A partir do próximo ano, associações de moradores ou prefeituras comunitárias, conselhos comunitários, cooperativas habitacionais e outras instituições organizadas vão poder cuidar da manutenção de quadras, praças e equipamentos públicos com recursos destinados pelo governo. É o que prevê a Lei 6915/2021, de autoria do deputado Rodrigo Delmasso (Republicanos), vice-presidente da Câmara Legislativa, sancionada pelo governador Ibaneis Rocha, que autoriza a participação da sociedade civil na revitalização interna das praças do Distrito Federal.
De acordo com a lei, essas instituições vão poder contratar serviços de jardinagem, roçagem, manutenção de pontos de encontro, quadras poliesportivas, parques e demais instalações de uso comunitário. “O crescimento populacional exige do poder público uma melhoria na qualidade dos serviços públicos e na manutenção nas cidades”, afirma Rodrigo Delmasso na justificativa do projeto. A proposta, segundo ele, é desburocratizar e agilizar a contratação de serviços que exigem menos recursos financeiros e não passem a depender mais da lenta burocracia da máquina pública. “Por outro lado, a iniciativa transfere à própria comunidade o estabelecimento de prioridades e faça com que ela valorize mais o que foi demandado e executado por ela”, diz ele.
“Queremos estimular a participação comunitária por meio das prefeituras das quadras e associações de moradores. A ideia é que os próprios moradores tenham autonomia para cuidar das áreas de lazer e de convívio, que são também locais de intercâmbio social e cultural”, completa Delmasso.
O deputado tem também outro projeto de lei na Câmara Legislativa que trata da certificação dos prefeitos de quadras. A proposta tem o objetivo de incentivar a conservação das quadras e abordar temas de interesse público entre os moradores da região, e reforça o projeto Nossa Quadra.
Limites de repasse de dinheiro
A Lei sancionada ainda será regulamentada até outubro pelo governo antes de entrar em vigor, porque precisa definir por exemplo limites de recursos financeiros que podem ser repassados a cada instituição para a contratação das instituições e a execução dos serviços. Esses limites, segundo Delmasso, devem ficar entre R$ 50 mil e R$ 200 mil no máximo por ano, dependendo dos projetos apresentados. Ou seja, uma instituição pode apresentar vários projetos para melhorar sua quadra, mas desde que todos eles atinjam os limites que serão estabelecidos para o repasse dos recursos.
Esses recursos poderão vir do orçamento direto da Secretaria de Governo, que se responsabilizará pelas contratações e repasses, ou de emendas parlamentares a que os deputados distritais tem direito (R$ 19,8 milhões por ano), a exemplo do que acontece com o Programa de Descentralização Adminis-trativa e Financeira (PDAF), das escolas públicas do DF, em que os diretores e gestores podem promover pequenas obras de melhorias ou de manutenção de menor valor.
Risco de esvaziar as administrações regionais
Questionado se o projeto não corre o risco de esvaziar ainda mais as administrações regionais, o autor da lei garante que isso é o que menos importa. “Na proporção inversa do crescimento populacional das cidades, todo o governo foi sendo enxugado em orçamento e pessoal qualificado, e perdendo seu poder de estar onipresente em todos os lugares e executar todas as demandas apresentadas pelos moradores. Nem as administrações regionais e nem a Novacap, que estão na ponta da manutenção das quadras, conseguem mais executar o que é necessário, em parte por dificuldades de vencer a burocracia para a contratação de serviços, às vezes pequenos”, afirma Delmasso.
Mas, de todo, as administrações regionais não serão esvaziadas como se supõe, porque caberão a elas a fiscalização da execução dos projetos contratados pelas organizações comunitárias. “É muito mais fácil qualificar quem vai fiscalizar do que quem vai elaborar um projeto e promover a licitação da obra, por exemplo”, cita o deputado.
Para também ajudar na qualificação das instituições, a Câmara Legislativa, através da sua Escola Legislativa, vai promover um curso de elaboração de projetos e planos de trabalho de 23 de agosto a 2 de setembro, antes da publicação do decreto que vai regulamentar a lei. Serão 50 vagas na primeira turma e outras 50 na segunda turma. Outros cursos serão abertos quando a demanda aumentar.
Riscos de corrupção e desvios
Uma das preocupações da Secretaria de Governo na elaboração do decreto de regulamentação da lei é com as possibilidades de desvios e mau uso dos recursos públicos por parte das instituições, porque a contratações dos serviços serão facilitadas exatamente para evitar a burocracia dos órgãos públicos. “O decreto que está sendo elaborado vai prever algumas amarras para impedir o mau uso do dinheiro repassado e estabelecer penas, além daquelas previstas pela Constituição, aos maus gestores. Lógico que não há como blindar tudo, mas a Lei vai dificultar ao máximo os desvios”, garante Delmasso.
Outra consequência da proposta será a valorização e o surgimento das associações organizadas, segundo o ex-administrador regional do Guará, Joel Alves Rodrigues. “Há alguns anos, quase todas as quadras do Guará contavam com prefeituras e associações de moradores, que eram filiadas à Junta de Prefeituras e Associações do Guará (Junpag), mas elas foram desaparecendo por falta de condições de terem suas demandas atendidas. Faltou estímulo. E não é por culpa apenas da Administração Regional, mas pelas limitações estruturais cada vez maiores de todo o governo, principalmente dos órgãos executores”.
Para a prefeita comunitária do condomínio horizontal Guará Park (antiga colônia Águas Claras), Tânia Coelho, o projeto vai melhorar a relação entre o governo e a comunidade, a partir das demandas executadas. “As instituições organizadas serão esse elo, porque atuam diretamente junto aos moradores e conhecem melhor a realidade de cada quadra ou região. Quando o morador perceber que as melhorias que ele pede e precisa estão sendo executadas, ele vai reconhecer o esforço das lideranças comunitárias e do próprio governo. Ou seja, não vamos tirar o espaço de ninguém, mas valorizar uma parceria”. Uma das mais antigas lideranças comunitárias de quadra do Guará, o prefeito comunitário da QI/QE 9, José Maria de Castro, avalia que o projeto vai dar um novo estímulo às lideranças na luta pelas melhorias de sua comunidade. “Estamos cansados de levar demandas para a Administração Regional que não são atendidas. Por isso, muitas das lideranças desistem de continuar trabalhando. Com a possibilidade de executarmos o que precisamos, será outra realidade”, diz.
Prefeita comunitária da QE 46, considerada a associação de quadra mais organizada do Guará, Célia Caixeta considera o projeto “uma faca de dois gumes”. “Enquanto pode resolver com mais celeridade as demandas das quadras, há um grande risco de disseminação de desvios, por parte de lideranças mal intencionadas em conluios com falsas empresas. Esse filme é antigo e de vez em quando é reprisado. O problema é que o governo não tem estrutura para fazer uma fiscalização eficiente. Mas a tentativa é muito válida”, avalia.
Líder comunitário full time (em tempo integral), o prefeito comunitário da QI/QE 2, Francisco Xavier de Castro, o Pequito, considera o projeto a solução para a melhoria dos espaços públicos. “A maioria das praças do Guará está degradada e a Administração Regional, a Novacap e o programa DF Presente não tem equipamentos e pessoal para revitalizá-las. Além disso, são os próprios moradores e suas lideranças é que sabem o que a sua quadra precisa”, completa.