Operação combate crimes entre pipeiros do Guará

Polícia recolhe pipas com cerol, drogas e até praticante com prisão decretada. Mas, não vai proibir o esporte, como pedem os moradores

À medida em que vai sendo ocupada com novas construções e novos moradores, a Expansão do Guará, na área conhecida como “cidade do servidor”, entre as QEs 38, 44 e Iapi, vai tirando da cidade um dos esportes mais antigos e tradicionais dos anos 50 a 80 no Brasil. Uma operação da 4ª Delegacia de Polícia Civil, nesta quarta-feira, 15 de julho, espantou e apreendeu empinadores de pipa que fazem mau uso do esporte. A operação “Deu Linha” atendeu a um abaixo-assinado pelos moradores das novas QEs 48 a 58, que denunciam uso de linha com cerol (barbante com pó de vidro cortante) e linha chilena (com pó de quartzo e óxido de alumínio), uso de drogas, furtos e barulho excessivo. O documento encaminhado à polícia adverte também para o risco de acidentes a pedestres, ciclistas e motociclistas.
De acordo com os moradores, os praticantes de pipa chegam a invadir casas e obras atrás das pipas “cortadas”, danificando telhados, plantas e portões, além de indícios de tráfico de drogas. Durante a operação, foram abordadas cerca de 50 pessoas e apreendidas 51 pipas e 12 carreteis de linha com cerol, dos quais seis com linha chilena.
Além do recolhimento das pipas irregulares, 11 pessoas foram flagradas sem máscaras de proteção individual, que tem uso obrigatório em locais públicos no Distrito Federal por decreto do governador Ibaneis Rocha. Todas tiveram seus dados encaminhados ao DF Legal para aplicação de multa. Outras 10 foram presas em flagrante, por estarem portando carretéis de linhas com cerol ou de linha chilena. Essas foram autuadas pelo crime de perigo de vida (Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente), cuja pena pode chegar a um ano de prisão.
A operação Deu Linha, que mobilizou um aparato de 24 policiais, também apreendeu um menor de idade com mandado de busca e apreensão em aberto, que foi encaminhado à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA).

Polícia vai combater apenas os crimes
As reclamações dos novos moradores da “cidade do servidor” contra os pipeiros vem se intensificando desde o início do ano. No grupo de WhatsApp dos proprietários de lotes da expansão são frequentes os relatos de invasão de residências, acidentes com linhas, gritos, som alto e uso de drogas durante a semana provocados pelos praticantes do esporte.
A intenção dos moradores é retirar de vez os pipeiros da área, mas a polícia lembra que o esporte não pode ser proibido se não forem comprovados o uso de cerol e outras irregularidades durante a prática. “Empinar pipa é uma atividade saudável como qualquer outra e deve ser incentivada e não combatida. O que estamos fazendo é combater os crimes que estão sendo praticados durante as atividades”, explica o delegado titular da 4ª DP, Gerson de Sales.
A polícia vai continuar monitorando a área para evitar a repetição desses crimes, segundo o delegado. “Nessa primeira operação, procuramos mais orientar os praticantes e lavrar Termos Circunstanciados de crimes mais leves, mas se forem repetidos aí vamos tomar providências mais enérgicas, mas sem proibir ou prejudicar o esporte desde que praticado de forma sadia”, completa Gerson de Sales.

 

Pipa é esporte, sim senhor!

Reportagem do Jornal do Guará de 2019 mostra o lado sadio do esporte, um festival de cores do artefato de papel que empina sonhos e paixões

Uma das mais antigas e apreciadas brincadeiras de jovens está de volta, mas resgatada por adultos. Também conhecida como “papagaio” em algumas regiões, a pipa virou brinquedo de marmanjo e é tratada até como esporte, além servir de interação entre praticantes de vários países. Basta ir aos finais de semana na área conhecida como “Cidade do Servidor”, entre a QE 38 e o condomínio Iapi, para comprovar que a pipa está mais viva do que nunca. São centenas de praticantes, a maioria acima de 40 anos de idade, se divertindo com o prazer de empinar o artefato de papel impulsionado pelo vento, mas que depende da habilidade de quem o maneja através de um cordão.
A área, quando tinha menos ou quase nenhuma construção, era palco até de eventos nacionais que reuniam pipeiros de todo o país, como cinco versõs do Festival de Pipa do Distrito Federal. No festival acompanhado pela reportagem do Jornal do Guará em 2019, cerca de 800 pessoas se divertiam num espetáculo de cores no chão e no ar. Além dos praticantes no DF, vieram caravanas de todo o país, numa integração pouco vista em outros esportes.
Quem passou pelas vias laterais do loteamento pôde perceber a quantidade de pipas voando. Mas, no meio do mato e nas ruas asfaltadas e não ocupadas, é que o esporte tomou maiores proporções. Eram famílias inteiras e grupos de amigos acampados e gente de todas as idades se divertindo e se interagindo.
Promovido pela recém-criada Associação de Pipeiros e Esporte de Brasília e Entorno (Apebe), o festival teve caráter apenas demonstrativo, sem competição, e atraiu entre 600 a 800 praticantes nos dois dias. O esporte tem crescido com a criação de sites específicos, onde são divulgados os encontros e competições, e comercializados materiais para a produção da pipa ou o próprio artefato pronto.

Paixão inexplicável
Mas, o que esse esporte despretensioso e aparentemente sem graça atrai tanta gente? A resposta é a mesma para quem é apaixonado por golfe, futebol, ou qualquer outro esporte sob o ponto de vista de quem não o pratica. A paixão não se explica. Pratica-se.
“É minha paixão desde os seis anos de idade. Praticava no Rio de Janeiro e continuo fazendo desde quando vim para Brasília, há 19 anos”, conta o funcionário público Sidney Camilo, 47 anos, morador do Cruzeiro, um dos líderes do movimento pipeiro no Distrito Federal e presidente da Apebe. Além de difundir a pipa, Sidinho tem se empenhado em conseguir com o governo uma área para a criação de um “pipódromo”, onde os praticantes possam praticar o esporte sem incomodar os moradores próximos. “Os praticantes de futebol tem os campos, o de automobilismo os autódromos, os de basquete, vôlei e futebol de salão dispõem de quadras e ginásios… Nós queremos o mesmo tratamento.
Com a vantagem de que basta um único local no Distrito Federal”, argumenta. Ele sugere a área atrás da rodoviária interestadual ou atrás do estádio Mané Garrincha, ou até mesmo no Guará, no Cave, entre o posto de Saúde e a cozinha do Sesi.
São Paulo é outro centro que continua preservando o esporte com muita força. É de lá o campeão mundial da modalidade, em dois campeonatos mundiais em 2012 e 2014 na França, José Luiz Sallas Ramos, que esteve no festival do Guará no ano passado. O Festival de Pipa de Osasco, na grande São Paulo, reuniu cerca de 15 mil pessoas no final de março passado.

Fazendo amigos
O outro lado interessante do esporte é a interação entre os praticantes. São amizades novas e antigas, mantidas nos festivais de pipa ou em encontros sociais. Às vezes também rola um churrasco entre eles nos locais de eventos. Enquanto acompanhava o festival no Guará, a reportagem do JG percebeu a intimidade e a amizade entre a maioria. Quase todos se conhecem pelo nome, mesmo quando se encontram apenas nessas oportunidades.
O baiano Denisson Gonçalves do Espírito Santo, 49 anos, veio de Salvador para o evento pela terceira vez, além de participar de praticamente todos os encontros de pipeiros no país. “É minha paixão desde criança. Nunca deixei de praticar e é nesses encontros que a motivação aumenta”, afirma. Aos 65 anos, José Carlos Camilo, garante que nunca deixou a pipa. “Só quem está no meio sabe o que ela promove, por agregar o lado social e familiar”.
Sem vícios – não bebe, não fuma e gosta da vida caseira – Igor Natanel Santana, 28 anos, encontrou na pipa seu desestresse. “Pratico há dez anos e onde vou levo a família junto, que também aprendeu a gostar do esporte”, conta. História semelhante tem Alessandro dos Santos, 42 anos, que não perde um encontro no distrito Federal e leva a tiracolo a mulher e os dois filhos – a filha Jiovana, de 11 anos, passou a ser uma pipeira apaixonada.

Comércio
A pipa tomou uma proporção que vai além da prática simples do esporte. Virou também um negócio para alguns, como é o caso de Júlio César Polis da Silva, que deixou a profissão de Químico para montar uma fábrica de pipa em Goiânia, onde chega a produzir cerca de 1.500 por dia e emprega seis pessoas. Ex-cabo do Exército, Rafael Oliveira da Silva juntou o dinheiro da indenização do trabalho, criou uma fábrica na Candangolândia e comprou um trailer para comercializar material e pipa em todos os eventos do Distrito Federal. “Comecei apenas para alimentar a paixão pela pipa, mas hoje ela é meu sustento e de outras cinco pessoas que trabalham comigo”, afirma.