De Natália Portinari/O Globo
Reinier era o mais novo das peladas na quadra de chão batido perto de casa, no Guará, região administrativa do Distrito Federal a apenas 18 km do Palácio do Planalto. Mas o talento e a classe não faziam daquele garoto, que despontaria no Flamengo, o mais fominha do grupo.
— Ele dava tanto passe para os moleques fazerem gol que eu até reclamava. Dizia “deixa de ser Papai Noel, vai ficar dando presente para os outros?” — conta o tio José Maria Carvalho.
A passagem diz muito sobre a personalidade de Reinier Jesus Carvalho, revelação rubro-negra, que está prestes a ser vendido ao Real Madrid por 30 milhões de euros (R$ 135 milhões). Ele estreou no profissional do Flamengo no segundo semestre do ano passado. Disputou só 15 jogos, mas fez seis gols e deu duas assistências, números que respaldam a aposta dos merengues. No Brasileiro, das seis partidas em que saiu do banco, marcou três vezes.
A ida do Rio a Madri não assusta a família. Será mais uma das tantas mudanças na vida do jogador, às vésperas de completar 18 anos. Ele deixou o Distrito Federal aos 9 rumo a Niterói para treinar futsal no Vasco. Passou ainda pelo Botafogo e pelo Fluminense até começar no futebol de campo do Flamengo, aos 12.
O interesse pela bola veio de berço. O pai, Mauro Brasília, jogou na seleção brasileira que conquistou o mundial de futsal em 1985. Ele jura que não forçou o filho a seguir o caminho dele. As irmãs — que ainda moram no Guará e devem se mudar com a família para a capital espanhola com o provável desfecho da negociação —, atestam que o interesse foi espontâneo.
— Quando ele tinha dois, três anos, jogava bola no corredor do apartamento. A parede do corredor era toda manchada — conta a irmã mais velha, Estephanie.
Apesar da mãe e do tio flamenguistas, Reinier cresceu cercado de botafoguenses na família paterna. Alguns se converteram, mas o assunto é tabu, “para não dar briga”. Obrigado a torcer pelo rival, o tio José Luís Carvalho mandou fazer uma camisa metade Botafogo, metade Flamengo.
Garoto do Ninho
A família, de classe média, não passou por aperto — Reinier nunca teve que ir ao treino de ônibus, segundo o pai — mas também não esbanja riqueza. O jogador e as irmãs estudaram em escola pública, no Guará, e passaram a infância brincando na rua, sempre jogando bola e recebendo instruções técnicas de Mauro Brasília.
No início de 2019, ainda no sub-17, viu muitos de seus colegas morrerem na tragédia do Ninho do Urubu. Sua irmã, Estephanie, leu uma notícia que dizia equivocadamente que Reinier estava entre os mortos. Ligou para a mãe, que lhe garantiu que o irmão estava dormindo em casa. Ao contrário das vítimas, ele tinha uma estrutura bancada pela família para morar no Rio. Em campo e nas redes sociais, passou a fazer homenagens frequentes aos amigos.
Com a promoção ao profissional, Reinier não teve férias nos últimos dois anos. Se for de fato para a Europa, ele terá estrutura melhor para treinar e um calendário menos caótico, além de ganhar salário sete vezes maior, na estimativa do pai, que não revela o valor exato.
— Ele está desgastado aqui, sem férias. Isso lá fora não acontece. No Brasil é muito desgastante e você acaba correndo alguns riscos, porque é uma carreira relativamente curta — pontua Mauro.
Para Mauro, por motivos culturais, os jovens no Brasil são tratados como garotos por mais tempo, e levam esse comportamento até muitos anos depois. Na Europa, diz o pai, há um comprometimento desde cedo com a tática no campo, com o físico e alimentação.
Não passa pela cabeça da família o risco de Reinier se distrair com um salário mais alto e o status de jogador do clube mais vitorioso da Europa. A irmã do meio, Betinna, diz que Reinier gosta tanto de futebol que chega a ser chato (no bom sentido, brinca):
— Tudo para ele é futebol. No recesso, em vez de ir para a praia, fica jogando futmesa. Eu digo “meu filho, vai fazer alguma coisa”. Mas é a paixão dele.