Restaurantes no limite

Um dos segmentos mais afetados pela pandemia do coronavírus é o da gastronomia, por causa da aglomeração e dificuldade do uso da máscara. Fechada há mais de 70 dias, maioria de bares e restaurantes está no limite da sobrevivência. Grande parte pode desaparecer, principalmente os de maior porte, se a atividade não for liberada ainda em junho. Guará corre o risco de perder suas casas mais tradicionais. Delivery não está sendo suficiente para mantê-los.

Na esteira da crise causada pela pandemia do coronavírus, um dos setores mais impactados é o de bares e restaurantes. Mesmo com a retomada gradual autorizada pelo governo das atividades econômicas no Distrito Federal, o segmento continua sem perspectivas de reabertura, por causa do risco de aglomeração. Alguns continuam sobrevivendo do delivery, mesmo assim com retorno insuficiente para cobrir os custos sem necessidade de demissão de funcionários. O estrago é grande e vai piorar se o atendimento presencial não for autorizado ainda em junho. Levantamento do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar-DF) indica que cerca de 400 estabelecimentos de médio e grande porte fecharam as portas definitivamente no Distrito Federal até a primeira semana de junho, com demissão de mais de 10 mil funcionários. E a curva pode subir em até 100 fechamentos por semana, se providências urgentes não forem tomadas para o reinício das atividades.

Jura está preocupada com situação do Morggana`s, do Guará Shopping, que pode fechar se não for reaberto até o final de junho

No Guará, a situação é o espelho do restante do DF. Os principais bares e restaurantes da cidade estão no limite da sobrevivência e não aguentam esperar soluções por muito mais tempo. Mesmo as soluções paliativas oferecidas pelo governo, como a suspensão temporário do contrato de funcionário e linhas de crédito não estão resolvendo o problema. A Medida Provisória 936, que permite a suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias caduca no próximo dia 9 de junho e a reativação ainda depende de votação no Congresso. As linhas de crédito disponibilizadas estão sendo dificultadas pelos agentes bancárias por falta de garantias dos tomadores. O empréstimo com juros especiais anunciado pelo governador Ibaneis teve pouco mais de 200 tomadores até agora, por causa das exigências de contrapartida. “Tem empresário que está oferecendo imóvel como garantia e mesmo assim o banco, no caso o BRB, não está liberando”, reclama Jael Antonio da Silva, presidente do Sindhobar-DF.

Jael Antonio, presidente do Sindhobar-DF, prevê a falência da maioria dos tradicionais bares e restaurantes do DF

A solução, portanto, é reabrir, mas a decisão esbarra no ônus político do governante, que arrisca receber a culpa da decisão caso ocorra aumento de casos de contaminação. Jael conta que tem se reunido com o Gabinete de Crise do GDF para buscar a reabertura o mais urgente possível, claro, dentro das limitações sanitárias recomendadas. “Propusemos reabrir os bares e restaurantes no próximo dia 10 de junho, para aproveitar o movimento do Dia dos Namorados, mas não obtivemos resposta ainda. Se não houver solução até o final de junho, todo o Distrito Federal vai perder a maioria absoluta dos seus bons restaurantes e bares”, prevê. O representante da categoria garante que o segmento alimentício não quer forçar a reabertura sem os cuidados necessários, mas dentro de todos os protocolos de segurança sanitária. “Se tomarmos as medidas recomendadas, ir a um bar ou restaurante terá menos riscos do que ir aos supermercados, que estão todos cheios. Não podemos mais aguardar, é agora ou o segmento vai morrer”.
Jael afirma que, embora alguns estabelecimentos ainda funcionem com delivery, a alternativa é financeiramente viável para apenas uma parcela dos negócios. “O delivery só é rentável para o comerciante que tem sua operação pensada exclusivamente para o online. Além disso, as plataformas de delivery cobram entre 23% a 27% da receita. O que sobra paga apenas o insumo, ou seja, o dono do negócio vende para pagar dívida”, completa.

Júlio Neves abriu o Dom Mano no final do ano passado e quatro meses veio a pandemia. Ela garante que não consegue manter o negócio fechado por mais um mês

Situação dramática no Guará
Se não for encontrada uma solução ainda em junho, a população guaraense corre o risco de perder tradicionais pontos de encontro e de gastronomia, como Chalé da Traía, Bar do Mané, Peixe na Rede, Morggana´s, Dom Mano, entre outros bem frequentados. A situação é pior para quem paga aluguel pelo imóvel ocupado, como é o caso da recém inaugurada Pizzaria Dom Mano, na QI 7 do Guará I, que abriu as portas em novembro do ano passado e ficou apenas quatro meses aberta, tempo que não foi suficiente para formar uma clientela fiel para sustentar o serviço de encomenda. “O nosso faturamento caiu mais de 60% e o que estamos conseguindo vender no delivery, 27% é a taxa do Ifood. Se não puder abrir até o final de junho, fecho a casa em definitivo”, afirma o proprietário Júlio Neves, que teve outra pizzaria com o mesmo nome no Guará Shopping da QE 30, no Guará II por mais de 15 anos. Júlio conta que conseguiu renegociar o aluguel da loja com desconto de 40% durante a pandemia, mas, segundo ele, não é suficiente. “Os encargos são muitos. Tenho 18 empregados e só quatro estão no programa de suspensão temporária do governo. Continuo com 14, mas não dá mais”, diz ele, que lembra que a faixa da clientela da pizzaria e de restaurantes a la carte é acima de 60 anos, exatamente a que mais tem restrições das recomendações sanitárias. “Mesmo reabrindo, vou ter que reduzir a minha capacidade atual de 102 lugares para a metade, e mesmo assim para casais, porque as comemorações e reuniões familiares e de trabalho não vão poder acontecer por um tempo”, completa.
Considerado um dos ícones dos bares do Guará e do Distrito Federal, por causa da forma de preparo do peixe que dá nome ao bar e restaurante, o Chalé da Traíra também corre risco de fechar, embora o imóvel seja próprio e pague apenas pela taxa de ocupação. De acordo com os sócios Francisca Roque e Rogério Monteiro, não dá para segurar a situação por mais de um mês. “Tínhamos 40 funcionários antes da pandemia, mas tivemos que demitir ou colocar de licença cerca de 80% deles. O delivery quase não cobre os custos e nem sabemos se vale a pena continuar”, lamenta Rogério. “O que nos mantém por enquanto é o delivery do restaurante Cidade Livre, no Núcleo Bandeirante, e o da Boutique da Pizza, na QE 44”, completa Francisca.

Alberto depende da liberação de um empréstimo bancário para manter o Peixe na Rede da QE 30. Se não conseguir, vai fechar

Considerado o bar mais tradicional do Guará, com 29 anos de funcionamento, o Bar do Mané, na QE 17 é outro que não sabe se sobrevive à pandemia. “Pago aluguel de três lojas e optei por não demitir os 12 funcionários, mas a situação está ficando insustentável. Estamos faturando apenas 20% com o delivery, mas parte vai para o Ifood. O pior é que fiz um alto investimento na cozinha, que passa a ser a melhor do Guará. A intenção inclusive era reabrir com serviço de rodízio, mas está ficando difícil se demorar muito a reabrir”, afirma Manoel dos Santos Freire, o Mané das Codornas.
“Não consigo mais continuar com o restaurante se o governo não permitir a reabertura até o final de junho. Somente o delivery não paga nossas despesas. Este mês não tenho mais dinheiro para a folha de pagamento, que tem 15 funcionários, porque optei por não demitir nenhum”, afirma Juraci Ferreira da Silva, a Jura, proprietário do Moggana´s, um dos self services mais procurados do Guará, muito conhecido também pelos caldos durante a noite. “São 23 anos de funcionamento que podem ser perdidos em pouco tempo”, lamenta.

Para Rogério Monteiro, o delivery não é suficiente para manter um bar e restaurante do tamanha do Traíra