Ela é um exemplo de superação, principalmente por causa da idade. Depois de perder um filho com 23 anos de forma traumática e dolorosa em 2009, um irmão e a mãe em 2010 e o companheiro para a Covid-19, Maria do Socorro Ferreira da Silva, moradora da QI 11 do Guará I, resolveu buscar atividades que lhe dessem força para enfrentar a saudade e a lacuna deixada pelos parentes queridos. Escolheu, por acaso, o fisiculturismo, onde conseguiu, segundo ela, reencontrar e restabelecer suas forças e a vontade de continuar vivendo. E essa escolha e a perseverança estão dando resultados que nem ela esperava. Aos 66 anos, Socorrinha, como é conhecida, vai disputar o Campeonato Sul-Americano de Fisiculturismo, em Assunção (Paraguai), para competir pela categoria Women’s Physique, entre os dias 12 e 16 de setembro, que terá a participação de cerca de 30 atletas de várias categorias. “Uma nova idade vai surgir todos os anos, mas sua mente, seu corpo e sua forma de envelhecer com saúde podem seguir um caminho diferente de tudo que a sociedade impõe”, ensina.
Com uma carreira reconhecida no fisiculturismo, Socorrinho busca não apenas conquistar medalhas, mas motivar aqueles que acreditam que a idade não é um obstáculo. “Sinto-me a criadora de uma renovação física, espiritual e emocional para aqueles que impõem limites à vida”, afirma. “Uma nova idade vai surgir todos os anos, mas sua mente, seu corpo e sua forma de envelhecer com saúde podem seguir um caminho diferente de tudo que a sociedade impõe”, reforça a fisiculturista.
Dedicação
A vaga para a competição internacional veio após bons resultados recentes. Nos últimos meses, Socorrinha participou do Campeonato Brasiliense, onde conquistou dois troféus (segundo lugar na categoria Women’s Physique e primeiro lugar na categoria Fit Pairs). Já no Brasileiro, realizado no Pará, também se destacou, alcançando três taças (terceiro lugar na categoria Women’s Physique até 1,62 m, terceiro lugar na categoria Women’s Physique Sênior e segundo lugar na Dupla Mix Pairs).
A agenda dela, no entanto, pode ter ainda mais desafios, uma vez que os títulos conquistados a credenciaram para o Campeonato Mundial de Santa Susanna (Espanha), de 31 de outubro a 4 de novembro. “Estou buscando apoio financeiro, pois os custos são bem altos”, anuncia. “Tenho fé que conseguirei. De toda forma, sigo firme na preparação”.
A preparação de Socorrinha para o Sul-Americano foi intensa e planejada. Desde outubro do ano passado, ela se dedica a uma rotina rigorosa, conciliando suas demandas na Ouvidoria da Novacap com dois treinos diários antes e após o trabalho. Faz uma hora de treinos físicos a partir das 5h da manhã e musculação durante a noite, além de ensaios de coreografia e poses nos finais de semana. Além disso, ela ainda arruma tempo para preparar as refeições balanceadas para o dia seguinte e cuida do irmão, comprometido por deficiência mental.
História de superação
Socorrinha começou a competir aos 50 anos, após a perda dos parentes queridos. Foi no esporte que ela diz ter se reencontrado e restabelecido forças em meio a tanta dor. “Todos nós temos perdas”, ensina. “O que faz a diferença é como cada um lida com isso. Essa foi a forma que encontrei para atenuar minha dor”.
Além de treinar diariamente no Centro de Treinamento André Torres, na QE 19, faz dieta e cuida do sono. Isso tudo nas horas vagas do trabalho – ela é chefe Ouvidoria-Geral da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), onde desempenha um papel crucial de levar a voz do cidadão para dentro da empresa, garantindo que as demandas, elogios, reclamações e sugestões das pessoas sejam ouvidas e atendidas de maneira eficiente.
Apesar das demandas de sua intensa rotina de trabalho e treinamento, Maria do Socorro acorda cedo e mantém uma disciplina organizada e perseverante. “Para conciliar a minha rotina de treinos e o trabalho, eu tenho que manter uma disciplina rigorosa, me dedico aos treinos por 45 minutos diários por toda a semana. A pergunta que sempre ouço com relação a isso é ‘como você consegue?’, e a resposta que costumo dar é: ‘não perco tempo pensando se conseguiria fazer, apenas vou lá e faço”.
Combate ao preconceito
Sua presença no mundo do fisiculturismo não apenas inspira, mas desafia as noções convencionais de idade e gênero. “Nós, mulheres, sempre sofremos preconceitos por participar de esportes considerados ‘para homens’. Já fui questionada várias vezes sobre possuir ‘braços fortes’. Ouço falas constantes, como ‘não namoraria uma mulher com o braço maior que o meu’ e até julgamento de outras mulheres”, lamenta a atleta. “Além do que, hoje, tendo a idade de 66 anos, ainda sofro etarismo. Algumas pessoas entendem que uma mulher na minha idade não apresenta condições de participar ativamente desse esporte e de muitas outras atividades na vida”.