36 anos do Jornal do Guará – Para que serve um jornal comunitário?

Em março de 1983, circulava a primeira edição do Jornal do Guará, o segundo periódico comunitário mais antigo do Distrito Federal. Nesses 33 anos ininterruptos, foram 775 edições, hoje distribuídas semanalmente. A cidade foi construída nos anos 70 e consolidada lentamente ao longo dos anos 80, e o Jornal do Guará documentou a construção dessa comunidade, suas particularidades e seus símbolos.
O Jornal do Guará foi narrador e protagonista da construção de uma das cidades mais bem equipadas e com melhor qualidade de vida do Distrito Federal, posicionando-se com a comunidade em torno de questões que atingiam a cidade diretamente, como as mudanças arquitetônicas, a consolidação do parque ecológico, o desenvolvimento local, a gestão política e a visão cultural.


Ao longo desse tempo, o processo artesanal para montagem de um jornal mudou. Os fotolitos, as montagens, a datilografia, as revelações são agora obsoletos. O JG (ou Jornal do Guará), na rede mundial de computadores, chega à casa de qualquer pessoa em segundos, assim que a notícia acontece. É fabricado dentro de uma máquina e reproduzido em milhares de cópias impressas em minutos, da editoração eletrônica à fotografia digital. As redes sociais e a instantaneidade da comunicação interconectada que distribuem cada nova edição a milhares de leitores em segundos. Mas a essência do jornalismo é a mesma, assim como a essência do Jornal do Guará. Um modesto jornal comunitário que sobreviveu à massificação dos meios de comunicação.
Jornalismo é a história contada no exato instante em que acontece. Folhear o Jornal do Guará, desde a sua primeira edição, é entender a história da cidade, compreender os fatos que levaram à sua fotografia atual. Ter como missão criar as condições para que uma população ciente de sua história tenha orgulho de seu povo. Aflora em uma população bem informada a sensação de pertencimento a uma comunidade e, por consequência, as suas capacidades de desenvolvimento social e econômico são potencializadas. Assim, a trajetória do jornal confunde- se constantemente com a trajetória do Guará e ambas são escritas na voz futura. Ao relermos o passado contado como a novidade incrível, como o que está para acontecer, lidamos com o ápice da incerteza dos dias que virão.
Em cada edição desses 33 anos, o JG contou os acontecimentos e, principalmente, revelou os planos de nossos cidadãos e governantes. Tornaram públicos os projetos de desenvolvimento, as ideias dos guaraenses, as aspirações políticas, as indagações das lideranças e as previsões para um futuro que passou, ou seja, as notícias que relatavam há 30 anos os projetos vindouros agora são história. Outras previsões, projetos e ideias nunca aconteceram. Muitas se tornaram hoje no que nos orgulhamos de chamar de Guará. O Jornal do Guará, baseado no que sabia, então, fez também suas previsões. Quantas vezes aspirou desvendar o nome do administrador antes do anúncio oficial, ou tentou entender os próximos investimentos do Estado, ou como nossos cidadãos se comportariam. Acertou algumas vezes. Mas errou muitas e provavelmente continuará a errar. Essa futurologia lógica, esse historiar o presente é que faz do jornalismo peça fundamental no desenvolvimento de qualquer povo. Traz à tona a grandeza de tornar público o que é privado, de dar a todos o poder da informação.
Em busca da história da cidade podemos agora nos deparar com a narrativa da consolidação de uma cidade no Brasil. Um fato raríssimo, possível no Distrito Federal por conta da sua recente fundação. Quando a primeira edição circulou, a cidade do Guará tinha apenas 14 anos. Imagine quantas vezes isso foi possível. Um veículo de comunicação narrar o crescimento de uma cidade inteira desde os seus primeiros anos. Percebe-se que as páginas guardadas das edições antigas do Jornal do Guará continham o passado narrado em tempo presente. Uma perspectiva diferente de se olhar o passado. Uma ferramenta para os estudantes e, principalmente,para os líderes e os governantes, para que conheçam bem o passado a fim de compreender os problemas presentes.


O jornalismo comunitário
A principal diferenciação do jornal comunitário de outros veículos de comunicação impressos é o seu objeto de interesse jornalístico. Voltado a uma comunidade específica, atende à demanda de comunicação de seu grupo pertencente. Não se constrange ao conversar diretamente com seu grupo ou ao focar-se em seus limites geográficos ou ideológicos.
Diferentemente dos meios de comunicação tradicionais e de maior porte, não se considera isento da realidade que retrata. É pautado justamente pela realidade a que pertence. Suas escolhas editoriais são guiadas não pela simples necessidade de informar imparcialmente um fato, mas pela urgência de entender e explicar o mundo a sua volta os fatos que norteiam seus conterrâneos
Esta é a característica mais importante do jornal comunitário: a proximidade com seu objeto de reportagem e com seu público. Supre as expectativas de uma comunidade estabelecida e reconhecida como tal. Além de voltar suas pautas à comunidade é integrante dela. Por desenvolver papel de aglutinador de opiniões, o jornal comunitário passa a ser o recorte estético da comunidade onde está inserido, sendo agente mediador de suas discussões. Apresentando a cidade a ela mesma, direciona o pensamento dos integrantes do grupo social a uma consciência de unidade comunitária. O simples foco geográfico ou segmentação ideológica não define um jornal comunitário. Um jornal comunitário só pode ser considerado como tal se reconhecido pela sua comunidade. Isso não apenas define o veículo, como define também sua postura e sua pauta, – essa definição é imprescindível para o entendimento claro do papel de um jornal comunitário.
Por reportar, com foco qualitativo, a sua comunidade, o jornal comunitário é referência comunicacional de seu público. É mediador das opiniões e vetor dos acontecimentos daquele grupo social. Por propor-se a ser este instrumento, passa também a ser importante agente na formação da identidade do mesmo grupo social. Como controla parte do fluxo sociocultural, acaba por exercer importante papel político na formação da opinião coletiva. Por pertencer ao seu objeto de retrato, a imparcialidade erroneamente atribuída ao jornalismo torna-se mais distante.


A tendência de um veículo de comunicação extremamente ligado ao assunto que reporta é a de intervir para ressaltar os interesses que representa, ainda que exponha os outros aspectos da notícia. Como define Paulo Freire, “toda neutralidade proclamada é sempre uma escolha escondida, à medida que os temas, sendo históricos, envolvem orientações valorativas dos homens na sua experiência existencial”. Um jornal comunitário consolidado não é apenas responsável pela indexação do pensamento coletivo, mas também por dar forma final a este. A centralidade social do veículo de comunicação comunitário é a mesma que garante o protagonismo do emissor na comunicação.
Ao assumir a posição de portador da concepção ideológica de uma comunidade, o jornal comunitário assume a responsabilidade da criação de uma hegemonia de pensamento, mesmo que efêmera e mutável, como consequência de sua atividade principal. É justamente esta proximidade com seus personagens que faz do jornal comunitário propriedade coletiva. Mesmo sendo veículo privado e controlado por seus criadores, o jornal comunitário tem tamanho compromisso com seu público que passa a ser instrumento deste. Distanciando-o do controle de grandes grupos e interesses políticos e econômicos, quando estes estão desalinhados com o pensamento coletivo. Torna-se difícil o controle externo de um jornal comunitário para atender a interesses particulares, já que o público que o legitima é também o povo que o pauta e fiscaliza. Diferente dos grandes veículos de comunicação de massa, a mesma proximidade com o público que define a comunicação comunitária é a que molda seu conteúdo e discurso.
Enquanto os grandes veículos têm a comunicação em si como fim, ou seja, tem como principal atividade a transmissão de informações ao seu público, os veículos comunitários têm neste processo apenas um meio. O ato de transmitir a informação é utilizado também como ato de transformação social. Para Mauro Wolf, autor do livro Teorias da Comunicação de Massa, “os meios de comunicação comunitários têm assim o potencial de ser, ao mesmo tempo, parte de um processo de organização popular e canais carregados de conteúdos informacionais e culturais, além de possibilitarem a prática da participação direta nos mecanismos de planejamento, produção e gestão. Contribuem, portanto, duplamente para a construção da cidadania”.

Para ler todos os exemplares do Jornal do Guará, desde sua fundação, acesse:
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