Por Stephânia Walker Dourado
Domingo é dia de eleição, não com a mesma dimensão da escolha de governadores, senadores, deputados federais e distritais há um ano, mas de muita importância para a sociedade, porque envolve a seleção dos responsáveis pelas políticas de atendimento ao menor e adolescente de cada cidade para os próximos quatro anos. A eleição deste ano está mais movimentada do que as anteriores, por causa da facilidade da divulgação dos candidatos nas redes sociais e também por ter se tornado um bom emprego em tempos bicudos, com salário de quase R$ 5 mil.
Apesar de não ser obrigatório votar, é muito importante que a população compareça e faça uma escolha consciente, já que o cargo de conselheiro tutelar é significativo, porque são eles que zelam pelos direitos das crianças e adolescentes de cada região. “Quem for votar deve se ater ao currículo dos candidatos, porque a escolha não é para um cargo ou emprego qualquer, mas para quem vai tratar de um tema muito sensível, que é a garantia dos direitos infanto-juvenis”, destaca o conselheiro Afonso Alves da Silva, um dos três candidatos à reeleição – dois não vão concorrer novamente.
Para se ter uma ideia da importância do Conselho Tutelar, o do Guará já recebeu cerca de 1.200 denúncias em 2019, sendo a negligência (falta de cuidado com a criança) uma das maiores queixas. Esse tipo de chamado vem especialmente por parte das escolas e creches. Violência física, psicológica e sexual vem em seguida. Outra demanda na cidade é a falta de vagas em creches, e é o Conselho Tutelar que promove a ação para exigir do Estado o direito da criança estudar. É também o Conselho que averigua se alguma criança não está estudando por negligência dos pais ou responsáveis e determina que ela frequente as aulas regularmente.
Serviço sobrecarregado
O grande número de chamados tem sobrecarregado os cinco conselheiros da cidade. “A nossa demanda é superior à capacidade de atendimento, que na maioria é presencial, mas fazemos muitas visitas e apuramos denúncias pessoalmente. O Conselho do Guará abrange uma área muito grande, que inclui a área urbana e a região do Sof Sul Colônia Agrícola Águas Claras (Guará Park), Bernardo Sayão e Iapi”, explica Wandir Oliveira Morais, conselheiro que está em seu segundo mandato. Para efeito de comparação, o SIA tem uma população total de 2 mil moradores e tem a mesma quantidade (cinco) de conselheiros do Guará, que tem uma população estimada em 150 mil moradores, sendo que cerca de 33 mil são crianças e adolescentes.
E os desafios não param por aí. Alisson Marques, que está em seu segundo mandato como conselheiro no Guará, afirma que “o trabalho é muito grande e desafiador, estamos aqui para tentar fazer com que o Estado, os pais e a sociedade ofereçam as condições necessárias para que as crianças se desenvolvam da melhor forma possível. Só que, ao determinar medidas, que muitas vezes não são cumpridas pelo Estado, o direito da criança é violado, mesmo o Conselho Tutelar fazendo em tudo a sua parte”.
Segundo Alisson, em alguns casos não bastam apenas atendimentos pontuais como aplicar medidas de proteção, orientar e conversar com os pais. “Algumas famílias demandam de um atendimento multidisciplinar, de psicólogo, assistente social, de atendimento na rede de saúde ou de educação, e para o Conselho Tutelar funcionar de verdade é preciso que o Estado ofereça condições nessas áreas para que as famílias sejam respeitadas e o objetivo principal seja garantido”, analisa.
Demanda maior na escola pública
A maior responsabilidade pelo aumento dessa difusão dos crimes envolvendo menor é da Coordenação Regional de Ensino, que encaminha ao Conselho Tutelar todos os casos de ausências continuadas dos alunos à sala de aula e alerta para os sinais de violência verificados nos menores. “Também estreitamos o relacionamento da Rede Social do Guará, através de contatos frequentes com a polícia, a Vara de Infância, o Centro de Referência e Assistência Social (Cras), o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e passamos a ter cadeira no Conselho Comunitário de Segurança do Guará (Conseg). Isso abriu um leque de novas demandas”, completa o conselheiro Álisson Marques.
Para aumentar essa conscientização na comunidade, os conselheiros promovem palestras, caminhadas de combate ao abuso da exploração sexual, e muita orientação, que pouco a pouco tem despertado a população sobre o que é correto ou não com relação às crianças, e que ao sinal de maus tratos ou qualquer direto violado é preciso pedir ajuda ao Conselho Tutelar.
Adriana Desidério Carvalho está em seu terceiro mandato no SIA, mas nessa eleição concorrerá junto com os candidatos do Guará, por conta da ausência de seção eleitoral na região administrativa vizinha. No total serão eleitos 10 conselheiros nas seções do Guará – os cinco mais bem votados ficarão no Conselho Tutelar do Guará e os outros cinco no conselho do SIA. A conselheira ressalta que há um grande índice de violação de direitos relacionados à convivência familiar e exploração do trabalho infantil na região. Para combater o desrespeito às leis de proteção dos menores, Adriana aponta que “é necessário conscientizar a população, através de planejamentos políticos adequados, de que o Conselho Tutelar é um órgão de extrema importância na sociedade, devendo ser atuante e trabalhar em conjunto com a própria sociedade”.
Ainda de acordo com a conselheira, “a sociedade precisa ter ciência do verdadeiro significado da criança e do adolescente, da importância deles para o futuro do país e dentro do âmbito público deve haver políticas públicas de proteção fortes. Acredito que a mudança começa no interior do ser e aos poucos vai sendo passado para todo o âmbito social”.
Falta de estrutura do governo
O aumento da demanda por outro lado evidencia um outro problema, de acordo com os conselheiros. “Falta estrutura no governo para os atendimentos que encaminhamos, porque o Conselho faz apenas a triagem e a resolução passa a ser de cada órgão específico. Mas, a maioria deles está sucateada, não tem pessoal especializado ou em quantidade suficiente, não dispõe de veículos, entre outras deficiências”, afirma Afonso Alves.
No quadro de demandas do Conselho do Guará, um dos casos mais comuns são de negligência da família no acompanhamento na escola e no que o jovem está fazendo fora de casa. Segundo os conselheiros, na maioria dos encaminhamentos das escolas, os pais não acompanham a frequência dos filhos. “Isso é meio caminho andado para a marginalidade, porque na rua eles podem ser cooptados por traficantes de drogas, participar de gangues ou serem levados ao crime”, adverte o conselheiro Leonardo Urcini.
Outra denúncia frequente é de violência sexual contra o jovem na própria família. “Geralmente isso acontece porque o infrator tem a confiança da criança. E depois do crime, vem as ameaças para que a vítima não conte o que aconteceu”, adverte Afonso.
Origem nas drogas
As drogas estão na origem da maioria dos crimes infanto juvenis, pelo levantamento dos conselheiros do Guará. “Somos procurados por mães desesperados que não sabem mais o que fazer para tirar seus filhos do mundo das drogas. O que podemos fazer é reunir a família e tentar ajudar na solução, que deve partir de dentro de casa. Os jovens nessa situação são encaminhados para Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), mas são tratados junto com os adultos”, critica Urcini.
Além da falta de estrutura do governo, os conselheiros sofrem também com as ameaças dos agressores e até dos jovens que são denunciados “matando aula”. “Com o aumento da demanda e a redução do apoio, o nosso trabalho está ficando cada vez mais difícil, mas essas dificuldades não diminuem a nossa vontade de defender o menor de idade”, garante Wandir.