Um conluio entre donos de terrenos no lado par da orla do Guará II, membros do governo Maria de Lourdes Abadia (que concluiu o governo Joaquim Roriz) e alguns deputados distritais durante a votação do Plano Diretor Local (PDL) do Guará em 2006 permitiu a construção de edifícios de até 75 metros ou 26 andares na orla do Guará II. O limite proposto no PDL e discutido pela comunidade durante duas audiências públicas era de 26 metros de altura, o que correspondia a 10 andares, em toda a cidade mas, na última votação da agenda da Câmara Legislativa, em dezembro de 2006, às 2h da manhã, sem que a comunidade e imprensa ficassem sabendo com antecedência, foi aprovada a emenda que triplicava esses limites.
O conluio foi estrategicamente incluído na agenda da última votação do ano e da gestão da Câmara Legislativa (em 2007 tomariam posse os novos deputados distritais eleitos) e do governo (que já tinha eleito José Roberto Arruda), para que não houvesse tempo e condições da alteração ser revista. Assim que tomaram conhecimento da negociata (por causa da suspeita de envolvimento de pagamento de propina aos membros do governo e aos deputados distritais que votaram a favor), as lideranças guaraenses passaram a protestar contra a aprovação da emenda, que era bem diferente da proposta apresentada pelo governo nas duas audiências públicas no Guará. Até o Ministério Público tentou intervir ao propor a nulidade da votação, com base na falta de discussão com a comunidade, mas a Justiça não aceitou o pedido. Pressionado, o então governador eleito José Roberto Arruda chegou a encenar a revogação da emenda, ao publicar o Decreto 29.406, de 15 de agosto de 2007, alterando os limites para 56 metros de altura na orla e 36 metros (12 andares) na via central do Guará II e 26 metros no Setor de Oficinas Sul, apelidado depois de “Park Sul”.
A proposta da edição do decreto foi apresentada a Arruda pelo recém-eleito presidente da Câmara Legislativa, deputado distrital Alírio Neto (que não fazia parte da gestão que aprovou o PDL do Guará), sob o argumento de que a população guaraense estava preocupada com os riscos da falta de controle da verticalização da cidade, o que poderia provocar um desiquilíbrio arquitetônico, principalmente no Guará II, e fortes impactos na infraestrutura ao longo da orla. Entretanto, a edição do decreto provocou forte reação das incorporadoras que já haviam aprovado vários projetos com as novas medidas aprovadas pela Câmara Legislativa e não aceitavam a “mudança das regras no meio do campeonato”. Descobriu-se depois que o próprio governador Arruda e o deputado Alírio Neto sabiam que o decreto seria facilmente considerado inconstitucional pela Justiça e mantida a consequente manutenção do PDL aprovado. Dito e feito. Mas, para amenizar a ira da população, os dois negociaram com as incorporadoras um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), com a intermediação do Ministério Público, em que elas se comprometiam a destinar um determinado valor, na época cerca de R$ 1,2 milhão, para investimentos na cidade como “compensação”. O acordo incluía as incorporadoras que estavam investindo na orla do Guará II e no SOF Sul (também região administrativa do Guará). Mas, por falta de projetos técnicos e de vontade política dos governos subsequentes de Rogério Rosso, Agnelo Queiroz e Rodrigo Rollemberg, o compromisso não foi cobrado, até ser restabelecido pelo governo Ibaneis e anunciado para implantação nos próximos meses. Em valores atualizados, a cidade vai receber mais de R$ 5,2 milhões em investimentos, principalmente na orla do Guará II, onde houve maior impacto com as construções acima do padrão da cidade.
Como será a compensação
O anúncio da retomada do acordo foi feito em outubro do ano passado, quando o governo Ibaneis anunciou que havia concluído a aprovação do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), definido melhorias, prazos para intervenções e aguardava a assinatura do novo Termo de Compromisso com as incorporadoras. Em valores corrigidos são exatos R$ 5.225.176,59, com entrega das melhorias em até 14 meses, a contar da data do anúncio, ou seja, outubro de 2020.
Entre as obras previstas estão a ampliação das faixas de acomodação nos retornos; mudanças no ciclo semafórico na interseção do Guará I com o Guará II; realocação das faixas de pedestres; requalificação da avenida central, com ciclovia, calçadas e acessibilidade; implantação de sistema viário e paisagismo da praça da EQ 23/25.
O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Mateus Oliveira explica que o governo resolveu cobrar a dívida das incorporadoras antes que ela caducasse ou caísse no esquecimento. “As empresas estavam com as obrigações em aberto, pendentes de cumprimento. Nossa gestão pegou e resolveu o problema, concluindo a aprovação do EIV junto ao setor produtivo, definindo as obras que os empreendimentos, enfim, farão”, afirma o secretário. O Termo de Compromisso foi aprovado pela Comissão Permanente, que vai fiscalizar a execução das intervenções.
“Essas empresas geraram impactos à vizinhança com a promessa de que as intervenções necessárias viriam. Faltava gestão do problema a fim de que elas pudessem realizar as obras para que a população possa usufruir das melhorias no espaço urbano da região”, completa o titular da Seduh.
Passados seis meses no anúncio, pouco se avançou na execução do acordo. Questionada pelo Jornal do Guará, a Seduh informou, em nota, que “são cinco medidas de responsabilidade de execução por parte das compromissárias, sendo que várias delas estão cumprindo o prazo de elaboração dos projetos dessas medidas. As demais estão em fase de esclarecimentos de dúvidas das medidas que já possuem projeto e as obras devem ser iniciadas em breve”, mas não informou o estágio da elaboração dos projetos e nem quanto serão concluídos.
A execução das obras depende apenas do governo. Aliás, sempre dependeu, de acordo com ex-presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi-DF), Paulo Muniz. “Desde o início, nos colocamos à disposição para fazer os investimentos combinados. Chegamos a insistir com os governos de Agnelo Queiroz e Rodrigo Rollemberg, mas não demonstraram muito interesse”.
Desta vez, parece que o acordo será cumprido, mesmo com a lentidão do governo em fazer sua parte. O diretor de Assuntos Trabalhistas da Ademi, André Oliveira, representante da instituição nas negociações com a Seduh, prevê que parte das obras previstas devem ser iniciadas em julho. “Alguns projetos já estão prontos e em condições de começarem a ser executados. Outros estão sendo revistos ou corrigidos e assim que ficarem prontos poderemos iniciar a execução”.
Benefícios para todos
“Todas as empresas envolvidas tinham muito interesse que as obras fossem feitas. Era compromisso delas, por isso há satisfação em assinar o termo após tanto tempo, cumprindo a obrigação que tinham com a sociedade”, afirma o presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi-DF), Eduardo Aroeira Almeida.
De acordo com o representante das empresas, o fato de as intervenções não terem sido executadas no entorno das edificações no passado foi oportunidade perdida. “É ótimo que isso aconteça agora para a cidade e aos atuais moradores, mas as empresas venderam as unidades sem possibilidade de valorização”, emenda.
“Será de grande importância para ampliar a mobilidade urbana da população, na Avenida Contorno e Central. Esses ajustes são importantes para a segurança de ciclistas, pedestres e no fluxo viário”, afirma a administradora regional do Guará, Luciane Quintana. Ela lembra que a cidade se desenvolveu muito com a construção de mais prédios, mas isso aumentou significativamente o impacto no trânsito e na movimentação das pessoas.
Morador do Guará há oito anos, o servidor público Joaquim Xavier, 52 anos, aprova melhorias na avenida que corta toda a cidade. “É bom saber que, depois de tanto tempo, não vai ficar por isso mesmo. Sempre ouvimos que tem essas obras de compensação, mas realmente aqui faltou”, diz. Para ele, as medidas vão valorizar ainda mais a região do Guará.
No ano passado, o primeiro Termo de Compromisso para medidas compensatórias foi firmado para garantir melhorias viárias no Setor de Garagens e Concessionárias de Veículos (SGCV), também no Guará, depois de 12 anos de espera. O objetivo é garantir que as construtoras executem obras que minimizem o impacto dos prédios erguidos no Park Sul. Ali, o investimento do setor produtivo é de R$ 24,3 milhões e eles têm prazo de 30 meses para a entrega das obras.