Consumo de drogas aumenta no Guará. Mas a repressão também

A descriminalização do porte e consumo de drogas tem provocado o aumento do consumo, principalmente em praças e durante à noite. Situação somente não é pior porque as principais facções que controlavam o comércio foram desarticuladas

Dona do quinto maior poder aquisitivo per capita do Distrito Federal, atrás apenas de Lagos Sul e Norte, Plano Piloto e Águas Claras, e com sua população formada por cerca de 28% de jovens entre 16 e 25 anos, de acordo com a última pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisa do Distrito Federal (IPDF), antiga Codeplan, a cidade do Guará é uma das preferidas dos traficantes, e, por consequência, uma das que mais consomem drogas entre as 33 regiões administrativas do DF. Contribuem também a localização centralizada da cidade, com rotas de fuga mais fáceis de acessar, e a grande quantidade de praças, que deixaram de ser espaço para lazer dos moradores para se tornarem ponto de consumo e venda de entorpecentes.

 


Tudo isso não é fato novo, mas o que tem chamado a atenção dos órgãos setoriais de segurança pública é a naturalidade com que o consumo tem acontecido na cidade, em parte por culpa do Código Penal, que reduziu esse tipo de crime a menor poder ofensivo, ou seja, não é permitido mas se for flagrado cabe no máximo um termo circunstanciado, nome do registro da ocorrência policial, e depois uma reprimenda do juiz que cuidar do caso durante audiência de custódia. As penas variam de obrigatoriedade de tratamento em clínicas e órgãos especializados, palestras ou serviços comunitários. Nunca a prisão. As penas mais severas são aplicadas apenas ao comércio.
De acordo com o comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar do Guará, coronel Adauton Santana da Conceição, essa descriminalização tem incentivado o consumo de drogas em espaços públicos, principalmente em praças. Segundo ele, cerca de 25% a 30% dos crimes flagrados pelos policiais militares no Guará se referem ao consumo ou tráfico de drogas. Pior, desse percentual, cerca de 90% acontecem no perímetro compreendido entre QE 40/Polo de Moda e QE 38, conhecida como “mancha negra da violência do Guará”, e uma parte menor dentro do Parque Ezechias Heringer, o Parque do Guará, na localidade conhecida como “biqueira”.
“Esses três locais tem exigido uma atenção especial da Polícia Militar, com rondas constantes, principalmente durante a noite, mas é muito difícil acabar com esse tipo de crime de uma vez porque envolve organizações criminosas bem montadas, disfarces e até porque a polícia não é onipresente, não tem como estar permanentemente no local do crime”, explica coronel Adauton Santana.

De acordo com o delegado Anderson Espíndola, titular da 4ª Delegacia do Guará, as quadrilhas organizadas do tráfico foram totalmente eliminadas, embora o comércio da droga não tenha diminuido no Guará. Pelo menos, segundo ele, a violência, por causa da disputa entre facções, diminuiu
Polo de Moda, o maior foco

Para o comandante do 4º Batalhão, o maior problema enfrentado pela polícia no combate ao crime no Guará tem sido o Polo de Moda, “por causa da configuração da quadra e, principalmente pela quantidade de quitinetes em oferta para aluguel, o que atrai traficantes, garotas de programa, principais responsáveis direta e indiretamente pelo comércio da droga”.
Como são irregulares e pequenos, esses imóveis atraem o inquilino de menor poder aquisitivo por serem mais baratos e, pior, sem necessidade de comprovação de antecedentes criminais ou de cadastro. “É pra lá que vão as pessoas que não conseguem alugar em outro lugar por causa das exigências de documentos ou de ficha limpa, ou que pretendem ficar por pouco tempo em um lugar enquanto praticam crimes”, explica o delegado chefe da 4ª Delegacia de Polícia do Guará, Anderson Espíndola. Essas facilidades tem atraído também cada vez mais garotas de programa, de acordo com a quantidade de anúncios publicados na Internet, tornando o Polo de Moda num dos dois endereços principais da prostituição no Distrito Federal – o outro é a região compreendida entre as 712/13 e 312/13 da Asa Norte.

Desarticulação de quadrilhas de traficantes

Até há dois anos, cerca de 80% da venda de drogas no Guará era controlada por algumas quadrilhas de traficantes, que tinham territórios demarcados, mas todas elas foram desmontadas por ações das polícias militar e civil em sucessivas operações de combate ao tráfico na cidade. Mas o desmonte dessas quadrilhas não significou a redução do consumo e circulação da droga na cidade – embora reconhecidamente tenha evitado uma proliferação maior – porque o espaço passou a ser ocupado por grupos menores e avulsos, e concentrados na chamada “mancha negra do crime no Guará”.
Para se ter uma ideia de como funcionava essa demarcação de território, o comércio de drogas na QE 38 era comandado por Ramires da Silva Leite, o Ramires, enquanto Luis Pancho Rodrigues Dias, o Pancho, e Carlos Alberto Lacerda, o Mancha, comandavam o Guará I, Janderkleyton Pereira de Souza, o Taynan, era dono do território das outras quadras do Guará II, principalmente QE 40/Polo de Moda. Todos estão presos. Sem contado direto com os comandados, os líderes não tem conseguido controlar o mercado na cidade como faziam antes.

O comandante da Polícia Militar do Guará, Adauton Santana, diz que a maior preocupação tem sido com as quadras abaixo da via contorno do Guará II, que respondem por cerca de 80% do comércio de drogas na cidade

Embora a desarticulação dessas facçoes não tenha reduzido o comércio de drogas no Guará, pelo menos reduziu a violência provocada pela concorrência e posse de território. Na época, essas quadrilhas foram responsáveis por pelo menos oito assassinatos em apenas um ano, alguns com requintes de crueldade, sendo que parte das mortes estava relacionada à disputa entre as facções por pontos de venda de drogas e outra parte por acerto de contas com quem não conseguiu cumprir acordos com os traficantes. Essa guerra facilitou a investigação policial na identificação dos seus membros e seus comandantes e, com a divulgação das fotos e informações sobre eles, a maioria foi presa com ajuda da população.
A quadrilha que comandava o território do Guará I, comandada por Mancha, tinha o local conhecido como “biqueira” dentro do Parque do Guará, ao lado da QE 9, como seu bunker, onde planejava a distribuição da droga aos pontos de venda e também recebia consumidores. A casa da quadrilha começou a cair com o assassinato e o esquartejamento do morador da QE 28, Anderson Rocha Alves, 35 anos, por ter pago com notas falsas de real a droga adquirida para revenda. Partes do corpo de Anderson foram encontradas na Estação de Tratamento de Esgoto da Caesb, no Lago Sul, depois de jogadas na rede que passa dentro do parque.
Segundo o delegado Anderson Espíndola, não há mais evidência de que as quadrilhas continuem agindo no Guará após dois anos da grande desarticulação delas. “Com o aumento da repressão, promovida pelas polícias Civil e Militar, não sobrou espaço para que outros grupos organizados ocupem o espólio deixado pelas facções antigas”, garante.