Ela é filha (uma das três – os dois filhos já morreram) de um dos maiores pesquisadores em Botânica do Brasil, Ezechias Heringer, responsável pela descoberta de 73 espécies de orquídeas no Parque do Guará, uma das maiores diversidades da planta em um mesmo território limitado.
Junto com a família, Anajulia Heringer Salles, geógrafa por formação, acompanhou o trabalho do pai e até morou na área que se transformaria no Parque Ezechias Heringer, quando nem existia o Guará. Nesta entrevista, ela conta a saga do pai, que dá nome ao parque.
De onde vocês são e por que a família veio para Brasília?
Meu pai é de Manhuaçu, na Zona da Mata de Minas Gerais, mas foi trabalhar em Paraopeba para implantar a primeira estação florestal de Minas Gerais. Como o trabalho dele ficou conhecido, foi convidado pelo presidente Juscelino Kubstchek para vir coordenar um convênio florestal entre o Ministério da Agricultura e a Novacap na implantação das áreas verdes da nova capital. Terminado o convênio, ele foi chefiar o Departamento de Reservas da antiga Fundação Zoobotânica, que cuidava das áreas de pesquisa e as protegidas. Foi ele que sugeriu e coordenou a implantação da Estação Cabeça do Veado, onde é hoje o Jardim Botânico, a de Sobradinho, a do Gama. que hoje é um parque, e a do Ipê. Viemos em 1960.
Ezechias Heringer morreu quando e quantos anos teria hoje?
Ele morreu em 1987 e hoje teria 118 anos.
Qual a ligação dele com o Parque do Guará?
Quando chegamos, fomos morar num conjunto de casas dos engenheiros da Fundação Zoobotânica, próxima da atual sede do Parque. Não existia nem o Guará e nem o parque. Toda essa área onde é o Guará, Candangolândia e Riacho Fundo fazia parte de uma grande fazenda, a Bananal, que havia sido desapropriada do sr. Jorge Pelles, pai da esposa do ex-governador Joaquim Roriz, dona Wesliam. Meu pai e o Seu Jorge Pelles trabalharam juntos na Fundação Zoobotânica e eram muito amigos.
Até quando?
Até 1963, quando ele se aposentou do Ministério da Agricultura e foi convidado para ser professor de Agronomia e Biologia na UnB. Como não tinha mais direito de ficar na vila, comprou uma casa na Asa Sul e nos mudamos para lá.
Como era essa região na época?
Era um tesouro, um laboratório vivo, com uma variedade enorme de plantas do cerrado. Era uma região muito rica em espécies no DF. Aqui, ele coletou mais de 70 espécies nativas de orquídeas, a maioria terrestres. Hoje, já se sabe que existiam mais de 100 espécies. Na atual Reserva Biológica do Guará, que era um alagado, a gente pisava em orquídeas.
Você sabe se essas espécies foram preservadas? E onde estão?
Infelizmente a maioria desapareceu dessa área, principalmente por causa da ocupação desordenada do parque. Meu pai chegou a enviar várias dessas espécies para o Instituto Botânico de São Paulo, o maior do país, para que fossem confirmadas e catalogadas. Mas, a maior parte não conseguiu ser reproduzida em outro ambiente.
Ezechias Heringer ficou conhecido mais pelas pesquisas com orquídeas. Era a paixão dele?
Diferente dessa fama, as orquídeas não eram a única e nem a maior preocupação dele. Ele coletou mais de 35 mil espécies de plantas do cerrado, aqui e na Zona da Mata. Além das plantas, ele coletava fungo, solo e animais para preservação e estudo.
Esta região do Guará era mais rica do que o Jardim Botânico?
Muito mais. Principalmente de espécies de orquídeas. Várias delas só existiam na região do Guará e algumas só floresciam depois das queimadas, além de outras particularidades.
Que outras plantas diferentes ele identificou na região do Guará?
Não sei precisar tudo que ele coletou aqui mas, além da Habenaria heringer, da Thryphora heringuerii e do Podocarpus brasilienses que ocorrem aqui, durante a sua vida, ele coletou mais de 180 espécies novas em várias regiões do cerrado. Quando ele veio, quase nada se conhecia da flora do cerrado, principalmente como se reproduzia, como poderia ser cultivada. Os estudos nessa área estavam começando e meu pai se dedicou ao estudo das árvores e tinha algum estudo sobre elas, mesmo assim muito incipiente. Foi ele quem introduziu o eucalipto no DF, porque tinha experiência com a planta em Minas, que era cultivada para a produção de carvão vegetal para a mineração. O eucalipto foi introduzido como alternativa temporária assim como espécies frutíferas para sombrear as vias e as áreas adensadas. Era o que se conhecia na época.
Quando e por que Ezechias Heringer mereceu ter seu nome no Parque do Guará?
A iniciativa foi do deputado distrital Peniel Pacheco (primeiro deputado distrital morador do Guará), que conhecia a história do meu pai e a ligação dele com o parque. Em 1990, três anos após a morte dele. Peniel sugeriu, a Câmara Legislativa acatou e o governador Joaquim Roriz sancionou.