“No início era apenas uma dor, como outra qualquer na região do estômago. Dava para aguentar, não era todos os dias, não me importava muito. Mas daí ela foi se intensificando, começou a incomodar, pensei que fosse gastrite ou alguma coisa do gênero. Eu era uma pessoa extremamente cuidadosa com minha saúde, me alimentava muito bem, fissurada em ter um corpo bonito, malhava, era disciplinada na rotina de exercícios. Cuidava da parte estética e consequentemente obtive bons resultados e estava muito feliz com meu corpo, na minha opinião, eu tinha um corpo perfeito.
Com o aumento da dor e também da frequência com que ela aparecia, chegou ao ponto de não suportar mais. Me lembro exatamente do dia em que estava com minha mãe e fomos comer, a dor veio forte no abdômen. Ela ficou muito preocupada e disse que iria marcar um médico para mim, insistiu de todas as formas, mas eu disse que não. Como eu não tinha convênio médico e sabia da situação da saúde pública, a demora que ia ser até conseguir me consultar, imaginando que não ia dar em nada. Aquele dia passou.
Um tempo depois fui acompanhar minha avó em uma consulta e contei ao médico sobre minhas dores e ele pediu para me examinar. Ao apalpar meu abdômen ele sentiu algo anormal, e me encaminhou para fazer uma ecografia. Fiz o exame e na conclusão estava escrito que eu tinha esplenomegalia. Nunca tinha ouvido falar nisso, era o aumento do baço, e a causa poderia ser muitas coisas, HIV, leucemia, linfomas, etc. Eu tinha pavor da palavra câncer, e quando fui mostrar o resultado do exame para o médico não tive coragem de entrar na sala, minha mãe entrou sozinha.
O médico disse que pela cor da minha pele (muito pálida) aliado ao resultado do exame certamente era leucemia ou linfoma, mas não era a especialidade dele e precisávamos procurar outro médico. Graças a Deus, minha mãe era uma pessoa muito forte, e esteve comigo todo o tempo. Ela tentou me poupar de qualquer preocupação. Conseguimos uma consulta com um clínico no HRAN que me internou imediatamente. Lá, entre muitas agulhadas e falta de informações soube que estavam colhendo meu sangue dezenas de vezes em vão, pois faltava material no laboratório, assim o sangue era descartado e nenhum exame era feito. Muito indignada e sem perspectiva de tratamento exigi que me dessem alta hospitalar e assim continuei minha peregrinação em busca de respostas.
Minha mãe mais uma vez, me amparando em todos os momentos e com toda dificuldade fez um convênio médico para mim. Com isso consegui (pela emergência, pois estava em carência no convênio) uma consulta com uma hematologista, que me internou novamente, dessa vez no Daher. Uma semana inteira fazendo exames de sangue e imagem, todo tipo de exame possível eu fiz, mas só no final da semana que fizeram o exame de medula. Ainda nesse momento não me passava pela cabeça ter um câncer. Sempre que via ou ouvia histórias de pessoas com câncer meu coração se partia de compaixão e imaginava que não suportaria lidar com essa doença.”
Esse é o relato de Márcia de Oliveira Freitas, 41 anos, secretária executiva por formação, casada com Wellington Ferreira, que sonhava ter um filho e poder amamentá-lo. Uma guaraense determinada que sabe como ninguém o valor de cada minuto de vida, apaixonada por animais e que luta veementemente há 11 anos contra um câncer incurável, segundo a medicina, o linfoma de baço com infiltração medular, um tipo que só aparece em pessoas idosas, mas que surgiu em Márcia com apenas 30 anos de idade.
Quase um mês depois de ter coletado o exame de medula no Daher, saiu o resultado, mas não era conclusivo, ainda. Indicava que era um linfoma, só não especificava qual tipo. A cirurgia para a retirada do baço seria o primeiro e fundamental passo para novas descobertas (através de biopsia), e também para evitar que ele se rompesse causando danos maiores à sua saúde. O convênio não autorizou a cirurgia, e ela voltou para o HRAN onde fez a cirurgia.
Ao longo desses 11 anos de tratamento, muitas alegrias e tristezas fizeram parte da trajetória da guaraense. Márcia se casou e teve que lidar com a dor do luto. Perdeu sua mãe e seu pai vítimas de câncer, mas conseguiu recuperar as forças e continuar persistente em busca da sua cura. Um dos motivos pelos quais ela encontra motivação é o pequeno João Miguel F. O. Mascarenhas, seu sobrinho, que proporciona à Márcia momentos mútuos de carinho e uma dose ânimo a mais.
Tratamento
As sessões de quimioterapia ela é incapaz de contar a quantas já foi submetida ao longo dessa caminhada. Atualmente Márcia está inclusive em tratamento quimioterápico. A cada dois anos ela precisa passar por esse tratamento, pois entre meio a esse período os focos se espalham pelo corpo, sendo que a “raiz” localizada na medula espinal não é extinta totalmente. Márcia teve que afastar-se do trabalho por conta dos constantes exames, procedimentos, internações e cirurgias – já passou por pelo menos 4 grandes e se prepara para outra agora em outubro, dessa vez no intestino.
Para arcar com as despesas que são altíssimas (ela toma 16 tipos de remédios diariamente), Márcia já fez bolos para vender, organizou bazares, rifas frequentemente e também participa de uma campanha virtual no vakinha.com.br – procure por Márcia de Oliveira Freitas e faça sua contribuição. As doações são muito importantes para que ela continue na busca pela cura e pela melhor qualidade de vida, já que os efeitos colaterais de tantos remédios e tratamentos trazem consequências desagradáveis ao corpo de Márcia.
Ainda que pareça um destino sofrido e atribulado, Márcia mantem seu espírito esperançoso diante de um futuro desconhecido. “Eu tenho um câncer, mas o câncer não me tem. Eu não vou desistir nunca, me deram 8 meses de vida e lá se foram 11 anos. Vou fazer o possível e o impossível, tenho muitos sonhos ainda para realizar. Acho muito feio as pessoas dizerem com auto piedade que estão “sobrevivendo” diante de uma adversidade qualquer, a vida foi feita para ser vivida, cada dia com toda a intensidade possível, fazendo o nosso melhor, vivendo e sendo gratos!”, ressalta Márcia.