analisa. “Esses representantes de turmas são capacitados para identificar sinais de sofrimento em colegas, muitas vezes mais acessíveis entre si do que com os adultos”.
Outro projeto de monitoramento é o que oferece suporte através da DIASE (Diretoria de Apoio à Saúde do Estudante), que atua em parceria com a Secretaria de Saúde para encaminhar casos mais graves, como depressão ou risco de suicídio. “Quando percebemos que o estudante precisa de suporte especializado, fazemos o encaminhamento. Já conseguimos inclusive atendimento pelo Capsi para estudantes em situações críticas.” O Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (Capsi) é um serviço público de saúde que atende crianças e adolescentes com sofrimento mental intenso, devido a transtornos mentais graves, persistentes ou uso de substâncias. Esse serviço oferece um atendimento psicossocial, com o objetivo de ajudar a população infanto-juvenil a lidar com dificuldades relacionadas à saúde mental.
Estudante era tranquilo na escola
No caso do adolescente apreendido, a escola em que ele estudava não havia registrado nenhum comportamento violento ou relato de ameaça anterior. Segundo Karine, ele era um estudante tímido e retraído, o que reforça a necessidade de atenção redobrada. “Esse é o perigo. Às vezes o sofrimento é silencioso. A escola pode não perceber imediatamente se não houver sinais explícitos”. Segundo a coordenadora, a escola entrou em contato com a família após a descoberta do plano, mas a Regional de Ensino não teve contato direto com ele. “Os pais alegam que não sabiam. Essa é uma fase muito delicada, em que o adolescente tende a se isolar em casa. Muitas vezes ele se tranca no quarto e os pais não têm acesso ao que ele está vivendo. É por isso que insistimos tanto no diálogo familiar e em relações saudáveis dentro de casa”, diz ela.
Karine Rodrigues garante que todas as medidas necessárias foram tomadas pela direção da escola, como o acionamento da polícia, da assessoria especial de combate à violência da Secretaria de Educação, da DIASE e do Conselho Tutelar. “Fizemos tudo que estava ao nosso alcance. Agora o caso segue na esfera policial e judicial”.

Projetos da segurança pública
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informa que tem se preocupado com o comportamento suspeito de alunos da rede pública de ensino e que existem projetos específicos para tratar do assunto, como o Escola Mais Segura, “que objetiva a realização de ações de prevenção no ambiente escolar; o Programa Educacional de Resistência às Drogas da Polícia Militar, que atua diretamente nas escolas com atividades preventivas contra o uso de drogas, violência, bullyng e cyberbullyng. O trabalho é realizado de forma integrada entre escola, família e comunidade”.
A Secretaria de Segurança afirma ainda que “promove encontros pela Polícia Civil com os servidores das escolas públicas para identificar, prevenir e combater práticas violentas, além de orientar os jovens sobre como lid ar com situações de risco”. E também “o trabalho do policiamento ostensivo por parte do Batalhão Escolar da Polícia Militar, orientado por critérios técnicos e análises criminais e incluir patrulhamentos, operações de varredura, blitze escolares, bloqueios, visitas técnicas e ações educativas”.