Acostumado a aportar aonde é bem recebido pelo público e escolher para onde ir, o Circo Vitória se viu diante de uma realidade única e dura nos seus 27 anos de existência, ao ser pego de surpresa pela pandemia do coronavírus quando se apresentava no Guará há mais de dois meses e se ver obrigado a não deixar a cidade e, pior, suspender seus espetáculos. Por fazer partes das atividades mais sensíveis à contaminação, por envolver concentração de público, a atividade circense nem pôde ser incluída no recente decreto do Governo do Distrito Federal que liberou os cinemas, porque depende de alvará eventual. A previsão é que essa liberação aconteça somente a partir de fevereiro, quando está previsto início da vacinação contra a Covid-19. Ou seja, um ano depois do circo fechado.
Essa parada forçada, poderia provocar desespero nas 20 pessoas que dependem da arrecadação dos espetáculos do Circo Vitória para continuar sobrevivendo. Mas não está. Embora preocupados com o futuro, as 16 pessoas da família Mocelim – menos uma idosa de 80 anos foi para a casa de uma das filhas por segurança – e quatro ajudantes resolveram enfrentar a realidade sem lamentações e aproveitar a proximidade com o guaraense para fazer e reforçar amizades – é a terceira vez que aporta no Guará. É dessa relação que os membros do Circo Vitória estão recebendo exemplos de solidariedade através de doações. Mas, o longo período sem trabalho e sustento aliado à redução da capacidade de doação dos moradores, começa a preocupar os integrantes do circo, que contam apenas com o básico – arroz, feijão, óleo, macarrão – para a alimentação. Há algum tempo, escassearam as doações de legumes, verduras e carnes. Mesmo assim, a maior parte dessas doações tem vindo de quatro a cinco pessoas e do condomínio de um edifício residencial próximo.
A situação tem mobilizado uma campanha nas redes sociais da cidade para arrecadar doações que possam reforçar e melhorar a alimentação dos integrantes do circo. Sem essa ajuda, eles contam apenas com a promessa da liberação de recursos de projetos sociais do governo, como da Lei Aldir Blanc, de apoio à cultura, ou do projeto Prato Cheio, da Secretaria de Desenvolvimento Social. Mas nenhum deles está garantido ainda.
Amor pelo circo
Criado há 27 anos em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, o Circo Vitória foi a afirmação do empreendedorismo de Antenor de Almeida, 82 anos, seu filho Wilson de Almeida, 61 anos, e a nora Louri Mocelim, 59. Antenor trabalhava num circo, onde nasceu Wilson. A gaúcha Louri era uma apaixonada pela atividade circense e após conhecer e se apaixonar por Wilson resolveu segui-lo. Dessa união, vieram três filhos e quatro netos, que teve a adesão na atividade de noras e genros. Todos são crias do Circo Vitória e até hoje continuam a acompanhá-lo.
Porta voz da família, Michelle Mocelim de Almeida, 37 anos, define o que para o público externo pode parecer de difícil compreensão essa paixão por uma vida mambembe, em que se vive apenas o dia a dia. “É um sentimento inexplicável. Só quem vive no circo sabe o que representa esse mundo, que nos dá oportunidade de conhecer tantos lugares, culturas e pessoas diferentes. O trabalho se confunde com o divertimento. Não há rotina”, diz ela. Com efeito, o Circo Vitória somente não passou ainda por Amazonas, Acre e Rondônia no Brasil, mas já perambulou por Uruguai, Paraguai, Chile e Peru.
Até para as crianças a vida circense é divertida, porque a cada porto elas tem a oportunidade de estudar numa escola diferente e conhecer novos colegas – uma lei federal garante vagas em escolas públicas aos filhos de profissionais de circo em qualquer época e local, até o Ensino Médio. Até curso superior é possível fazer, como foi o caso da própria Michele, que concluiu Artes Cênicas nos quatro anos em que o circo ficou em Ribeirão Preto.
Loiri Mocelim, mãe de Michele, transformou a admiração adolescente pela paixão ao circo. “Depois de 40 anos em que estou no Vitória, acho que não saberia viver fora desse mundo, que ensina uma coisa nova a cada dia”, garante a ex-trapezista e domadora de cavalos que agora cuida da parte administrativa e da cozinha e dá suporte à toda a família.
No início da pandemia, as famílias do circo criaram uma pequena fábrica de máscaras, que eram vendidas a R$ 5, mas a concorrência, que inundou o mercado do produto, inviabilizou o negócio. “Até a reabertura, estamos contando com a solidariedade do morador da cidade, pelo menos até que consigamos ser incluídos nos programas de apoio do governo”, afirma Michele.
quem quiser, basta contatar Michele, pelo 98191.5121