Tumultuada desocupação da antiga Casa da Cultura

Polícia usou da força para retirar ocupantes, móveis e objetos do prédio, por causa da resistência dos ocupantes e dos seus cerca de 50 simpatizantes que acompanharam a operação

Pela disposição do grupo ligado ao Movimento Olga Benário, manifestada em entrevistas e publicações nas redes sociais, a desocupação do prédio da antiga Casa da Cultura, no Cave, não seria pacífica. Como realmente não foi. Na manhã desta segunda-feira, a operação da Polícia Militar com cerca de 20 policiais foi recebida por um grupo aproximado de 50 pessoas, entre mulheres do movimento e simpatizantes, com xingamentos e tentativa de resistência, o que acabou em agressões físicas e até uma prisão. Mas a casa foi desocupada, mesmo que à força.

A pedido da Administração Regional do Guará, a Polícia Militar tentou, na segunda-feira passada, 14 de novembro, convencer o grupo, formado por 15 mulheres, a desocupar o prédio pacificamente, mas não foi atendida. A tentativa de desocupação ampliou a solidariedade de parte dos moradores ao movimento, principalmente ligados ao segmento cultural, que criticava o fato do órgão solicitar a retirada de um prédio que estava fechado há cerca de nove anos e estava praticamente abandonado, em vez de permitir o seu uso para o desenvolvimento de um projeto que se propõe a atender mulheres vítimas de violência. A Administração Regional, por seu lado, alegava que havia risco de segurança aos ocupantes, uma vez que um suposto laudo da Defesa Civil condenava as instalações.

Na quarta-feira passada, 16 de novembro, numa reunião na Administração Regional, o administrador regional, Roberto Nobre, reafirmou aos representantes do Movimento Olga Benário, do Conselho de Cultura do Guará  e à deputada federal Erika Kokay (PT), que acompanhou o grupo, a determinação de desocupar o prédio, mesmo diante dos pedidos de tolerância à ocupação. Sem qualquer sinalização do administrador regional de que seria atendido, o grupo de mulheres, com apoio de um grupo de advogados simpático ao movimento, ingressou na Justiça com o instrumento de “Obrigação de Não Fazer”, que impediria qualquer ação de desocupação à força. Mas, antes que a Justiça se pronunciasse, a Polícia Militar retornou para retirar os ocupantes e tudo que estava dentro da casa.

 

Resistência e prisão

A operação policial começou antes das 10h quando haviam poucas pessoas dentro da casa e terminou após as 13h, por causa da resistência do grupo e dos seus simpatizantes.

Na tentativa de evitar a retirada dos móveis e objetos, algumas das mulheres se posicionaram na entrada do prédio para impedir a entrada dos militares, e aí a operação ficou mais tensa. Uma das coordenadoras do movimento, Thaís Oliveira, foi presa por desacato e tentativa de agressão a um dos policiais, mas ela alega que apenas teria revidado a um empurrão de um deles. Ela foi encaminhada à 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul), responsável por prisões em flagrante, e depois de assinar um Termo Circunstanciado foi solta e vai responder o processo em liberdade.

Logo após a retirada dos móveis e objetos, um grupo, que chegava a cerca de 50 pessoas, se posicionou em frente ao pátio de Obras da Administração Regional, em frente à casa ocupada, na tentativa de impedir a entrada do caminhão dos móveis e objetos recolhidos para serem depositados. Para desobstruir o caminho e dispersar os manifestantes, a polícia usou gás de pimenta, o que provocou o desmaio de uma das integrantes do movimento, aumentando a revolta do grupo. Uma outra mulher quase foi atropelada por um veículo da Administração. Vídeos que circulam na Internet mostram a mulher tentando subir no capô do veículo e praticamente sendo arrastada por alguns metros.

A desocupação foi acompanhada por representantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa e da subseção Guará da Ordem dos Advogados do DF (OAB-DF).

Através de nota, a Administração Regional do Guará afirmou que pedido de desocupação foi provocada pelo risco de desabamento, alertada por um laudo que teria sido elaborado pela Defesa Civil há cinco anos, quando um grupo do segmento cultural tentou ocupar o prédio para instalar lá o Museu do Disco e o Clube do Blues do Guará, não foi autorizado e desistiu da ocupação. A Administração completa que o prédio está incluído no projeto de privatização do Cave e no local está prevista a construção do novo Centro de Convivência do Idoso (CCI) que será removido de onde está, ao lado do ginásio coberto do Cave.

“A Administração ressalta que o local é público e que, para a realização de quaisquer projetos em prol dos moradores deve passar pelo rito legal com pedido formal junto à Administração Pública com a devida apresentação do projeto. No entanto, o movimento desde o início posicionou-se de maneira contundente não apresentando pedido formal para ocupação e também impedindo a entrada de servidores da Defesa Civil para diálogo e nova vistoria do local.

A Administração Regional reforça que está impedida legalmente em permitir a ocupação irregular de imóveis públicos, tendo em vista a configuração clara e ilícita contra os ditames legais e constitucionais que resguarda” completa a nota.

Críticas à desocupação

Janete Silva, que há quatro anos tentou ocupar o prédio para instalar o Museu do Disco do Guará que ela criou, defende a permanência do movimento, até para ajudar a preservar a parte física do imóvel. “Na época, promovemos um mutirão de limpeza, recuperamos instalações, mas não fomos autorizados a ocupá-lo e resolvemos não entrar na marra. Depois disso, nada foi feito pela Administração Regional para preservar o espaço nas mínimas condições. A nossa sugestão é que seja concedida uma autorização de ocupação provisória ao movimento, enquanto se busca outras formas de autorizar definitivamente. Deixar o imóvel fechado e se deteriorando é um desperdício”, afirma.

Para o presidente do Conselho de Cultura do Guará, Rênio Quintas, “a decisão de retirar o grupo não se justifica. Não há risco de segurança das ocupantes, porque o tal laudo da Defesa Civil não existe ou não foi apresentado, e a comunidade só ganha com a permanência delas lá. É uma violência que está sendo cometida pela Administração do Guará”.

 

Como seu deu a ocupação

Fechado há oito anos, desde quando a Casa da Cultura mudou-se para sua nova sede, em frente ao Teatro de Arena, o antigo prédio que abrigou o órgão por mais de 20 anos , foi ocupado no final de outubro por cerca de 15 integrantes do Movimento Olga Benário, que oferece a apoio a vítimas de violência doméstica ou de preconceito. A do Guará é a 13ª ocupação do movimento em todo o país e a primeira no Distrito Federal.

A ocupação por enquanto é clandestina, porque não houve autorização do governo para a ocupação de um prédio público, mas o grupo aposta no apoio da comunidade para sensibilizar as autoridades a deixá-lo por lá, pelo menos enquanto não houver outra destinação para o imóvel – estava prevista a demolição da antiga casa para a construção da nova sede do Centro de Convivência do Idoso (CCI), que teria que mudar de lugar caso tivesse avançada a privatização do Cave.

Mesmo sem autorização da Administração Regional, o grupo limpou o imóvel para torná-lo habitável e em condições de oferecer o atendimento à comunidade. Aos poucos, as mulheres foram recebendo apoio de moradores, principalmente do movimento cultural, através da doação de alimentos, móveis e outros objetos. “Havia muita sujeira, muita goteira, mas estamos arrumando do jeito que dá, para que possamos oferecer o serviço de apoio às mulheres vítimas de violência”, explica uma das líderes do movimento, Thaís Oliveira.

As 15 mulheres, de 19 a 29 anos, que participam do movimento no Distrito Federal, se revezam em três grupos, sempre com um grupo de plantão na casa, para evitar que sejam surpreendidas com uma desocupação, e para estruturar a sede do movimento, com a ajuda de cinco homens, simpáticos à causa.

A casa do Guará recebeu o nome de Ieda Santos Delgado, estudante da UnB, militante comunista que desapareceu durante a Ditadura Militar, em 1964, aos 28 anos.

 

Ocupação de prédios abandonados

Thaís conta que o grupo vinha monitorando prédios públicos abandonados no DF desde quando o movimento foi trazido por ela para Brasília, em 2013, ao participar do movimento “Jornadas de Junho” no Rio de Janeiro, para onde tinha ido cursar Engenharia do Petróleo, até que descobriu o prédio abandonado que sediava a Casa da Cultura do Guará. “Este local é estratégico, porque é bem localizado, amplo e pode receber uma destinação social importante, ao oferecer um ambiente seguro para acolher mulheres em situação de vulnerabilidade e seus filhos”, diz. Ela explica que o Movimento Olga Benário oferece ajuda de psicólogos, advogados e assistentes sociais, todos voluntários, e caso haja necessidade, encaminha as vítimas para os órgãos do governo de proteção à mulher, como os programas Pro Vítima, da Secretaria de Justiça e Cidadania, Provid, da Secretaria de Segurança Pública, a Casa da Mulher Brasileira, em Ceilândia, a Casa Flor, em Taguatinga, e as duas Delegacias Especiais da Mulher, na Asa Norte e em Ceilândia.