Mãe reencontra filho sequestrado há 38 anos

Moradora do Guará teve Bebê levado em frente ao Hospital Regional do Gama. Ela nunca desistiu de encontrar o filho e conseguiu com ajuda da Polícia Civil

O rosto que estampou capa de jornais, programas de TV e sites brasilienses e brasileiros durante a semana sobre o reencontro da mãe com o filho roubado há 38 anos é familiar para o guaraense. Sueli Silva foi durante muitos anos funcionária da escola O Colibri, na AE 8, ao lado do Rogacionista e da via contorno do Guará II, e braço direito da professora Marta Rochael. Ele também foi casada com o ex-goleiro Toinho, do Clube de Regatas Guará e dono de uma empresa de transporte escolar.
A história de Sueli comoveu os brasilienses porque é semelhante à de Pedro Rosalino, o Pedrinho, que foi levado dos pais biológicos e encontrado mais de 20 depois com uma a sequestradora, em Goiânia, epopeia acompanhada com muito interesse pela imprensa. A história de Sueli começou em 11 de fevereiro de 1981, quando seu filho, a quem deu o nome de Luis Miguel, foi levado de seus braços logo após ela sair da maternidade do Hospital Regional do Gama. Tudo aconteceu quando ela foi a um orelhão telefonar para sua patroa para comunicar que estava voltando e, ao deixar a criança como uma mulher enquanto ela ligava, nunca mais o viu. Mas, 38 anos depois, o filho, que agora tem o nome de Ricardo, foi encontrado em João Pessoa, onde foi criado e mora. A história só teve um final feliz por causa da persistência de Sueli e o esforço da Polícia Civil do DF, que se comoveu e investigou o caso até descobrir o paradeiro do filho dela. A confirmação de que Ricardo é o mesmo Luis Miguel veio nesta quarta-feira, confirmado pelo exame de DNA. Os dois já conversaram por câmera do WhatsApp e devem se encontrar na próxima semana.
Estuprada ainda menor
O primeiro capítulo dessa história começou em 1972, quando Sueli, então com 9 anos, órfã de mãe e abandonada pelo pai, e mais quatro irmãos foram levados pelo avô a um orfanato em Corumbá de Goiás, criado pela professora Marta Rocha Rochael, da antiga escola O Colibri. Aos 13 anos, Sueli teria sido estuprada pelo filho de dona Marta várias vezes. Por causa da violência, ela tentou se matar com veneno de formiga e depois de ter a denúncia ignorada pela mãe do rapaz. Grávida dele, ela foi encaminhada pela proprietária do orfanato para morar com um casal que tomava conta da escola no Guará, até a nascer a filha Juliana, registrada apenas com o nome da mãe, por ordem da avó.
Em 1980, quando trabalhava na escola O Colibri, Sueli teve um breve relacionamento com um policial militar, de quem engravidou sem que o pai soubesse, porque ele estava se mudando para o Canadá. “Foi tudo muito rápido. Tivemos um relacionamento de cerca de três meses. Não sabia mais como encontrá-lo, mas tinha certeza que queria ter e cuidar do meu filho”, conta. Em fevereiro de 1981, Luis Miguel nasceu. Entretanto, Marta Rochael desconfiava que seu filho também seria o pai.
Quando saia da maternidade com o recém nascido, foi orientada pelo casal com quem morava, a ir a um orelhão ligar para dona Marta, mas que deixasse o filho aos cuidados de uma mulher apresentada pelos dois. A dona do orfanato e da escola não gostou da notícia e disse a ela que entregasse o filho para adoção, já que não teria condições de criá-lo, sob pena de levar os irmãos dela para um abrigo de menores infratores. “Implorei, supliquei, mas ela não me deixava falar, bateu o telefone e, quando voltei em direção ao carro, em prantos, meu filho já não estava lá. A mulher que cuidada dele também desapareceu”, lembra. Sueli não tem dúvidas de que tudo foi armado por dona Marta, o casal e o médico, para que a mulher levasse a criança.
Sem condições de morar sozinha, ela continuou morando no barraco nos fundos da escola O Colibri com o casal por 22 anos, onde conheceu e casou-se com o ex-goleiro Toinho, que depois ficou conhecido como “Tio Toninho” do transporte escolar. Desse relacionamento, nasceu um casal de filhos, hoje universitários. Além de ter perdido Luis Miguel, Sueli também perdeu a filha Juliana, fruto do relacionamento com o filho de dona Marta, morta após um choque anafilático. Até que em 2004, depois de passar em um concurso público, ela conseguiu sua independência financeira. A vontade de encontrar o filho era cada vez maior, até que em 2012, após a morte de dona Marta Rochael, ela resolveu denunciar o caso à polícia. As investigações começaram pelo médico que fez o parto e a ficha do nascimento no hospital. Lá constava que a criança teria nascido com uma anomalia chamada de sindactilia, quando dois dedos dos pés ou das mãos são grudados. A partir daí, a polícia começou as buscas até encontrá-lo.
Nunca acreditou
na morte do filho
Até começar a busca, Sueli tentava ser convencida por dona Marta que a criança teria morrido. “Mas sentia que não era verdade. Sabia que ele estava vivo. Orava todos os dias pela vida dele”, diz ela. Em 30 de julho de 2013, ela escreveu, à mão, uma carta enviada à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF). No texto, Sueli explica o motivo de só procurar as autoridades após mais de 30 anos dos fatos: “Passei muito tempo paralisada em pequenos trilhos, acreditando que, mesmo impotente, deveria ter feito algo no dia. Gritar, pedir socorro. Acredito que a Justiça teria me ouvido. Mas estou certa de que vou encontrar meu filho, covardemente tirado de mim”.
No documento, ela escreveu em detalhes toda a sua história desde 1972. E, finalmente, foi ouvida. A denúncia deu origem a um inquérito instaurado no mesmo ano, na 14ª Delegacia de Polícia (Gama). Com base no relato, os policiais iniciaram uma investigação complexa, que mudaria não só a vida de Sueli, mas a do filho e a da equipe envolvida nas diligências.
Na próxima semana, finalmente a história terá o fim completo, quando mãe e filho, separados há 38 anos, vão se encontra.