TRADIÇÃO ABANDONADA

Clube de Regatas Guará, que revelou Lúcio, capitão da Seleção Brasileira, morreu de vez, por causa de dívidas e má gestão. Saga mereceu reportagem do Uol Esporte

POR MARINHO SALDANHA, DO UOL ESPORTE

Um clube tradicional, o mais antigo do Distrito Federal, logo após o título estadual, encarou o Inter na Copa do Brasil em fevereiro de 1997. Até tentou se reforçar com jogadores da região, mas levou um sonoro 7 a 0. Esta é a história breve da última aparição nacional do Clube de Regatas Guará. Por mais curioso que possa parecer, os gaúchos, impiedosos na vitória, se interessaram e contrataram um zagueiro da vazada defesa daquele rival: Lucimar, que logo em seguida viraria Lúcio.
Um dos lados do restante da história é bem conhecido. Lúcio foi Campeão da Copa São Paulo pelo Inter, subiu ao principal ainda jovem, virou capitão do time, brilhou muito até ser vendido ao Bayer Leverkusen, da Alemanha. Seguiu trajetória de sucesso na Europa, passando por Bayern de Munique, Inter de Milão, Juventus, entre outros.
Pela seleção, Lúcio também foi capitão, participou de três Copas do Mundo, conquistando o título em 2002. Jogou quatro Copas das Confederações, conquistando duas, disputou Jogos Olímpicos e Copa América. Pelos clubes, ganhou Liga dos Campeões, três vezes o Campeonato Alemão, Campeonato Italiano, Mundial de Clubes, entre outros títulos relevantes. Esteve na seleção da Fifa dos melhores jogadores do mundo.
O Clube de Regatas Guará foi o clube mais antigo do Distrito Federal. Fundado em 9 de janeiro de 1957, a equipe participou do jogo considerado primeira partida oficial depois da inauguração de Brasília, contra o Esporte Clube Ribeiro, em 1960.
O Lobo da Colina, como foi conhecido, foi campeão brasiliense de 1996, e oito vezes vice-campeão. Disputou a segunda divisão do Brasileiro e também a Copa do Brasil, mas viveu duros momentos no fim de sua existência.
A decadência data do início dos anos 2000. Depois de algumas temporadas ruins, o clube foi rebaixado para segunda divisão brasiliense em 2006. Por duas temporadas, não conseguiu subir. Em 2009 e 2010 esteve licenciado, sem atividades. Em 2011 voltou a ativa, arrendado por um grupo de empresários. Sem sucesso, voltou a fechar em 2016. Após três temporadas (2017, 2018 e 2019) sem participar de competições oficiais, o clube fechou as portas oficialmente no fim de 2019.
O motivo do fim do Clube de Regatas Guará está nas dívidas. Impostos, ações trabalhistas, tributos, aluguéis. O acúmulo de problemas impediu a continuidade das atividades. Em 2019 não havia direção empossada ou nem mesmo interessados em assumir. Nem dos empresários vieram ofertas para arrendamento do clube. A melancolia tomou o estádio do CAVE, que hoje sofre ainda mais.

Quem responde pelo clube?

O último presidente do Guará foi Márcio Antônio da Silva, o Marcinho. A reportagem do UOL Esporte conseguiu contato com ele que, em rápidas palavras, se esquivou de detalhes sobre o Guará.

“Não posso entregar o clube na situação em que ele está sem que tudo esteja resolvido, porque vai sobrar pra mim, como, aliás, já está sobrando. Existem várias execuções judiciais que repondo por elas e outros não vão ter o mesmo empenho em me defender”
Márcio Antônio da Silva, o Marcinho, Último presidente do Guará em entrevista ao Jornal do Guará em 2017

“Não é só o Guará, são vários clubes no Brasil endividados. Em Brasília a gente não tem apoio”, disse por telefone. Em seguida, Marcinho alegou que estava em viagem e pediu que o contato fosse retomado no dia seguinte. Depois, não atendeu mais as ligações.
“Não estou na presidência do Conselho Deliberativo do Clube de Regatas porque quero, porque se dependesse somente da minha vontade eu já teria entregado tudo a quem quisesse”, disse Marcinho ao Jornal do Guará, em 2019.
Presidente do clube entre 1988 e 1991, e gerente de futebol em diversas oportunidades, Wander Abdala entende que o Guará fechou suas portas por falta de capacidade administrativa e interesses pessoais.

O clube fechou por falta de interesse, falta de capacidade, é muito triste. A maioria tinha interesses pessoais, tentava conseguir algum benefício próprio. Vários queriam ser políticos ou outra coisa. Para o futebol, poucas pessoas trabalharam pelo Guará
Wander Abdala, Ex-presidente do Guará

“Por falta de capacidade de administração, de interesse coletivo, de interesse do próprio clube, a maioria tinha interesses pessoais, tentava conseguir algum benefício próprio. Vários queriam ser políticos ou outra coisa. Para o futebol, poucas pessoas trabalharam pelo Guará”, afirmou.

Lúcio ficou pouco e não rendeu nada ao Guará

Lúcio disputou poucas partidas pelo Guará. Quando jovem, passou pelos times de base do Gama e do Planaltina. Mas, como o título do Estadual colocou o clube de Brasília na Copa do Brasil, em um confronto que seria importante na história, ele foi contratado por empréstimo em parceria com o empresário que era dono de seu “passe” na época: Wagner Marques.
Contra o Inter, atuou improvisado como lateral direito e viu sua defesa falhar repetidas vezes. O placar de 7 a 0 não impediu, porém, o então técnico colorado, Celso Roth, de observar qualidades no defensor e pedir sua contratação, que ocorreu semanas depois, por R$ 300 mil.
O valor, no entanto, não saiu dos cofres do Inter ou mesmo foi para os do Guará. O comprador também foi um investidor: Waldir Silveira. Ele pagou o valor ao investidor antigo, levou Lúcio para Porto Alegre e cedeu ao Inter 50% dos direitos do atleta pela “vitrine”.


Lúcio foi vendido para o Leverkusen em dezembro de 2000 por 9,2 milhões de dólares. O Colorado levou sua fatia, que hoje corresponderia a R$ 23,3 milhões.