PROSTITUIÇÃO OFICIALIZADA NO POLO DE MODA

Funcionamento do bar Casa Vermelha trouxe luz ao desvirtuamento das ocupações quadra, que já concentra a maioria dos anúncios de garotas de programa do DF. E tem até uma casa de suingue

POR ZULEIKA LOPES, BLOG DA ZULEIKA
Situado em um local estratégico, no início da Rua 20 do Polo de Moda e saída para a descida do Núcleo Bandeirante, o bar ainda está sendo montado com o nome sugestivo de Red House, ou “casa da luz vermelha” na tradução para o Português. A vizinhança, entretanto, não se conforma. Fui pessoalmente lá, confesso que com um certo receio, mas fui só, apenas pedi que a ronda do 4º Batalhão da Polícia Militar desse uma passada para ver se tinha algo que pudesse comprometer minha integridade física.
Fui convidada a conhecer as instalações, bem humildes, composta por um salão principal, uma cozinha, um depósito e banheiros. O valor do aluguel do espaço é de R$ 4 mil, de acordo com os donos do negócio. Na parte de cima existem várias quitinetes ocupadas por outros moradores. Nada faz crer que ali seja uma casa de prostituição. Na varanda, apenas uma mesinha e uma churrasqueira. Os proprietários são casados e a mulher me disse que é nascida e criada no Guará. “Só quem me tira daqui é Deus. Temos toda documentação e alvará de funcionamento como bar”, afirma o marido, que prefere não ser identificado. Já a mulher garante que não vão mudar o nome do bar, porque foi escolhido por ela. “O que as pessoas tem contra a palavra ‘vermelha´? É uma cor como outra qualquer. Estamos nos instalando e com apenas cinco dias já estão querendo nos expulsar? Estamos trabalhando honestamente para pagar as nossas contas”, diz a mulher, indignada.
Desvirtuamento
Criada no final dos anos 1990 para ser um centro de desenvolvimento econômico, o Polo de Moda está localizado na QE 40 e foi uma luta aguerrida da empresária Lourdes Coelho com o então governador Joaquim Roriz. Já se passaram mais de 20 anos e hoje o Polo de Moda é um misto de tudo de bom e ruim. Começa escancarando um problema socioeconômico, que é a falta de moradia para os trabalhadores ou inquilinos de baixa renda. Por lá se abrigam os que não tem contracheque, não tem dinheiro para caução de uma imobiliária e não tem rumo também. Centenas de mães solos moram dentro de quitinetes que sufocam a infância. Mas, afinal, de quem é a reponsabilidade de tudo isso? Omissão governamental? Má fé dos que receberam os lotes com destinação específica para empresas do setor de confecções?
Entre quitinetes pequenas e apertadas, fruto da especulação imobiliária tolerada pelo governo, todos encontraram um lugar para chamar de lar, com muitas crianças, e aí que mora a preocupação dos pais. Na QE 40, Rua 7, lote 5, coexistem em um mesmo edifício, famílias e uma casa de suingue (troca de casais). Relatos da vizinhança dão conta de que as moradoras do subsolo, recebem os clientes vestidas de lingerie (roupa intima). Brigas noturnas, drogas e menores dentro da casa são constantes, segundo eles. Moradores dos apartamentos da parte de cima denunciam que a Polícia Militar é chamada quando a bagunça está demais, mas a casa de suingue nunca é fechada. Além das duas casas oficiais, existem nas redes sociais como Instagram, Tik Tok e Kwai, várias postagens com anúncios de garotas de programa no Polo de Moda. A coexistência entre prostituição e famílias não está nada fácil. Outras denúncias dão conta de que mulheres ficam apenas de calcinhas nas janelas das quitinetes para atrair clientes.
Afinal, prostituição
é legal ou não?
Daniel Pacheco Pontes, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, argumenta que a regulamentação da prostituição é controversa devido ao conflito entre direito e moral. No entanto, defende que o direito penal deve ser independente e proteger os direitos individuais. “Nesse sentido, se a pessoa está utilizando o seu corpo da forma que lhe convém, sem ser forçada, e sem passar por nenhum tipo de violência, este não seria um problema de Direito Penal.” Pacheco afirma que no Brasil a prostituição é permitida, o que significa que qualquer pessoa pode se prostituir sem o risco de ser presa, mas que, entretanto, existem muitos crimes associados a essa prática, previstos no ordenamento jurídico nacional. “Um exemplo bem conhecido é o crime de exploração da prostituição, que ocorre quando alguém lucra com o trabalho de outra pessoa nesse ramo”, explica.
A mestranda em pós-graduação em Antropologia Social da USP, Ana Carolina Azevedo, diz que, quando a ilegalidade da prostituição recai sobre terceiros e não criminaliza a pessoa que se prostitui, o modelo legal é chamado de abolicionista, e é adotado por países como Suécia, França e Inglaterra. A antropóloga observa que diferentes modelos legais produzem diferentes imagens das pessoas que trabalham no comércio sexual. “No caso do modelo abolicionista, a imagem que se forma da garota do sexo é de vulnerabilidade e fragilidade.”
 Ana aponta que a predominância dessa imagem não se concretizou no Brasil, devido ao movimento das prostitutas que lutam pelos seus direitos e pela regulamentação da profissão, exigindo melhores condições de trabalho e visibilidade. “Há mais de dez associações de prostitutas em diferentes regiões do País, demandando direitos e políticas públicas, lutando por protagonismo e visibilidade, exigindo melhores qualidades de vida e a regulamentação da profissão”, alega.
Embora a prostituição não seja uma profissão regularizada no Brasil, há a possibilidade de uma assistência do Estado. Segundo Pacheco, embora a Constituição Brasileira permita que a pessoa que se prostitui contribua para o INSS e se aposente como autônomo, na prática, essas pessoas acabam ficando em situações vulneráveis e precisam de ajuda para se proteger.
Especialista em Direito Penal, o professor sugere que, em vez de criminalizar a prostituição, seria mais benéfico regulamentá-la. Ele afirma que a criminalização poderia resultar em problemas significativos, uma vez que muitas pessoas seriam rotuladas como criminosas. Por outro lado, a regulamentação permitiria que a atividade fosse exercida dentro dos limites legais e com proteção. “Isso respeitaria a laicidade do País e separaria o direito penal da moral e da religião.”