Ocupação da antiga Casa da Cultura – MOVIMENTO RESISTE À ORDEM DE DESPEJO

A Administração Regional determina a reintegração do imóvel, sob o argumento de riscos de segurança às ocupantes. Mas elas garantem que não vão sair pacificamente e querem continuar lá, com apoio do movimento cultural

De um lado, o administrador regional que se vê obrigado a tomar providências para desocupar um bem público invadido e que é de sua responsabilidade, sob pena de responder por negligência. Do outro, um grupo de mulheres ligado a um movimento de combate à violência contra a mulher, que defende o direito de ocupar esse espaço que estava abandonado há oito anos. No meio, um grupo de lideranças comunitárias, ligado à área cultural, que se coloca do lado do movimento por defender que é a melhor solução para o espaço abandonado.
O impasse está instalado. Após três semanas em que o grupo de 15 mulheres do Movimento Olga Benário invadiu e se instalou no prédio abandonado da antiga Casa da Cultura, no Cave, o clima esquentou depois que a Administração Regional determinou a desocupação do imóvel, alegando risco de desabamento, por recomendação da Defesa Civil. Mas o grupo de mulheres, com apoio do segmento cultural e de parlamentares, promete resistir à ordem de desocupação, inicialmente através da Justiça e, se for o caso, se entrincheirando dentro da casa. A Polícia Militar já tentou a desocupação amigável por duas vezes, a última nesta quinta-feira, 17 de novembro, mas não foi atendida. A reintegração, entretanto, deve ser coordenada pela secretaria DF Legal, com o apoio da Polícia Militar para o caso de resistência. “De nossa parte, gostaríamos que houvesse uma desocupação pacífica, de convencimento, para evitar uma ação coercitiva, quando é necessário o uso da força. Mas, a ordem de reintegração deve partir da Administração Regional, que é a proprietária do imóvel”, esclarece o comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar do Guará, coronel Adauton Santana.

Reunião não teve resultado prático

Numa reunião nesta quarta-feira, 16 de novembro, na Administração do Guará, o administrador regional Roberto Nobre reafirmou aos representantes do Movimento Olga Benário a determinação de desocupar o imóvel, mesmo diante dos argumentos das ocupantes, que foram acompanhadas pela deputada Erika Kokay, a presidente do Museu do Disco do Guará, Janete Silva, e o presidente do Conselho de Cultura do Guará, Rênio Quintas. “Explicamos a ele que, além de termos limpado e recuperado parte da casa, que estava com instalações sujas e deterioradas, começamos a desenvolver o nosso projeto de atendimento às mulheres vítimas de violência”, conta uma das coordenadoras do movimento, Maria Eduarda Carvalho. Mas, segundo ela, o administrador foi irredutível, principalmente após a saída da deputada Érika Kokay da reunião.


Janete Silva, que há quatro anos tentou ocupar o prédio para instalar o Museu do Disco do Guará que ela criou, defende a permanência do movimento, até para ajudar a preservar a parte física do imóvel. “Na época, promovemos um mutirão de limpeza, recuperamos instalações, mas não fomos autorizados a ocupá-lo e resolvemos não entrar na marra. Depois disso, nada foi feito pela Administração Regional para preservar o espaço nas mínimas condições. A nossa sugestão é que seja concedida uma autorização de ocupação provisória ao movimento, enquanto se busca outras formas de autorizar definitivamente. Deixar o imóvel fechado e se deteriorando é um desperdício”, afirma.
Para o presidente do Conselho de Cultura do Guará, Rênio Quintas, “a decisão de retirar o grupo não se justifica. Não há risco de segurança das ocupantes, porque o tal laudo da Defesa Civil não existe ou não foi apresentado, e a comunidade só ganha com a permanência delas lá. É uma violência que está sendo cometida pela Administração do Guará”.
A reportagem do Jornal do Guará não foi autorizada a acompanhar a reunião. Através de nota, o administrador regional Roberto Nobre, informou que “a Administração Regional do Guará esclarece que, como gestora do mobiliário público em questão, zela por sua guarda, assim também como a segurança da população nesses ambientes. O órgão ainda acrescenta que o local é objeto de Parceria Público – Privada para a instalação do novo Centro de Convivência do Idoso – CCI, em processo de licitação para a sua reforma e posterior disponibilização para a comunidade. Por essa razão, constitui-se a sua inatividade temporária até que se concluam os desdobramentos do processo de revitalização do espaço.
O órgão ressalta que o local é público e que, para a realização de quaisquer projetos em prol dos moradores deve passar pelo rito legal com pedido formal junto à Administração Pública com a devida apresentação do projeto. No entanto, o movimento desde o início posicionou-se de maneira contundente não apresentando pedido formal para ocupação e também impedindo a entrada de servidores da Defesa Civil para diálogo e nova vistoria do local.
O pedido de análise para a permanência do grupo só ocorreu nesta quarta-feira (17), depois de tentativas frustradas de comunicação com as ocupantes. Somente após notificações extrajudiciais de desocupação foi possível viabilizar uma reunião pessoalmente com o grupo. Durante a reunião com o administrador regional foram apresentados os projetos bem sucedidos de apoio às mulheres em situação de violência doméstica, como o “Pró-Vítima” e a possibilidade em unir forças entre o propósito do movimento de amparo às mulheres com o já existente e e consolidado projeto do GDF, mas, a tentativa de unir as parcerias foi negada pelo movimento.
A Administração Regional reforça que está impedida legalmente em permitir a ocupação irregular de imóveis públicos, tendo em vista a configuração clara e ilícita contra os ditames legais e constitucionais que resguarda. O projeto apresentado ontem (17) pelo movimento encontra-se em análise”.

Como seu deu a ocupação

Fechado há oito anos, desde quando a Casa da Cultura mudou-se para sua nova sede, em frente ao Teatro de Arena, o antigo prédio que abrigou o órgão por mais de 20 anos foi ocupado no final de outubro por cerca de 15 integrantes do Movimento Olga Benário, que oferece apoio a vítimas de violência doméstica ou de preconceito. A do Guará é a 13ª ocupação do movimento em todo o país e a primeira no Distrito Federal.


A ocupação por enquanto é clandestina, porque não houve autorização do governo para a ocupação de um prédio público, mas o grupo aposta no apoio da comunidade para sensibilizar as autoridades a deixá-lo por lá, pelo menos enquanto não houver outra destinação para o imóvel – estava prevista a demolição da antiga casa para a construção da nova sede do Centro de Convivência do Idoso (CCI), que teria que mudar de lugar caso tivesse avançada a privatização do Cave.
Mesmo sem autorização da Administração Regional, o grupo limpou o imóvel para torná-lo habitável e em condições de oferecer o atendimento à comunidade. Aos poucos, as mulheres foram recebendo apoio de moradores, principalmente do movimento cultural, através da doação de alimentos, móveis e outros objetos. “Havia muita sujeira, muita goteira, mas estamos arrumando do jeito que dá, para que possamos oferecer o serviço de apoio às mulheres vítimas de violência”, explica uma das líderes do movimento, Thaís Oliveira.
As 15 mulheres, de 19 a 29 anos, que participam do movimento no Distrito Federal, se revezam em três grupos, sempre com um grupo de plantão na casa, para evitar que sejam surpreendidas com uma desocupação, e para estruturar a sede do movimento, com a ajuda de cinco homens, simpáticos à causa.
A casa do Guará recebeu o nome de Ieda Santos Delgado, estudante da UnB, militante comunista que desapareceu durante a Ditadura Militar, em 1964, aos 28 anos.
Ocupação de prédios abandonados
Thaís conta que o grupo vinha monitorando prédios públicos abandonados no DF desde quando o movimento foi trazido por ela para Brasília, em 2013, ao participar do movimento “Jornadas de Junho” no Rio de Janeiro, para onde tinha ido cursar Engenharia do Petróleo, até que descobriu o prédio abandonado que sediava a Casa da Cultura do Guará. “Este local é estratégico, porque é bem localizado, amplo e pode receber uma destinação social importante, ao oferecer um ambiente seguro para acolher mulheres em situação de vulnerabilidade e seus filhos”, diz. Ela explica que o Movimento Olga Benário oferece ajuda de psicólogos, advogados e assistentes sociais, todos voluntários, e caso haja necessidade, encaminha as vítimas para os órgãos do governo de proteção à mulher, como os programas Pro Vítima, da Secretaria de Justiça e Cidadania, Provid, da Secretaria de Segurança Pública, a Casa da Mulher Brasileira, em Ceilândia, a Casa Flor, em Taguatinga, e as duas Delegacias Especiais da Mulher, na Asa Norte e em Ceilândia.
Após a fase de estruturação do prédio, o grupo iniciou o atendimento às mulheres vítimas de violência às sextas e sábados, com a ajuda de advogados, psicólogos, assistentes sociais voluntários.
Sem receber recursos públicos ou de Organizações Não Governamentais (ONGs), o Movimento Olga Benário sobrevive de doações da comunidade, mas, basicamente, do que produz para gerar renda, como a venda da Cartilha do Movimento de Mulheres Olga Benário, da produção de camisetas, rifas e festas.