SEM ORELHA – Como o pânico propagado pelas redes sociais transformou um praticante de pequenos furtos no símbolo da violência no Guará

Ladrão especializado em furto a residências, que responde a 19 inquéritos mas nunca ficou preso antes, provoca questionamentos sobre audiência de custódia

A segurança – principalmente a falta dela – é o assunto que viraliza com maior facilidade nos grupos sociais. E o assunto mais comentado na internet nos grupos da cidade nas duas últimas semanas foi a novela da prisão/soltura do ladrão conhecido como “Sem Orelha”, que tem “tocado o terror” nos moradores do Guará I, de acordo com as postagens na Internet.
Como normalmente as notícias de crimes e insegurança são aumentadas em tamanho e volume quando viralizam, as informações que circulam é que Eric Ribeiro Calmom, o Sem Orelha, teria sido preso pela 31ª vez e novamente solto após audiência de custódia. A suposta nova soltura provocou irados protestos de moradores e internautas nos grupos de WhatsApp e Facebook. Alguns defenderam até execução dele por considera-lo “um mal da sociedade”.
Mesmo tendo sido transformado num símbolo da falta de segurança pública na cidade, Sem Orelha não é tão violento como na imagem que pintaram dele. Nas 19 ocorrências – e não 31 como está sendo divulgado – ele teria ameaçado as vítimas com faca apenas três vezes, quando era menor de idade. Todas as outras foram por furto a residências, a especialidade dele, para manter o vício em crack.

Não tão perigoso
Para o delegado titular da 4ª DP, Johnson Kennedy, Erick é mais um ladrão compulsivo que busca recursos para manter o vício do que um marginal perigoso que possa atentar contra a vida de alguém. “Isso não quer dizer que ele não se torne violento em caso de reação da vítima. De alguém que está no crime pode se esperar tudo”, adverte o delegado.
Imagens da prisão dele feitas pelos policiais militares durante a prisão e divulgadas pela TV Record mostram uma pessoa insegura, bem diferente do cinismo característico da maioria dos presos quando são mostradas ao público. Quando era jogado no camburão da polícia, ele gritou “mãe, vem comigo!”.

Começou cedo no crime
A vida criminal de Sem Orelha começou em 2013, quando tinha 15 anos. Filho de uma carroceira que ganha a vida fazendo frete e recolhendo reciclável, moradora de um barraco do Parque do Guará nas proximidades do Cave, Erick passou a praticar pequenos furtos para comprar a droga que tinha se tornado dependente. Até 2016, quando completou 18 anos, ele foi apreendido oito vezes por furto, receptação e desacato, e três vezes com o uso de arma (faca). Como maior de idade, responde a sete inquéritos, todos por furto a residências, o último deles na semana passada, quando foi flagrado pela Polícia Militar com duas bicicletas furtadas. Imagens da câmara da casa da vítima, dona das bicicletas, mostrando o furto, circulam na Internet.
Uma semana antes do flagrante, Sem Orelha havia sido preso por furto, mas solto pela Justiça após audiência de custódia.
Pelo furto das bicicletas, por pouco Erick não foi novamente solto pela Justiça. A liberdade dele chegou a ser autorizada pela Vara Criminal e do Tribunal do Júri do Guará no dia 10 de março. De acordo com o despacho da juiza de Direito, Thais Araújo Correia, após a audiência de custódia, afirma que “apesar da gravidade da conduta, não há elementos que indiquem que sua liberdade causará alguma perturbação à ordem pública. Desse modo, não há necessidade da manutenção da prisão, sendo suficiente a imposição de outras medidas cautelares”. …“Confiro a esta decisão força de mandado de intimação, para que o indiciado seja posto em liberdade, salvo se por outro motivo estiver preso”. E tinha.
Como havia dois outros inquéritos contra Erick em aberto, a Justiça manteve a prisão dele até o julgamento. Depois de ficar cinco dias preso na carceragem da Polícia Civil, Sem Orelha foi encaminhado para o presídio da Papuda, onde vai cumprir pena.
O despacho da juíza circulou na Internet, aumentando a indignação dos moradores contra o criminoso e contra a Justiça. “Apesar de ter sido preso em flagrante, ele não oferece perigo”… Como assim? Apesar de ser pego em flagrante, ele não oferece perigo? Perigo é só se matar alguém? O que atormenta não são os grandes assaltos e sim a invasão a nossas casas, o assalto ao trabalhador que rala para sustentar a família e o faminto estado. Perdemos o nosso direito de ir e vir!”, escreveu uma internauta num dos grupos de guaraenses do Facebook.
Pelo menos, desta vez, Sem Orelha está preso. Até quando, é difícil de imaginar.