UMA CASA DE MUITO APOIO

Complexo no Cave abriga crianças de outras regiões em tratamento de câncer, e suas mães

Há dois anos, Marcela Barroso, 34 anos, moradora de Boa Vista (Roraima) quase entrou em desespero após o diagnóstico de que a filha Alice, 3 anos, tinha câncer nos rins. Sem condições financeiras para fazer o tratamento, ela não tinha a menor ideia do que fazer. Mas o próprio hospital público que fez o atendimento encaminhou Alice para o Hospital da Criança, em Brasília, onde poderia receber tratamento especializado. “Resolvido de um lado, surgiu outro problema: não tínhamos condições de acompanhá-la tão longe durante o tratamento. Foi quando surgiu a Abrace para nos acolher aqui na Casa de Apoio. Se não fosse essa assistência, minha filha poderia não estar mais aqui. Hoje ela está curada e viemos agora apenas para revisão após um ano de alta médica”, afirma Marcela, uma das mães de 30 crianças assistidas na Casa de Apoio do Guará.

Danielle e o filho Jonatas se sentem em casa

A Casa de Apoio foi criada pela Abrace para abrigar as famílias de outras regiões do país com os filhos em tratamento no Hospital da Criança José de Alencar, em Brasília, o mais especializado do país nesse tipo de tratamento. O prédio, no Cave, servia de residência oficial dos administradores regionais do Guará, até que, em 1992, a então presidente da instituição Lúcia Rosa, moradora da cidade, teve a ideia de requisitá-lo para oferecer o suporte que a Abrace precisava. O pedido foi levado inicialmente à então primeira dama do DF, Wesliam Roriz, que pressionou o governador Joaquim Roriz a ceder a casa, que não era mais usada como residência oficial.

Marcela, de Roraima, poderia ter perdido a filha se não tivesse recebido o abrigo da Casa de Apoio

Como estava há algum tempo fechada e precisava de reparos, a casa também teve que ser adaptada para receber as famílias com conforto e sem risco à imunidade das crianças em tratamento. Toda a reforma foi custeada por voluntários, entre doadores individuais e empresas, principalmente de material de construção. Surgia a Casa de Apoio, inicialmente com capacidade para atender 42 pessoas, entre pacientes e acompanhantes (somente a mãe). Com o tempo, as instalações foram ampliadas e modernizadas, e hoje é um complexo preparado para ajudar na recuperação em qualquer estágio da doença.
Para Danielle Soares dos Reis, 27 anos, moradora de Goiânia a Casa de Apoio “caiu do céu”, porque ela não teria condições de ficar em Brasília para acompanhar o tratamento do filho Jonas, 5 anos, diagnosticado com Aplasia da Medula Óssea, câncer descoberto em novembro do ano passado. “Nunca tinha visto falar na Abrace, até quando o hospital nos explicou o que era e como podia nos ajudar no tratamento. O apoio que recebemos aqui nunca iria imaginar que aconteceria. Temos tudo o que precisamos, inclusive muito carinho”, diz ela, emocionada. Enquanto passa uma temporada indesejada em Brasília, Danielle fica longe da filha menor, de três anos, que continua em Goiânia, com o pai. “A saudade do marido e da filha é muito grande, mas a causa é maior”, diz ela, resignada.

Ampliada
A Casa de Apoio pode acomodar até 62 pessoas, entre crianças em tratamento e mães acompanhantes. Além do alojamento para 50 pessoas (25 mães e filhos), uma ala especial tem capacidade para 12 transplantados, inclusive uma área de isolamento para os casos de infecção ou de necessidade de assistência médica mais complexa.
Há dois anos, a Casa de Apoio ganhou também o Bloco Pedagógico, onde as crianças podem continuar seus estudos durante o tratamento, que às vezes pode ser longo, sem perder a grade curricular que recebiam nas suas escolas de origem. Além dos estudos, ministrados por professores do Centro de Ensino Fundamental 5 (QI 20 do Guará I), as crianças recebem atividades extracurriculares através de voluntários da área de educação.

 

Brechic, um bazar para ajudar

Arrecadação da venda de produtos doados subsidia famílias carentes com filhos em tratamento contra o câncer

Muito comuns em instituições de assistência social, os bazares de produtos usados costumam ser sazonais, ou seja, apenas em determinadas épocas do ano. Já o bazar Brechic da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace), na Casa de Apoio do Guará II, é permanente e oferece produtos de boa qualidade, mesmo usados. E até produtos novos, fruto de doações de voluntários e de lojas. É possível encontrar peças de grife de roupas, calçados e acessórios por preços que variam de R$ 5 a R$ 10 apenas.
O bazar tem dois objetivos: além de gerar renda para reforçar o caixa da instituição, oferece oportunidade às famílias das crianças assistidas adquirir produtos que, por causa de sua condição financeira, teriam dificuldades de comprar no mercado. E mesmo assim, essas famílias não precisam gastar do seu próprio bolso para adquirir os produtos, porque elas recebem o Cheque Social, uma espécie de vale compras com determinado limite, que é definido conforme a condição de cada família.
Mas qualquer interessado de fora pode fazer suas compras no bazar, que está sempre sortido de produtos variados, sem limite de valor e quantidade. O mix depende das doações e algumas vezes não há oferta de produtos masculinos, como o estoque desta semana. Além de produtos usados, o bazar recebe doações de roupas novas de algumas lojas de grife, que repassam parte dos produtos que sobram da venda de cada estação.
Moradora do Sol Nascente, em Ceilândia, Mayane Frota, 25 anos, abastece seu guarda-roupa e o do filho de um ano e meio, assistido pela Abrace no tratamento contra um tumor cerebral, no Brechic. “Como tenho que dedicar praticamente todo o meu tempo ao meu filho, não tenho renda para fazer compras em outro lugar. Além do tratamento sem qualquer custo para nós, a Abrace ainda nos oferece essa oportunidade”, diz ela.

Móveis e outros produtos
Mas a oportunidade de comprar produtos baratos e de boa qualidade não é apenas no Brechic. Como recebe doações de volumes maiores, a Abrace promove bazares temporários de móveis, eletrodomésticos e outros produtos, novos e usados.
Todas as doações são pré-selecionadas antes de colocadas à venda, para ver o que está funcionando e quais as condições de conservação. “O que não é aproveitado pela Abrace nos bazares, fazemos doações a outras instituições carentes, que tem condições de recuperá-las ou aproveitá-las no estado em que estão”, explica Arisson Tavares, um dos responsáveis pela triagem das doações.
Quando há um lote mais significativo de móveis e eletrodomésticos, a Abrace repassa para o Parque dos Leilões, na AE 8 (QE 38) do Guará II, onde pode ser apurado um valor maior na venda.
Além da oportunidade de comprar e ajudar a Abrace, qualquer pessoa pode doar também. As doações podem sem deixadas na Casa de Apoio da Abrace, no Cave, atrás da igreja Tenda da Libertação, ou, podem ser recolhidas – basta ligar para a Central de Doações 3212.6000.

 

Como surgiu a Abrace

Em 1986, um grupo de cinco mães de crianças em tratamento de leucemia no Hospital de Base receberam da chefe do Banco de Sangue, Nazareth Peruccelli, sugestão para criar uma associação de apoio às famílias que tinham dificuldade de acompanhar o tratamento dos seus filhos, ou por falta de condições financeiras ou de apoio material e psicológico, principalmente as famílias que vinham de outras regiões do País. Nascia então a Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias, com a sugestiva sigla “Abrace”.
Naquela época, cerca de 30% das crianças com câncer morriam porque não recebiam tratamento completo ou porque não tinham condições de permanecer em Brasília durante algum tempo, mesmo sabendo que estavam comprometendo a sobrevivência dos seus filhos. Mas faltava o espaço físico para o amparo a essas famílias enquanto aguardavam o tratamento dos filhos. O que conseguiram foi uma sala próxima ao ambulatório do Hospital de Base para o atendimento aos pacientes e seus familiares. Ainda era pouco. Até que, em 1992, surgiu a oportunidade de ser criada a Casa de Apoio, no Guará, para abrigar as famílias de crianças em tratamento de outras regiões do país.

Para a presidente Maria Ângela a comunidade do Guará tem sido muito solidária

Casa de Apoio
Mas a Casa de Apoio ainda seria pouco. Em 1996, Ilda Peliz conheceu a Abrace por causa do tratamento de sua filha com apenas dois anos de idade. Mesmo com condição financeira para sustentar o tratamento, ela foi encaminhada à Abrace para troca de informações. A filha não resistiu, mas ela resolveu abraçar a causa e assumiu a instituição, já pensando na criação de um hospital especializado no tratamento do câncer infantil. Com a ajuda do governo, que cedeu o terreno na Asa Norte, próximo ao Setor Noroeste, a Abrace começava a construção do hospital em 2004 até ser inaugurado em dezembro de 2008. Em 2009, a gestão foi transferida para a Secretaria de Sáude. Nascia o Hospital da Criança José Alencar, um dos principais colaboradores da Abrace como pessoa física e como membro do governo quando foi vice do presidente Lula.
Mesmo sob a responsabilidade do governo, o hospital é gerido por uma organização social, instituição sem fins lucrativas, criada pela Abrace, junto com a comunidade. Referência nacional, o hospital é procurado por famílias de todo o país.
Para manter a Casa de Apoio e os programas de ajuda aos pacientes e suas famílias, a Abrace conta com recursos do telemarketing, de doações de voluntários, leilões de bens doados pela Receita Federal e do Brechic. “A comunidade tem sido muito solidária, principalmente a do Guará, que está sempre presente e contribuindo financeiramente ou prestando serviços voluntários”, afirma a presidente da Abrace Maria Ângela Marini Ferreira, que sucedeu Ilda Peliz há dois anos. No total, são 517 voluntários, desde médicos, enfermeiros a profissionais de todas as áreas, sem contar os milhares que colaboram com doações financeiras através do telemarketing.