R$ 131 mil para evento da própria igreja

Administrador do Guará utiliza praticamente toda a verba de cultura da cidade em evento gospel, onde as atrações principais são da igreja de onde ele é pastor

Entre os destaques da programação está o cantor Lex, da Sara Music, selo ligado à igreja do administrador regional

Na sexta e sábado, uma grande estrutura tomou conta do estacionamento no Ginásio do Cave. A Administração Regional divulgou que uma Virada Cultural Gospel encerraria as festividades do aniversário da cidade. Na sexta, várias bandas ligadas a igrejas evangélicas ocuparam o grande palco montado. Como atrações principais estavam, segundo divulgação da própria Administração Regional do Guará, Lex e DD Júnior. Ambas as atrações são ligadas à igreja Sara Nossa Terra, a mesma instituição onde são pastores o próprio administrador do Guará, Luís Carlos Júnior, e Rodrigo Delmasso, deputado distrital autor da emenda parlamentar ao orçamento de R$ 150 mil destinada ao evento.

Segundo o administrador, as outras bandas foram convidadas por pastores convocados por ele a um café da manhã em seu gabinete, uma semana antes do evento. O próprio administrador assume que era o único representante da Sara Nossa Terra na reunião, as outras igrejas representadas, que indicaram bandas foram a Igreja Maranata e a Igreja de Deus.

Record nas Cidades

No sábado pela manhã, a estrutura locada pela Administração do Guará foi cedida para um evento da TV Record até as 13h. Quiosques de alimentação e sorteio de prêmios de uma empresa de títulos de capitalização ocupavam o estacionamento. A atividade foi parcialmente transmitida ao vivo pela rede de TV ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, que no Distrito Federal tem em seus quadros políticos filiados ao Partido Republicano Brasileiro (PRB), entre eles são filiados Rodrigo Delmasso e Luis Carlos Júnior, deputado distrital e administrador regional que proporcionaram o aporte de dinheiro público ao evento. À tarde a programação foi de responsabilidade da rádio comunitária Guará FM, que é concessão de uma associação cultural ligada também ao movimento evangélico.

O administrador Luis Carlos Júnior argumenta que a Virada Cultural Gospel foi organizada apenas para aproveitar a estrutura contratada para o evento da TV Record e não teria custos extras para a cidade. Mas, na verdade, como toda a estrutura é alugada por dia, o evento custou o dobro do previsto por causa do evento religioso.

No termo de Referência elaborado pela Administração Regional do Guará para as contratações do evento, constam a locação de sistema de sonorização e iluminação de grande porte, cinco tendas piramidais, um palco de grande porte, cobertura geodésica para o palco, painel de led, locação de equipamento de captação de imagem, mobiliário para camarim, banheiros químicos, gerador de energia, alambrados, um coffe break para 70 pessoas (para abastecer o camarim dos artistas), brigadistas, seguranças, vigilantes, lixeiras e até djs e fotógrafo. Tudo isso sempre previsto para dois dias de evento, para garantir o funcionamento da Virada Cultural Gospel, o evento da rede de televisão e da financeira de títulos de capitalização e o Guará FM nas cidades.

Exceção com emenda de Delmasso

A Administração do Guará não realiza licitações e contratações de serviços há três anos. Toda a verba alocada no órgão é depois transferida para outras Secretarias de Estado para a execução. Mas, uma exceção foi aberta justamente para a execução dos R$ 131 mil reais para bancar a estrutura destes eventos. As contratações foram feitas por adesão à ata de preço, e publicadas no Diário Oficial do Distrito Federal de quinta-feira, um dia antes do evento. Tratam-se de cinco processos de contratação simultâneos.

A Administração afirma que nenhuma das atrações culturais cobraram cachê, e assinaram um termo de voluntariado para se apresentarem. As bandas convocadas pela Guará FM são de responsabilidade exclusiva da rádio, sem nenhum vínculo com a Administração. E que não houve nenhum tipo de patrocínio ou qualquer tipo de apoio financeiro de empresas da cidade para o evento.

Dinheiro para a cultura

O Conselho de Cultura do Guará afirma que não foi consultado sobre a utilização do evento. O atual presidente do conselho, Hamilton Zen, afirma que esta emenda parlamentar havia sido prometida pelo próprio Administrador para que o Conselho publicasse um edital e selecionasse projetos da cidade para receberem aporte Estatal. O deputado Rodrigo Delmasso nega esta vinculação de uma emenda parlamentar de sua autoria com o Conselho de Cultura. O deputado ainda afirma que “por ter caráter meramente consultivo, não cabe ao Conselho de Cultura tratar sobre os recursos oriundos de emendas parlamentares”. Mas, desde a sanção da Lei Orgânica da Cultura, em dezembro de 2017, os Conselhos de Cultura deixaram de ser órgãos meramente consultivos e passaram a ter o poder de deliberar e fiscalizar o uso de verbas públicas para a cultura nas cidades.

Perseguição

O deputado Rodrigo Delmasso reafirma que não há imoralidade e ilegalidade no uso de verba do Governo do Distrito Federal para financiar eventos das igrejas as quais é ligado.  “O segmento gospel sofre perseguição e discriminação no Distrito Federal. Qual o problema de um deputado evangélico apoiar um evento do segmento? Os deputados são justamente eleitos para representar suas classes e não há problema nenhum em indicar verbas para eventos desta natureza”, explica o deputado. Ele atribui as denúncias sobre o uso de verba da Administração do Guará para eventos gospel a “perseguições políticas e ideológicas contra o segmento evangélico, típicas da época de eleições”. “O que pedi foi que fosse tudo feito dentro da legalidade, o ideal é que o recurso fosse empenhado pela Secretaria de Cultura, mas foi feito pela Administração do Guará, não vejo nenhuma incompatibilidade ou imoralidade nisto”, completa Delmasso.