Paulo Ataíde Cavalcante é o goiano mais guaraense que você vai ouvir falar nos últimos tempos. Atualmente ele reside no Parque das Aves, no setor Hípico Sul, próximo ao Zoológico, mas é figura carimbada nos eventos culturais e no comércio do Guará. Por muitos anos morou na cidade, viu boa parte de sua construção e crescimento nos anos 70 e garante que, para ele, “é a melhor cidade no DF para se morar, porque é perto de tudo, tem uma feira que é referencial, um complexo cultural (Cave) incrível, apesar de estar sendo mal utilizado, e é a cidade com maior número de praças no mundo. 99% dos meus amigos de verdade são do Guará”.
Ataíde – como gosta de ser chamado -, conta que na época em que veio para o Guará ela se parecia muito com as cidades de interior, as casas eram todas padronizadas e os moradores também seguiam um protótipo. As famílias conviviam muito bem e havia muitas festas de rua, como a tradicional festa de São João. Com o passar dos anos, alguns moradores se mudaram, outros tantos chegaram, muitos prédios com apartamentos foram construídos; fatores que na opinião de Ataíde descaracterizaram a cidade e a fez perder o seu ar bucólico.
Por veio para cá
Ataíde veio para o DF com 10 anos de idade, juntamente com seus pais e seis irmãos. Cresceu brincando no cerrado, desfrutando deste bioma tão rico e diversificado, e naturalmente um laço foi criado entre o garoto aventureiro e o meio ambiente que ele amorosamente chama de “velho amigo”. Aos 12 anos foi convidado por um professor da UnB para frequentar aulas na universidade, onde os desenhos do garoto na calçada chamaram a atenção do professor, mas Ataíde não levou a sério o seu talento e não prosseguiu nos estudos. Considerado um autodidata ele pintava, desenhava, escrevia e esculpia, mas nada profissional, mas apenas um hobby.
Ao longo da vida adulta trabalhou em diversas áreas, morou em muitas regiões do país, e aos 50 anos se descobriu enfim, mestre artesão e ecoartista. Inventou uma técnica a partir de matérias-primas encontradas no cerrado, e a denominou ecoarte.
Sementes, folhas, frutos secos, flores, cascas de árvores, “é tudo encontrado no chão, nada é arrancado da natureza e ao manuseá-los cada item é conservado como foi encontrado, não furo as sementes, não corto, procuro manter o mais original possível”, afirma o mestre artesão. A ecoarte é também um elemento para inclusão social, educação e conscientização ambiental, e que pode ser geradora de renda através da produção autossustentável.
Despretensiosamente também foi a forma como ele produziu uma série de quadros que pintou e intitulou “Pensando Oscarmente”. As telas ecologicamente corretas utiliza o papelão (como tela), e as molduras são feitas de talos de buriti, madeira típica do cerrado, que são retiradas sem agredir o meio ambiente. Os quadros homenageiam o arquiteto Oscar Niemeyer – seus traços e suas colunas – e os pioneiros que idealizaram e construíram a capital federal. As obras retratam também o cenário político pelos olhos do mestre artesão, e, claro, não podia faltar uma pitada de ironia em meio a tanta autenticidade.
Novos projetos
Atualmente, seu ateliê está passando por reformas para receber alunos de dois projetos que ele idealizou que a partir de abril de 2018 estarão em funcionamento. O primeiro é o “Brasilinhas – Brasil em linhas” destinado às viúvas, mães solteiras e mulheres divorciadas que precisam trabalhar e não tem onde deixar os filhos. O projeto já foi aprovado pelo FAC (Fundo de Apoio à Cultura) e tem como objetivo garantir uma renda a essas mulheres através da tapeçaria, uma técnica nova que Ataíde criou. O próprio artesão vai ensinar o ofício e posteriormente comprar a produção delas para revender. No Brasilinhas as mulheres poderão levar seus filhos enquanto tecem.
O outro projeto em andamento é o “Artes tarde do que nunca” que é pensado nos idosos, que muitas vezes por falta de atividades e motivação entram em depressão. Ataíde acredita que através da arte e do artesanato os idosos podem recuperar a confiança e a vontade de viver, além de poderem desfrutar do contato com a natureza, já que o ateliê/escola funcionará dentro do parque. Ele planeja instalar redes debaixo das árvores e criar um ambiente onde eles realmente se sintam bem, se socializem e produzam suas artes.
Ataíde já teve as imagens de seus quadros impressos em camisetas e outros objetos comercializáveis e participou de dezenas de exposições no DF – na Câmara Legislativa, na Praça dos Três Poderes, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães entre outros locais, e em Goiás, mas não vende suas obras originais. “Cada uma é única, tem uma história e se eu vender para uma pessoa particular outras pessoas no futuro não terão acesso àquela tela, e eu acredito que todos devam ter acesso à cultura”, explica Ataíde.
Sobre suas peculiaridades e a forma como trabalha ele é enfático: “eu sei quem eu sou, eu sou meu próprio conhecimento. Não tenho nada contra quem aprende e reproduz determinados tipos de artesanato, acho super válido, mas comigo não deu certo, minha mente está sempre à frente, gosto das coisas mais rápidas e dinâmicas, por isso inovei e criei a ecoarte.”
Ataíde Cavalcante, mais que um artesão, um mestre
Ele achou que o talento artístico fosse um passatempo, mas aos 50 anos não deu para conter tanta criatividade