Caos se repete – Córrego Vicente Pires volta a transbordar, invadir casas e provocar prejuízos aos moradores do Guará Park, um ano depois de enchentes e desastres semelhantes

Há um ano, algumas casas da Chácara 35 do Setor Guará Park foram inundadas pela enchente do córrego Vicente Pires durante 8 horas de chuvas intensas. O cenário voltou a se repetir neste domingo, 12 de janeiro, exatamente da mesma forma. O fato mais grave é que as chuvas que provocaram a enchente neste domingo foram de apenas 2 horas, ou seja, 6 horas a menos do que aconteceu há um ano.
Assim como no ano passado, cinco casas mais próximas do córrego foram inundadas e os moradores voltaram a perder quase tudo. A única diferença é que desta vez houve apoio direto do governo, que montou uma força tarefa, coordenada pela Administração Regional do Guará, para limpar a rua e as casas que foram tomadas pelas águas e pela lama, além da promessa de buscar meios de ajudar a reparar os moradores pelos prejuízos financeiros provocados pela enchente.
O próprio governo reconhece que as enchentes do córrego Vicente Pires aumentaram em intensidade e volume com as obras de drenagem, implantação de redes de águas pluviais, pavimentação, construção de lagoas de contenção, instalação de meios-fios e construção de calçadas no setor Guará Park, iniciadas há mais de três anos e que estão atrasadas por causa de imbróglios com as empresas contratadas para realizar o serviço. Uma delas chegou a abandonar a obra, o que levou o governo a promover nova licitação, provocando um atraso de quase um ano em um dos trechos.
O que mais preocupa o governo e os moradores afetados é que as chuvas costumam ser mais intensas em janeiro e início de fevereiro e não há prazo e nem condições de promover ações imediatas que evitem novas enchentes nas mesmas proporções. As obras de drenagem nas ruas do Guará Park, nas lagoas de contenção e no leito do córrego somente devem ser concluídas no final do primeiro semestre, no período de estiagem. Até lá, só resta aos moradores orar e torcer para que as chuvas até o início da estiagem sejam menos intensas do que as que caíram no domingo e em janeiro do ano passado.

Famílias afetadas e prejuízos recorrentes
Os moradores dos condomínios ao longo do córrego Vicente Pires reclamam de perdas materiais recorrentes provocadas pelos transbordamentos após o início das obras. Casas alagadas, móveis destruídos e o constante risco à segurança são parte da realidade de famílias como as de Suzeli Ferreira Gomes, que mora na Chácara 35 há 20 anos. Ela perdeu, pelo segundo ano consecutivo, a maior parte de imóveis e eletrodomésticos da casa. “Não sabemos mais o que fazer. Quando as chuvas ameaçam cair, é um desespero. Esperamos que o governo tome medidas rápidas e efetivas para impedir que isso continue acontecendo. Não podemos mais viver com esse medo”, desabafa. A mãe dela, de 80 anos, precisou pular o portão para escapar da água e o vídeo está circulando em redes sociais e mostrado por emissoras de TV.
Dorcília Maria da Silva, 76 anos, vizinha do lado e também moradora há 20 anos, aponta que os problemas com alagamentos começaram há dois anos, após o início das obras no Guará Park. Na avaliação dela, o acúmulo de materiais e a obstrução do córrego contribuíram diretamente para os alagamentos frequentes. “Desde que começaram essas obras, o córrego foi sobrecarregado e todos aqui têm certeza de que isso piorou muito a situação”, diz. Moradora da quarta casa entre as próximas do córrego, Maria Carla Barbalho, também moradora há mais de 20 anos, calcula os prejuízos em mais de R$ 30 mil com a perda de eletrodomésticos e móveis.

Promessas do governo
Suzeli diz que representantes do governo, incluindo o administrador regional Artur Nogueira, o secretário de Obras e representantes da Caesb, estiveram recentemente na área e prometeram realizar estudos para identificar possíveis soluções. “Eles falaram em uma reunião para discutir obras de rebaixamento e contenção, mas nada concreto foi feito até agora. Estamos aguardando e torcendo para que algo seja resolvido antes das próximas chuvas”. Apesar das promessas, a moradora se mostrou cética quanto à capacidade do governo de oferecer soluções rápidas durante o período chuvoso. “Acho que ainda vamos sofrer com isso por um bom tempo. Espero que, pelo menos, estudem a possibilidade de indenizações, porque os prejuízos têm sido enormes para todos nós. Só queremos viver em segurança. É muito difícil ver nossa casa sendo destruída ano após ano, sem perspectiva de melhora”.
Além da lentidão das obras, Helder Lima, morador da quinta casa na ordem, aponta a retirada da vegetação que protegia a área para uma obra da Caesb como uma das causas do transbordo do córrego, tornando o fluxo de água mais intenso e descontrolado. “Agora, a água sobe primeiro aqui e depois vai subindo para outros lugares. Estamos em risco e se nada for feito continuará acontecendo. A chuva de dois dias atrás já mostrou que o volume de água pode ser devastador”, diz ele.

Desafios para o GDF
Embora o GDF tenha se comprometido a realizar estudos para novas intervenções e a ampliar as obras de contenção, os moradores do Guará Park, principalmente os da Chácara 35, a mais afetada, ainda aguardam soluções concretas e mais urgentes. As ações provisórias são vistas como insuficientes. O córrego Vicente Pires segue sendo um ponto crítico, e os moradores continuam vulneráveis a cada nova temporada de chuvas. Uma solução mais abrangente e integrada, que considere o impacto das intervenções em toda a bacia hidrográfica seria essencial para evitar que os benefícios alcançados em uma região resultem em prejuízos para mais famílias.

 

Obras em Vicente Pires e reflexos no Guará

Córrego está sendo sobrecarregado e nas chuvas intensas transborda para condomínios mais abaixo

As obras de drenagem realizadas em Vicente Pires, uma das regiões do Distrito Federal que mais sofria com alagamentos, trouxeram alívio para os moradores da região vizinha. Entretanto, essas intervenções também provocaram uma série de impactos negativos para outras áreas, especialmente para o Guará, que agora enfrenta problemas de alagamentos causados pelo aumento do volume de água no córrego Vicente Pires.
O córrego atravessa diversas regiões antes de desaguar no Lago Paranoá e serve como limite natural entre o Guará e o Park Way. Ao longo de seu percurso, estão localizados condomínios horizontais como o Guará Park, Bernardo Sayão e IAPI. Com o desvio das águas pluviais de Vicente Pires diretamente para o córrego, a região do Guará passou a sofrer com transbordamentos frequentes, impactando diversas famílias que residem próximas ao curso d’água.

Obras insuficientes
O GDF JÁ investiu aproximadamente R$ 900 milhões em obras de drenagem e infraestrutura nos últimos anos na região, incluindo a construção de lagoas de contenção para reduzir os alagamentos. Em Vicente Pires, foram criadas 14 lagoas de contenção e 40 dissipadores, dispositivos destinados a desacelerar o fluxo da água, com um investimento total superior a R$ 340 milhões. Apesar disso, esses investimentos não têm sido suficientes para resolver o problema de forma integrada.
No Guará, uma das lagoas de contenção planejadas para ajudar no escoamento das águas pluviais não foi concluída, causando transtornos ainda maiores. As obras provocaram o desmoronamento de uma casa inteira nas proximidades da escavação da lagoa. Para os moradores, a falha em concluir a infraestrutura necessária é vista como um dos principais fatores que contribuem para os constantes transbordamentos do córrego Vicente Pires.
Não se pode, entretanto, culpar o governo por falta de esforço na resolução do problema. A construção de duas bacias de contenção no ano passado, capta as águas pluviais que descem do setor Bernardo Sayão, abaixo do Polo de Moda, e das QEs 38, 44 e das quadras novas (QEs 48 a 58), antes que sejam derramadas diretamente no leito do córrego Vicente Pires, evitando assoreamento e transbordo para as construções próximas.
No Park Sul, obras de urbanização estão sendo realizadas com um investimento de R$ 65 milhões, incluindo a instalação de 6,4 mil metros de galerias de drenagem e a construção de quatro lagoas de contenção. Já na Avenida Contorno (Guará II), melhorias na drenagem estão sendo realizadas como parte do recapeamento da via, com um investimento de R$ 6 milhões.