Quatro anos depois do crime que chocou a comunidade guaraense, o catequista acusado de praticar estupro de 14 menores finalmente foi encontrado. José Antonio da Silva, 51 anos, foi localizado no Hospital Municipal de Foz no Iguaçu internado depois de supostamente ter sofrido uma queda dentro de casa. Ele morreu na tarde desta quinta-feira, 28 de março. A 4ª Delegacia de Polícia do Guará recebeu, na manhã desta terça-feira, 26 de fevereiro, uma denúncia anônima pelo telefone 197, informando sobre a internação do catequista e, depois de confirmar a denúncia, acionou a Polícia Federal, que expediu ordem de prisão a ele, que estava sob custódia da polícia militar de Foz do Iguaçu até a confirmação da morte. Se tivesse sido preso com vida, José Antonio teria que cumprir pena de 162 anos, ao ser incurso nos Artigos 213, 214 e 218 do Código Penal Brasileiro, por estupro de vulnerável, acusado de ter abusado de 14 crianças de 4 a 10 anos – 13 homens e uma mulher. A polícia, entretanto, acredita em mais quatro casos comprovados, que ainda não foram denunciados formalmente. Na época em que o escândalo estourou, em dezembro de 2019, eram 18 casos suspeitos.
Logo após a divulgação das primeiras denúncias, José Antonio fugiu do Guará, onde morava com a mulher num apartamento da QE 40, com a ajuda de familiares, de acordo com imagens recebidas pela polícia. Desde o início de 2020, a 4ª Delegacia de Polícia do Guará tinha informações de que o catequista estava morando na região da Tríplice Fronteira, formada pelas cidades de Foz do Iguaçu (Brasil), Puerto Iguazu (Argentina) e Cidade del Este (Paraguai), mas não sabia exatamente onde. De acordo com o delegado titular da 4ª. DP, Anderson Espíndola, o mais provável é que ele estivesse morando fora do Brasil, para dificultar a sua localização e prisão.
A polícia já tem provas também que a família sabia do paradeiro do estuprador, porque uma irmã dele estava no hospital acompanhando a internação. “Isso leva a crer que ela estaria morando ou visitando ele”, afirma o delegado. O nome de José Antonio da Silva estava na lista vermelha da Interpol desde 2022, quando ele foi julgado à revelia pelos 14 estupros e condenado a 162 anos de prisão.
Estupros continuados
Os abusos cometidos por José Antônio ficaram ocultos até maio de 2019, quando um dos sobrinhos do acusado, hoje com 24 anos, resolveu procurar a polícia. Pai de um bebê, ele temeu que o crime se repetisse com o filho e denunciou o tio, considerado até então acima de qualquer suspeita. O rapaz, que prefere não se identificar, contou como José Antônio agiu, durante quatro anos seguidos: “Ele fez isso com todos os meninos da família. A psicopatia começou depois de uma certa idade. Um mais velho que eu e todos os mais novos também foram abusados”. De acordo com a vítima, as crianças eram violentadas aos domingos, quando a família estava reunida. “Algo muito ruim de se recordar”, diz.
O sobrinho afirma que decidiu denunciar o tio após uma comemoração do Dia das Mães na casa da avó. “Ele [José Antônio] foi dar a bênção ao meu bebê e aquilo me causou repulsa. Lembrei de tudo que ocorreu na minha infância e percebi, naquele momento, que eu tinha que fazer algo, caso contrário, aconteceria o mesmo com o meu filho”.
Segundo ele, após juntar coragem para denunciar o tio, outros primos apoiaram a postura e fizeram o mesmo. José Antônio teria abusado de pelo menos 12 crianças do núcleo familiar, de acordo com as denúncias recebidas pela polícia. Entretanto, o sobrinho lembra que apenas as vítimas continuaram com as acusações a José Antonio, que continuava sendo defendido pelos seus 12 irmãos, que não acreditavam nas denúncias.
Outras vítimas
Após a polícia tornar pública a imagem do catequista na época, mais uma vítima procurou a 4ª DP para denunciar um episódio de abuso sexual. O rapaz, hoje com 25 anos, tinha apenas 8 anos à época. Ele conta que passeava com o cachorro na rua quando José Antonio, acompanhado de um adolescente, perguntou se podia tocar em seus órgãos genitais. Mesmo com a negativa, ele segurou o pênis do garoto em uma calçada no Guará II.
“No caso dessa vítima foi apenas esta vez e cessou, mas isso colaborou com as investigações, pois o padrão coincide com denúncias de outras pessoas. Em nenhuma das situações houve ameaça, porque ele usava o dom da palavra para convencer as crianças”, explica o delegado Anderson Espíndola.
Segundo o delegado, o estuprador se valia da confiança que tinha dos familiares e levava as crianças para o quarto na casa dos pais, na QE 17 do Guará II. “Ele falava que mostraria desenhos, que eles jogariam videogame, e praticava os abusos, que variavam entre prática de sexo oral e penetração anal. Além disso, ejaculava na boca das crianças e dizia que aquilo era bom para elas crescerem fortes e saudáveis. Que era para eles aprenderem e, quando crescessem, praticar com as namoradas”, conta o delegado.
Como era professor de Catequese na Paróquia Divino Espírito Santo (Entre as quadras 32 e 34 do Guará II) e era monitor numa escolinha de futebol das QEs 38 e 40, José Antonio estava acima de qualquer suspeita, o que permitia continuar praticando assediando e cometendo o crime por vários anos sem ser descoberto. A acusação causou surpresa principalmente nos pais de alunos e nas pessoas que conviviam com o catequista, com exceção de algumas vítimas e de familiares dele, que tinham conhecimento dos crimes, mas não tinham coragem de denunciar, por vergonha ou medo.
Não provocava desconfianças
A esposa, como trabalhava o dia todo como professora, não desconfiava do que o marido fazia na sua ausência. Os pais das crianças também não, porque José Antônio era muito gentil e respeitoso na frente deles. Vizinhos o descrevem como uma “pessoa tranquila e amorosa” com todos que o conhecia. O curioso é que o acusado não tinha amigos adultos e nem renda fixa. Ele vivia cercado apenas de crianças, o que provocava admiração dos pais, segundo a polícia. Um dos pais que fez uma das denúncias conta que só ficou sabendo que seu filho, hoje com 14 anos, contou que José Antônio tentou pegar no pênis dele, mas que recusou o contato. “Meu filho jogava futebol com ele. Como iria desconfiar de um cara que era também professor de catequese?”, pergunta.
Enteada sofreu por muitos anos
A única vítima do sexo feminino, hoje com 19 anos, que acusa José Antônio Silva de abuso sexual, conta que morou mais de dez anos na mesma casa que ele, de quem era enteada. A violência, no entanto, segundo ela, aconteceu antes do casamento dele com a mãe. “A primeira vez, eu tinha 5 anos. Isso durou até eu completar 7 anos. Depois, nunca mais ocorreu”. A enteada ressalta que tinha medo de denunciar o agressor. “Não sabia que ele fazia a mesma coisa com outras crianças. Quando fui crescendo, comecei a entender o que ele tinha feito comigo. Tive de sofrer sozinha todos esses anos, sem poder contar para ninguém”, revela. “Tão logo tomei conhecimento de que meu primo denunciou, resolvi contar também (para a polícia). Achei que ele tivesse parado, não fazendo isso com mais ninguém, até eu ir à delegacia e saber de mais pessoas. Isso foi um choque para mim. Fiquei traumatizada”, afirma.
A mãe dela se separou de José Antônio depois da denúncia.
Mais denúncias
Depois da iniciativa do primeiro sobrinho, outros membros da família foram encorajados a contar à polícia o que também sabiam. Segundo a maioria das denúncias, José Antônio praticava os abusos na casa da mãe, na QE 17, onde morou até os 40 anos, e onde era conhecido como “Toin”, e depois de casado na QE 40 enquanto a mulher saia para trabalhar. Mas as vítimas não eram somente os parentes. A polícia chegou a receber 18 denúncias contra José Antonio, de pais ou de vítimas dele aliciados durante as aulas de catequese na paróquia Divino Espírito Santo e na escolinha de futebol.