Professor guaraense do Sistema Socioeducativo do DF concorre a honraria internacional

Por seu trabalho junto ao sistema socioeducativo, professor de História do DF é um dos três indicados a finalistas da edição de 2020 do prêmio Global Teacher Prize, considerado um nobel da educação

Francisco Celso Leitão Freitas, criador do Projeto Rap, leciona no sistema socioeducativo e concorre ao prêmio internacional | Foto: Bárbara Figueira / Sejus

O professor de História Francisco Celso Leitão Freitas é um dos finalistas do prêmio Top 50, do Global Teacher Prize 2020, considerado “o nobel da educação”. O Global Teaher Prize é uma premiação que, instituída pela Varkey Foundation, nas edições dos últimos três anos, teve três finalistas brasileiros: o capixaba Wemerson da Silva, em 2017; o paulista Diego Mahfouz Faria Lima (2018) e, em 2019, outra paulista, Debora Garofalo. Em comum, todos foram selecionados pela magnitude de seu trabalho.

Francisco é o criador do Projeto Rap (Ressocialização, Autonomia e Protagonismo), uma alusão ao gênero musical rap. Francisco utiliza o rap como ferramenta pedagógica na Unidade de Internação (UI) de Santa Maria do Sistema Socioeducativo do DF, vinculada à Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus).

Com esse trabalho, desenvolvido em parceria  om a Secretaria de Educação (SEE),  o projeto ganhou corpo. Francisco já tem dois livros publicados, várias músicas gravadas e alguns videoclipes – entre esses, 18 Razões. Pela não redução da maioridade penal, exibido no 52º Festival de Brasília de Cinema Brasileiro, no ano passado. O projeto tem aberto portas para egressos do socioeducativo se ressocializarem. Contempla crianças e jovens entre 12 e 21 anos que estão cumprindo medida de privação de liberdade. Confira a entrevista do professor Francisco Celso à Assessoria de Comunicação da Sejus.

Fale um pouco sobre o sr., sua formação e história de vida.

Sou do Distrito federal, nascido e criado no Guará. Também morei no Recanto das Emas. Sou professor de História e produtor cultural. Para mim, educação sem cultura é o mesmo que esqueleto sem musculatura. Acredito que a arte alcança mais o coração das pessoas do que o discurso eloquente.

Como se deu seu ingresso como professor no Sistema Socioeducativo do DF?

Quando iniciei no socioeducativo, em 2015, percebi que os meninos e meninas não se identificavam com as histórias dos livros didáticos. Percebi que muitos utilizam linguagem do rap. Faz parte do dia a dia deles. Essa é a realidade de uma juventude preta, pobre e periférica. No primeiro semestre, fechei este diagnóstico. Daí resolvi usar o rap como ferramenta pedagógica, e recebo todo apoio para o projeto na Sejus.

A aceitação foi ampla?

Sim. E o que mais me surpreendeu foi o talento deles, a capacidade de compor e rimar. Superavam bloqueios que eles mesmo se colocavam no local. Pude ver melhoras nas escritas, na argumentação, na expressão corporal. Muitos jovens estavam há muito tempo sem frequentar escola, outros tinham dificuldades de leitura. Minhas abordagens passaram a ser de coisas conectadas à realidade deles, literatura marginal, textos curtos.

Quais as maiores dificuldades?

O sistema socioeducativo é muito ímpar, muito rotativo. O aluno que estava na aula anterior, na seguinte já foi liberado. É muito complicado ser conteudista. Não tem como dar continuidade. A estratégia foi utilizar os eixos transversais do currículo em movimento da educação básica do GDF, que são diversidade, direitos humanos e sustentabilidade.

Na prática, como se dá esse processo?

Eu pego o rap e faço as vinculações históricas, uso como instrumento de aproximação com eles. E eles começaram a expressar o que aprenderam de forma muito livre – em desenhos, poesias, redação e muitos fizeram letra de rap. Eu costurei parcerias e fizemos musicalização dessas letras. Já lançamos dois livros com essas produções. A gente tem várias produções a serem compiladas em CDs. Depois, partimos para acompanhamento de egressos. A partir de videoclipes, eles foram convidados para se apresentar na Procuradoria-Geral da República e na abertura do 2º Simpósio Nacional em Socioeducação, com apoio da Sejus. Também foram convidados a participar de campanha nacional do Conselho Federal de Química.

Então o projeto extrapola a escola?

Sim. O projeto vem oportunizando acompanhar os socioeducandos já como egressos, dando continuidade à ressocialização deles. Porque a principal dificuldade do sistema é o acompanhamento de egressos. Quando eles saem, voltam para o mesmo ciclo de negação de direitos, difícil de romper. Aí, voltam à criminalidade. Dar a eles uma outra perspectiva é o mais gratificante.

Esse método pode ser adotado em outras unidades do sistema socioeducativo?

O reconhecimento do projeto promoveu vários convites para expandir dentro do socioeducativo e em escolas regulares, como palestrante. Participei como palestrante de outro projeto da Secretaria de Justiça e Cidadania, o RAPensando nas Escolas, em quase 100 escolas de Ceilândia, Taguatinga e Recanto das Emas. Fazemos então um trabalho preventivo para que os jovens não entrem na criminalidade. Me enxergo nesses meninos, sou filho da escola pública. Alguns meninos dizem: “vou partir para ‘rebento’ porque não dá nada, porque sou ‘de menor’”. Essa é uma fala que desconstruímos. Explicamos que essa história de não dar em nada não existe e que o socioeducativo é lugar de muito sofrimento. Trabalhamos no tripé: prevenção nas escolas regulares; no socioeducativo damos início ao processo de ressocialização e depois fazemos o acompanhamento dos egressos para que não reincidam no crime.

E sobre o prêmio a que o sr. está concorrendo?

O Top 50 do Global Teacher Prize é uma premiação internacional promovida pela Varkey Foundation. A entidade premia, anualmente, com US$ 1 milhão, um professor que tenha prestado uma excelente contribuição para sua profissão. A gente ganhou o prêmio local do Itaú Unicef 2017; em 2018, a gente ganhou o mesmo prêmio, Itaú Unicef, etapa local e nacional. Neste ano de 2020, a gente foi campeã do Selo de Práticas Inovadoras na Educação. Os três indicados do Brasil ao importante prêmio internacional [além dele] são a professora de educação especial e língua portuguesa Doani Emanuela Bertan, de Campinas (SP) e a professora Lília Melo, de Belém (PA). Os três brasileiros fazem parte de um grupo seleto de 50 educadores do mundo. Esses dez selecionados irão para Dubai, nos Emirados Árabes, para a cerimônia de premiação, e lá será anunciado o campeão da premiação. O vencedor só será revelado em outubro, mas já somos embaixadores.

Como você está se sentindo? Sua vida mudou?

É muito gratificante o reconhecimento por uma questão coletiva; dar visibilidade ao sistema socioeducativo, que é bem desconhecido. Poucas pessoas sabem que lá dentro tem escolas e que os internos produzem muitas coisas boas. O que vemos na mídia é só o negativo. No imaginário social, os jovens que lá estão são tidos como garotos e garotas problemas, mas não o são. São garotas e garotos com muitos problemas, mas que não tiveram direitos. São de extrema vulnerabilidade social. Não são monstros, são seres humanos que têm defeitos, como todos nós. Temos que dominar todas as técnicas e tecnologias, mas, com outros seres humanos, temos que ser humanos.